Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO, HOJE, DO DIA INTERNACIONAL DE AÇÃO PELA SAUDE DA MULHER E DO DIA NACIONAL DE REDUÇÃO DA MORTALIDADE MATERNA. PREMENCIA NA ADOÇÃO DE POLITICAS PUBLICAS DE SAUDE.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • COMEMORAÇÃO, HOJE, DO DIA INTERNACIONAL DE AÇÃO PELA SAUDE DA MULHER E DO DIA NACIONAL DE REDUÇÃO DA MORTALIDADE MATERNA. PREMENCIA NA ADOÇÃO DE POLITICAS PUBLICAS DE SAUDE.
Aparteantes
Emília Fernandes.
Publicação
Publicação no DSF de 29/05/1997 - Página 10683
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, SAUDE, MULHER, DIA NACIONAL, REDUÇÃO, MORTE, MÃE.
  • ANALISE, ESTATISTICA, BRASIL, MUNDO, INEFICACIA, PROGRAMA, SAUDE PUBLICA, ATENDIMENTO, MULHER, DESNECESSIDADE, ESTERILIZAÇÃO.
  • DEFESA, MELHORIA, QUALIDADE, ALCANCE, PROGRAMA, PLANEJAMENTO FAMILIAR, NECESSIDADE, PRIORIDADE, APRECIAÇÃO, PROJETO DE LEI, ASSUNTO.
  • NECESSIDADE, COMBATE, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), CANCER, PRIORIDADE, PREVENÇÃO.
  • APREENSÃO, ABERTURA, PLANO, SAUDE, PARCERIA, CAPITAL ESTRANGEIRO.

A SRª BENEDITA DA SILVA (BLOCO-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, comemoramos, hoje, 28 de maio, o Dia internacional de Ação pela Saúde da Mulher e o Dia Nacional de Redução da Mortalidade Materna, lembrando que esse dia foi criado por proposição das mulheres participantes do Encontro Internacional Sobre a Saúde da Mulher, em Porto Rico, no ano de 1987. Aproveitamos a data para relembrar a discussão sobre questões da saúde da mulher, ainda hoje não respondidas pela sociedade.

Na Constituição de 1988, as mulheres brasileiras alcançaram conquistas inovadoras, embora, até o presente, não tenham podido gozar de todas elas, em face de entraves na legislação do País. Mas constatamos, envergonhados, os altos índices de mortalidade materna, cesáreas desnecessárias, esterilizações cirúrgicas abusivas, uso incorreto de anticoncepcionais e abortos. As doenças e a mortalidade maternas são uma tragédia contemporânea que não têm recebido a devida atenção. E o mais triste é que a maior parte dessas mortes poderiam ser evitadas. Mulheres estão morrendo porque não existem programas de saúde pública eficientes.

São constrangedoras as taxas referentes à saúde da mulher. Problemas do parto e gestação matam 600 mil mulheres por ano no mundo. No Brasil, o quadro não é dos melhores. Estima-se que 5 mil mulheres morrem, a cada ano, em decorrência de complicações na gravidez, parto ou pós-parto. Segundo dados da Unicef, todos os dias, entre dez e onze mulheres morrem na sala de parto, mortes que resultam da má qualidade do atendimento e falta de assistência. Para cada mulher que morre, outras sobrevivem com seqüelas físicas, infecções e incapacitações. Morrem sofrendo, envergonhadas, assustadas, humilhadas, sagrando, com o útero perfurado, feridas infeccionadas, com septicemia progressiva, anemia profunda. Um verdadeiro desrespeito à pessoa humana.

Mais de 60% das mortes relacionadas à gravidez e parto são causadas por hipertensão, hemorragias, abortos provocados e infecções decorrentes de cesáreas.

A Organização Mundial da Saúde considera aceitável um índice de 20 mulheres mortas por cada 100 mil crianças nascidas vivas. Já no Brasil, os números mostram que 50,8 mulheres morreram, em 1995, por grupo de cada cem mil nascidos vivos.

A esterilização ocorre cada vez mais cedo e em parcelas crescentes das mulheres brasileiras. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA - constatou que atualmente as mulheres são esterilizadas, em média, aos 29 anos. Há dez anos, a idade era 34 anos. A pesquisa registrou que a Região Centro-Oeste tem o maior índice de esterilizações de mulheres: 59,5%. No Estado do Rio de Janeiro, o meu Estado, constatou-se um dos mais altos índices de esterilização: 46,3%. A maioria das esterilizações ocorre durante o parto. Cerca de 60% das mulheres foram esterilizadas logo após uma cesariana. Segundo dados recentes fornecidos pelo Ministério da Saúde, entre mulheres férteis e unidas, o uso de algum método anticoncepcional, no ano de 1996, foi de 78,7% nas zonas urbanas e de 69,2% nas zonas rurais. Entre esses métodos, o predominante foi a esterilização feminina, 52,2%, seguida do uso de pílula, 26,9%; e 71% das esterilizações foram realizadas em hospitais públicos.

O número de cesáreas no Brasil também está acima das recomendações da Organização Mundial de Saúde, que recomenda que as cesáreas devem corresponder a 10% do número de partos realizados. A média brasileira de cesáreas, nos últimos cinco anos, foi de 36%.

O Brasil foi pioneiro no lançamento do Programa de Atenção Integral da Saúde da Mulher - PAISM, elogiado em todo o mundo e, inclusive, discutido na Conferência sobre População do Cairo. O programa serviu de modelo para diversos países. Deveria abarcar todas as demandas onde o gênero fosse determinante para a saúde da mulher. Entretanto, hoje, o programa cuida apenas da saúde reprodutiva, abandonando a saúde mental, a prevenção e o controle das doenças sexualmente transmissíveis, inclusive Aids, e os aspectos decorrentes das relações de trabalho.

