Discurso no Senado Federal

SATISFAÇÃO DE S.EXA. COM A NOTICIA PUBLICADA NO JORNAL DO BRASIL DO DIA 18 DO CORRENTE, DEMONSTRANDO OS AVANÇOS NO TRATAMENTO DA AIDS, DECORRENTES DO USO DO CHAMADO 'COQUETEL DE MEDICAMENTOS'. MERITO SOCIAL E HUMANO DO PROJETO DE LEI DO SENADO 158, DE 1996, DE AUTORIA DO SENADOR JOSE SARNEY, TRANSFORMADO NA LEI 9.313, DE 13 DE NOVEMBRO DE 1996, QUE TRATA DA DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS AOS PORTADORES DO VIRUS DE IMUNODEFICIENCIA HUMANA (HIV) E DOENTES DA AIDS. APELO AS AUTORIDADES DO SETOR DA SAUDE PARA QUE AUMENTEM OS INVESTIMENTOS PARA O COMBATE A AIDS E ADOTEM TODAS AS PROVIDENCIAS, A FIM DE QUE NENHUM PACIENTE TENHA SEU TRATAMENTO INTERROMPIDO, EM DECORRENCIA DE PROBLEMAS DE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • SATISFAÇÃO DE S.EXA. COM A NOTICIA PUBLICADA NO JORNAL DO BRASIL DO DIA 18 DO CORRENTE, DEMONSTRANDO OS AVANÇOS NO TRATAMENTO DA AIDS, DECORRENTES DO USO DO CHAMADO 'COQUETEL DE MEDICAMENTOS'. MERITO SOCIAL E HUMANO DO PROJETO DE LEI DO SENADO 158, DE 1996, DE AUTORIA DO SENADOR JOSE SARNEY, TRANSFORMADO NA LEI 9.313, DE 13 DE NOVEMBRO DE 1996, QUE TRATA DA DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS AOS PORTADORES DO VIRUS DE IMUNODEFICIENCIA HUMANA (HIV) E DOENTES DA AIDS. APELO AS AUTORIDADES DO SETOR DA SAUDE PARA QUE AUMENTEM OS INVESTIMENTOS PARA O COMBATE A AIDS E ADOTEM TODAS AS PROVIDENCIAS, A FIM DE QUE NENHUM PACIENTE TENHA SEU TRATAMENTO INTERROMPIDO, EM DECORRENCIA DE PROBLEMAS DE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO.
Publicação
Publicação no DSF de 28/05/1997 - Página 10648
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • REGISTRO, REDUÇÃO, MORTE, DOENTE, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), MOTIVO, MISTURA, MEDICAMENTOS.
  • IMPORTANCIA, APROVAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, LEGISLAÇÃO, GRATUIDADE, DISTRIBUIÇÃO, MEDICAMENTOS, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), RESPEITO, DIREITOS HUMANOS, DIREITO CONSTITUCIONAL, SAUDE.
  • DEFESA, AUMENTO, INVESTIMENTO, COMBATE, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS).

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Jornal do Brasil do dia 18 de maio publica importante matéria sobre remédios que evitam a evolução da AIDS, destacando o caso de uma paciente de 30 anos, que está usando o chamado coquetel de remédios e atualmente leva uma vida praticamente normal, trabalhando, estudando, fazendo exercícios físicos, ganhando peso e não tendo efeitos colaterais negativos provenientes dos medicamentos.

Trata-se de mais uma notícia alvissareira, que se soma a diversos casos semelhantes, em que pacientes apresentam grandes melhoras em decorrência dos novos medicamentos, fazendo com que a AIDS já possa ser enquadrada quase como uma doença crônica, controlável por meio de acompanhamento médico adequado e utilização contínua de medicamentos específicos.

A mesma matéria do Jornal do Brasil noticia que houve uma queda de vinte e oito por cento no número de mortes na cidade de São Paulo, comparando-se o primeiro semestre de 1996 com igual período de 1997.

