Discurso no Senado Federal

DIA DO TRABALHADOR RURAL.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • DIA DO TRABALHADOR RURAL.
Publicação
Publicação no DSF de 27/05/1997 - Página 10563
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA, TRABALHADOR RURAL, OPORTUNIDADE, DEFESA, IMPORTANCIA, ATIVIDADE RURAL, NECESSIDADE, URGENCIA, REFORMA AGRARIA, CUMPRIMENTO, AMPLIAÇÃO, DIREITOS E GARANTIAS TRABALHISTAS, TRABALHADOR.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste 25 de maio, comemorou-se o Dia do Trabalhador Rural. Quero homenagear, desta tribuna, esses valorosos brasileiros que, mal rompe o dia, iniciam a labuta que se estenderá até o pôr-do-sol, extraindo, do contato com a mãe-terra, os alimentos que saciarão a fome de todos nós. A sociedade certamente não ignora a importância das atividades dos camponeses e proletários rurais. Quando compramos frutas e verduras, carnes e cereais, ou mesmo calçados e roupas, deveríamos estar conscientes de que esses bens se originaram do trabalho rural. Constatamos, entretanto, que a sociedade costuma retribuir muito mal ao esforço incessante do trabalhador do campo.

São quatorze milhões os brasileiros que tiram seu sustento da agricultura ou da pecuária, o que representa 20% da força de trabalho nacional. A agropecuária, apesar das inúmeras dificuldades estruturais, é responsável por 13% do Produto Interno Bruto brasileiro. Poderia ser muito mais. Antes de tudo, temos uma estrutura agrária que impede a plena expansão de nosso potencial agrícola. Quase metade da zona rural brasileira corresponde a latifúndios improdutivos.

A dimensão alcançada pelo Movimento dos Sem Terra, incluindo a majoritária simpatia da opinião pública, vem mostrar que as raízes sociais do clamor pela reforma agrária são muito profundas. Não se trata de uma bandeira anacrônica, já defasada no mundo da globalização e da corrida tecnológica. Um dos maiores problemas, se não o maior, da lógica do liberalismo econômico é que o aumento da competitividade, cortando custos e introduzindo tecnologia aprimorada, está diminuindo a presença da mão-de-obra no processo produtivo, reduzindo assim, drasticamente, o número de postos de trabalho. Em lugar de termos multidões de desempregados em condições miseráveis nas cidades, poderíamos, com uma verdadeira reforma agrária, criar milhões de novas propriedades agrícolas produzindo e comercializando alimentos ou, no mínimo, garantindo o sustento e a dignidade de significativo número de famílias.

É evidente que os ganhos sociais assim obtidos são imensos. O Governo não pode desconsiderar essa alternativa, que nos põe em situação de vantagem em relação a diversos outros países com muito menos condições de expandir seu mercado de trabalho. Por sua vez, é uma falácia dizer que a pequena propriedade não é produtiva. Os quatro milhões e meio de agricultores familiares do Brasil detêm um quarto das terras plantadas, mas são responsáveis por metade de toda a produção agropecuária. Apesar disso, muitas dessas unidades produtivas não contribuem para esse resultado positivo: carecendo de recursos e de tecnologia adequada, limitam certamente não ignoram que as condições de trabalho dessas pessoas são duríssimas, situando-se, freqüentemente, à margem da legalidade. Cumprem elas, entretanto, um importante papel na vida econômica nacional. É certo que a atividade agropecuária em nosso País muito ganha em diversificar o seu perfil, comportando tanto o produtor familiar quanto a grande empresa capitalista. O que é absolutamente urgente, tal como a reforma agrária, é garantir o cumprimento dos direitos trabalhistas mais básicos no campo, além de ampliá-los para patamares mais justos e civilizados.

Apenas como exemplo, que pode facilmente ser generalizado para outras regiões do País, cito o resultado da fiscalização de carvoarias do Norte de Minas Gerais, realizada por funcionários do Ministério do Trabalho em 1995, conforme relatado em artigo de Luiz Almeida Miranda, publicado na Revista de Informação Legislativa: "Foram constatadas várias irregularidades, como falta de anotação em carteira de trabalho, jornadas excessivas, falta de intervalos para descanso e repouso semanal, não-pagamento de salário, falta de equipamento de proteção individual, alojamentos e habitações inadequadas, não-fornecimento de água potável e transporte irregular." Constatou-se também o trabalho de menores entre 14 e 18 anos em condições insalubres, bem como o trabalho de menores de 14 anos.

O horror das relações de emprego no campo pode chegar a um tal nível, que assistimos ao surgimento de uma nova modalidade de trabalho escravo, em pleno limiar do século XXI. Amparados pela distância e omissão do Poder Público, utilizando-se de estratagemas como o endividamento fraudulento, proprietários, administradores e empreiteiros -- que, esses sim, deveriam estar na cadeia -- têm mantido seus "empregados" em completa submissão, sendo muitas vezes perseguidos aqueles que procuram fugir. Os Estados em que se detectou maior incidência do trabalho escravo foram Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Maranhão. Deveríamos, talvez, admitir a incompetência do Poder Público para pôr cabo a tal prática odiosa?

A classe dos trabalhadores empregados no campo tem negociado uma série de reivindicações junto aos patrões, como pisos salariais e melhores condições de trabalho. Um dos problemas enfrentados pela categoria é a escassez da oferta de trabalho na entressafra. Por outro lado, há um excessivo desgaste físico nos períodos de colheita, acarretando problemas de saúde e a diminuição do rendimento em idade precoce. É necessário criar mecanismos que protejam o proletário rural em seus precários contratos de trabalho, de modo a que não constituam uma -se a praticar uma agricultura de subsistência.

Sabemos que a questão agrária não se restringe ao problema da propriedade da terra, mas compreende ainda a necessidade, igualmente fundamental, de financiamento, assistência técnica e infra-estrutura. Tanto em assentamentos quanto nas unidades mais antigas, a falta de apoio governamental é patente. Nunca houve, no Brasil, uma ampla e abrangente política agrária, que mobilizasse as fantásticas possibilidades produtivas de nossas vastas terras. Os estímulos, incentivos e favores da política oficial são direcionados prioritariamente aos latifúndios e à agricultura de exportação, em detrimento das pequenas propriedades e da agricultura para o mercado interno. Desse modo, sobreviver com o trabalho agrícola autônomo no Brasil é quase sempre uma atividade arriscada e exaustiva, não desprovida de heroísmo.

Além dos camponeses que cultivam suas próprias terras, os trabalhadores rurais podem ser parceiros, meeiros, arrendatários e, finalmente, proletários que vendem sua força de trabalho aos proprietários de terras. Os Srs. Senadores categoria discriminada de trabalhadores, sem direito a nada mais do que o parco pagamento que recebem pela empreitada.

Vemos, assim, Srªs e Srs. Senadores, que muito há que se fazer para defender os justos interesses dos trabalhadores rurais. A violência no campo tem um caráter estrutural: não se restringe ao assassinato de posseiros, inadmissivelmente rotineiro, mas compreende também a falta da posse da terra, a falta de apoio do Governo e a violação dos direitos trabalhistas. Combater esses males é a melhor homenagem que lhes podemos prestar.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/05/1997 - Página 10563