Como afirmou o Coordenador do Programa de Doenças Sexualmente Transmissíveis e AIDS do Ministério da Saúde, doutor Pedro Chequer: "isso significa que o portador do vírus vive mais e melhor. Também continua no mercado de trabalho, o que é ótimo, já que a maior parte dos infectados é jovem".

Pessoalmente, como médico e cidadão preocupado com os graves problemas de saúde pública de nosso País, a notícia de avanços no tratamento da AIDS é motivo de satisfação pessoal, nessa luta que empreendo desde os tempos em que exerci o cargo de Secretário de Saúde do Estado do Ceará.

Maior satisfação teria se já houvesse sido descoberta uma vacina contra a AIDS, o que ainda parece ser uma meta distante, um grande desafio a ser enfrentado por cientistas, pesquisadores e autoridades públicas.

Para nós é importante que o caminho adequado esteja sendo trilhado, que medidas de apoio aos pacientes estejam sendo adotadas e que o nosso País esteja corretamente integrado nessa difícil luta contra a AIDS.

Tudo isso está em consonância com uma das decisões mais importantes já adotadas pelo Congresso Nacional, no campo social, na área médica e no apoio à pessoa humana.

Um dos projetos de lei de maior mérito social e humano já apresentados nesta Casa é o que trata da distribuição gratuita de medicamentos aos portadores do vírus de imunodeficiência humana (HIV) e doentes de AIDS.

Trata-se do Projeto de Lei do Senado n§ 158, de 1996, hoje transformado na Lei n§ 9.313, de 13 de novembro de 1996, de autoria do eminente Senador José Sarney, a quem presto minha homenagem neste momento por verificar que sua iniciativa coloca o Brasil na vanguarda dos países que enfrentam, de maneira adequada, o problema da AIDS.

Tive o privilégio de ser escolhido relator desse projeto, o que me deu a grande satisfação de realizar um trabalho em benefício direto da nossa sociedade, missão para a qual recebi a inestimável colaboração das principais lideranças desta Casa, que conferiram prioridade na votação e aprovação do projeto.

Os novos remédios já demonstram uma maior esperança em evitar a evolução da doença. O chamado coquetel de medicamentos tem proporcionado a diversos pacientes levarem uma vida quase normal, detendo o avanço do vírus no organismo.

O número de internações hospitalares decorrentes da AIDS também diminuiu em relação a 1996, o que significa uma melhor qualidade de vida para os portadores do HIV e menor pressão sobre o orçamento público.

Essas notícias são favoráveis, nos confortam, atestam que estamos caminhando na direção correta, que o Senado Federal atuou corretamente aprovando o projeto de distribuição gratuita de medicamentos, mas não podemos esquecer que ainda não existe a cura da doença e que temos um longo caminho a percorrer nesse complexo processo contra um vírus altamente mutável, que pode apresentar resistência aos atuais medicamentos.

Isso significa que estamos vencendo importantes batalhas; no entanto, ainda estamos longe de vencermos essa guerra contra a AIDS.

Não podemos esquecer que, dos cento e três mil casos de AIDS notificados no Ministério da Saúde, apenas metade das pessoas continuam vivas, o que significa uma taxa de mortalidade altíssima.

Por isso mesmo, não nos podemos descuidar em relação aos efeitos deletérios da AIDS, imaginando que os novos medicamentos já resolveram o assunto.

Além de nossas restrições orçamentárias, não dispomos de uma estrutura administrativa e financeira que permita o fornecimento gratuito dos medicamentos a todos aqueles que necessitam de assistência no tempo oportuno, na quantidade e qualidade necessária: ainda existem falhas e lacunas na distribuição dos medicamentos.

Sabemos que alguns pacientes são obrigados a interromper o tratamento por falhas e dificuldades na distribuição desses remédios, colocando em risco suas vidas.

Como estamos tratando de uma questão de vida ou morte, é grande nossa preocupação de que haja maior investimento nesse setor, de que haja maior dedicação, mais energia, mais determinação das autoridades e de que maior prioridade seja concedida ao combate à AIDS.

Sr. Presidente,

Srªs e Srs. Senadores:

O perigo continua existindo, principalmente para um país pobre como o Brasil, que tem grandes dificuldades para assegurar um padrão de atendimento adequado não apenas para os portadores do HIV, mas também para os portadores de outras doenças mais fáceis de curar.

A discriminação contra os doentes continua existindo, a taxa de mortalidade continua alta; não podemos parar a luta; estamos enfrentando um vírus que, mesmo quando não detectável no sangue, pode continuar presente no organismo, escondido em alguns locais.

Não podemos esquecer que, ao longo da história, a humanidade tem enfrentado grandes crises, grandes convulsões e grandes epidemias, muitas delas de proporções catastróficas, eliminando milhões de seres humanos, provocando seqüelas irreversíveis, destruindo cidades e populações inteiras.

Cólera, varíola, lepra, peste, tuberculose e, mais recentemente, a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS ou SIDA) têm colocado a espécie humana em grave perigo de um quase extermínio, o perigo de não subsistir.

Muitas vezes a resposta da sociedade aos doentes tem sido o isolamento, a discriminação e o repúdio.

Isso é particularmente verdadeiro, infelizmente ainda continua sendo, em relação à AIDS, que teve seus primeiros casos, no princípio da década de 80, considerados como problemas exclusivos de homossexuais, dependentes de drogas e marginais.

No Brasil havia grande dificuldade até mesmo para se conseguir autorização das autoridades para importação dos medicamentos necessários.

Somente quando o problema se transformou numa verdadeira pandemia, diminuindo assim o desinteresse social e político pelo grave problema, as coisas tomaram nova direção.

Até então, imaginava-se que se tratava de problema de competência quase exclusiva da área médica e das ciências biológicas, que teriam obrigação de encontrar uma solução para o assunto.

Enquanto isso, já morreram, em decorrência da AIDS, quatro milhões de pessoas em todo o mundo; vinte milhões estão infectados, com a previsão de que quarenta milhões ficarão infectados até o final desta década, se forem mantidas as atuais tendências negativas.

Atualmente, existem quinze milhões de pessoas portadoras assintomáticas do HIV, dos quais seis milhões de mulheres.

Há mais de um milhão de crianças portadoras do vírus, tal número podendo atingir cerca de cinco milhões, no ano 2000, caso persista a atual tendência de crescimento desta pandemia. 

O isolamento, a discriminação, o repúdio e, algumas vezes, até a violência contra os doentes nada resolve, a não ser agravar tremendamente um quadro social por si só complexo e grave, incompatível com os direitos humanos, com os ideais de igualdade, liberdade, fraternidade, justiça e respeito à pessoa humana. O tema direitos humanos efetivamente transcende as fronteiras particulares de qualquer povo, país ou nação para constituir patrimônio jurídico de toda a humanidade, que deve procurar o bem comum de todos os cidadãos do mundo.

Isso deriva, certamente, da concepção humanista avançada de que todos os homens são irmãos, independentemente de quaisquer particularismos decorrentes de raça, credo, nacionalidade, situação econômica ou social.

Não podemos admitir, no atual estágio da ciência e da tecnologia, que um só homem seja desprezado e abandonado quando necessita de socorro médico.

Não podemos perder de vista que os enfermos têm direito à privacidade, a não serem discriminados, a trabalhar, a desenvolver suas ocupações de maneira normal, a serem respeitados: os enfermos têm o direito de curar-se ou de receber tratamento médico adequado.

Tudo isso deve ser tratado de forma aberta, ampla e democrática, por meio de debates legítimos e sinceros, em que as idéias tenham como objetivo último a prevenção e a recuperação dos pacientes, da melhor maneira possível.

Acima de tudo está o direito constitucional de cada um receber tratamento médico e proteger sua saúde, ao lado do dever constitucional do Estado de garantir a saúde pública.

Assim, o acesso à assistência farmacêutica é um direito da cidadania, ainda mais quando recentes pesquisas demonstram que houve grande melhoria qualitativa no tratamento da AIDS, com novas propostas terapêuticas.

Não apenas por razões de natureza jurídica, no campo dos direitos humanos, mas, igualmente, por razões de natureza econômica, é importante que o Estado não permita que pessoas morram por não disporem de condições financeiras para adquirir medicamentos.

O só objetivo de salvar vidas humanas já seria mais do que suficiente para justificar essa importante iniciativa.

Além disso, é do interesse do próprio desenvolvimento econômico nacional preservar a vida de grande número de pessoas na fase mais produtiva da vida.

A diminuição do número de internações e do retorno de infecções oportunistas redundaria em menor pressão no orçamento do Ministério da Saúde.

A atualidade e gravidade do assunto aumenta a responsabilidade de todos nós, homens públicos e profissionais da área médica principalmente, pois além da parte estritamente médica e profilática cuidamos do que existe de mais importante: a vida humana.

Além desses aspectos da vida e saúde e integridade física dos pacientes, devemos igualmente cuidar da privacidade, da honra, da igualdade, da imagem, da família, da educação, do trabalho e de todos os direitos e garantias constitucionalmente garantidos a todos os cidadãos, especialmente quando vitimados pelo vírus da AIDS.

Não se trata, absolutamente, de conceder tratamento privilegiado aos portadores do vírus HIV, em detrimento de outros doentes, mas de praticarmos a justiça, que manda tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais: um paciente terminal não pode esperar por um amanhã que não se sabe se haverá.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos e as Constituições modernas asseguram um novo patamar de direitos e garantias individuais e tornam a inserção social dos pacientes da AIDS uma tarefa mais favorável, se compararmos, por exemplo, com a realidade social do século passado.

A Constituição Federal estabelece que "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".

O direito à saúde consiste em um direito de cidadania, direito inalienável, obrigação do Estado, garantia individual constitucionalmente estabelecida, que ganha maior força quando se trata de um paciente portador da síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA ou AIDS).

Uma das nossas preocupações nesta Casa tem sido acompanhar e avaliar o desenvolvimento dos programas governamentais na área de saúde.

Em relação aos portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV), nossa preocupação é mais intensa em decorrência do fator tempo, da qualidade e da oportunidade com que deve ser administrado o tratamento adequado.

Não se trata de discriminação em relação a outros pacientes, portadores de outros tipos de doenças: trata-se de assegurar a justiça de forma adequada, tratando igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.

Sabemos que houve um crescimento de mais de cem por cento na oferta e distribuição de medicamentos por parte do Ministério da Saúde, nos últimos meses.

Isso é necessário, louvável e meritório.

No entanto, ainda é pouco, pois sabemos que, em diversos locais, essa oferta ainda não se faz de maneira oportuna e adequada. Sabemos que existe risco de interrupção do tratamento de muitos pacientes que, algumas vezes, não recebem as doses necessárias dos medicamentos no tempo oportuno.

É este o motivo principal por que estou hoje ocupando a tribuna do Senado Federal: fazer um forte apelo a todas as autoridades do setor de saúde para que adotem todas as providências, a fim de que nenhum paciente tenha seu tratamento interrompido, em decorrência de problemas de fornecimento de medicamento.

Esse apelo dirijo às autoridades federais, estaduais e municipais: que haja maior investimento em todas as áreas para que os pacientes portadores do HIV recebam o tratamento que lhes é devido constitucionalmente: o direito à vida, à saúde, à integridade física, à segurança, à privacidade, honra, trabalho, família, educação e respeito.

Mesmo que não tenhamos condições econômicas para adequadamente assegurar todos esses direitos e garantias constitucionais, não nos podemos omitir, pois o Brasil só será um país respeitável quando for capaz de assegurar tratamento digno a todos os seus filhos.

Por tudo isso, deixo aqui o meu mais sincero e forte apelo para que todas as autoridades da área da Saúde aumentem os investimentos e desenvolvam os maiores esforços para que posssamos salvar vidas humanas hoje ameaçadas pelo vírus da AIDS.

É o meu pensamento.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/05/1997 - Página 10648