A falta de decisão política e a parca alocação de recursos constituem as principais causas do fracasso do PAISM, que deveria dar assistência clínica e obstétrica às mulheres de qualquer faixa etária.

Para diminuir a morbidade e a mortalidade maternas, seriam necessários serviços de planejamento familiar de boa qualidade ao alcance de toda a população feminina, aplicados de forma consciente e profunda - e também atingindo os homens. Infelizmente, praticamos o controle da natalidade para impedir o crescimento demográfico, quando deveríamos ter um planejamento consciente. As mulheres brasileiras não têm acesso a informações que lhes permitam planejar sua família por meio do uso de contraceptivos de sua escolha ou de melhor adaptação à sua saúde.

A rede de saúde deve dispor de todos os métodos contraceptivos, a fim de que a mulher que os procure tenha opção de escolha. As autoridade sanitárias devem não só informar à mulher, mas também orientá-la na escolha do método contraceptivo adequado, para evitar que o processo de esterilização em massa e indiscriminada aumente dia a dia no País.

Em janeiro de 1996, o Presidente Fernando Henrique Cardoso vetou o projeto de lei que regulamentava o § 7º do art. 226 da Constituição Federal, o qual tratava do planejamento familiar, apresentado, originariamente, pelos Deputados Eduardo Jorge, Jandira Feghali, Maria Luiza Fontenelle, Luci Choinaski, Sandra Starling, Socorro Gomes e por mim, em 1991.

A primeira tentativa séria de dar solução a um problema que tanto afeta as mulheres brasileiras teve fim triste e melancólico. Continuamos sem maiores opções. É preciso lembrar que o planejamento familiar é um direito constitucional, baseado no princípio de livre decisão do casal quanto ao número e ao espaçamento dos filhos.

Apesar da palavra do Presidente da República, de que derrubaríamos o veto e de que Sua Excelência estaria dando total apoio ao projeto, este ainda adormece. Temos de priorizá-lo como urgência urgentíssima para ser votado e imediatamente sancionado pelo Presidente da República.

A Srª Emilia Fernandes - V. Exª me permite um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Com muito prazer.

A Srª Emilia Fernandes - Senadora Benedita da Silva, eu gostaria de cumprimentá-la pelo assunto que aborda; um assunto que tem sido objeto de muitos programas, de muitos anúncios e até de compromissos públicos, como é o caso do Projeto do Planejamento Familiar. Esse projeto teve a posição contrária do Governo, que admitiu a derrubada do veto exatamente no que diz respeito à esterilização livre, espontânea de homens e mulheres, que está prevista no planejamento. Entendo que trazer mais uma vez à reflexão desta Casa a questão da saúde e, agora, especificamente, a da mulher, sem dúvida é muito importante. V. Exª que entende do assunto, que tem acompanhado vários acontecimentos ligados à questão da saúde - não apenas da mulher, mas de idosos, desde o início da sua luta, até mesmo quando Deputada -, sabe o quanto precisamos urgentemente de campanhas, programas, ações concretas. Se analisarmos as idéias que há no papel, veremos que são muitas. Há um Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher, o PAISM, que é ótimo. É um exemplo de programa a ser seguido até por outros países. No entanto, a sua implementação não se deu, de fato, neste País. Na realidade, faltam recursos, faltam compromissos de governo, faltam decisões mais objetivas. Refiro-me à questão da derrubada do veto relativo ao planejamento familiar. Por incrível que pareça, o próprio Governo admite a derrubada, mas houve um compromisso formal do Presidente do Congresso Nacional, dos Presidentes das duas Casas, de que se colocaria a matéria em pauta. No entanto, simplesmente ainda não se conseguiu votar, não se conseguiu garantir quorum suficiente para a sua derrubada. Enfim, acho que a questão da mortalidade materna - a infantil é um outro grave problema - também é um tema em que se deve pensar. É impossível que mulheres continuem morrendo, em índices assustadores, principalmente no Norte e no Nordeste do país, por não terem condições nem mesmo de realizar exames no período da gravidez. Ainda há a questão das doenças sexualmente transmissíveis. Segundo os dados de que dispomos, o índice de mulheres que estão adquirindo o vírus da Aids é alarmante. Em relação à reflexão que nos traz V. Exª, só nos cabe, solidarizando-nos, dizer que realmente as suas ponderações vêm ao encontro das idéias pelas quais temos lutado - muitas vezes, juntas - nesses últimos anos. Nossos cumprimentos pela sua manifestação.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço a V. Exª pelo aparte, Senadora Emilia Fernandes. Sei que V. Exª é também perseguidora dos direitos da mulher. Como V. Exª sabe, estamos acompanhando a tramitação desse projeto. Já o discutimos com membros do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. O resultado desse debate chegou ao Presidente da República, que, como ressaltou V. Exª, já aceita a derrubada do veto.

No entanto, estamos assistindo a uma falta de prioridade em relação a essa questão, a esse projeto. Senadora, foram realizados muitos debates com a sociedade civil. As pessoas que os promoveram, algumas Deputadas e eu, fomos contestadas nem âmbito nacional, em cada Estado onde discutimos o tema. 

Eu, como pessoa religiosa que sou, defendo o planejamento familiar como uma forma sadia e consciente de opção. Não aprovo é o controle de natalidade, porque não quero que o meu País seja controlado; não quero que sejamos - nós, mulheres - as principais vítimas desse controle. Todavia, repito, defendo um planejamento familiar que garanta os princípios éticos de cada pessoa, sua religião, sua cultura. Esse projeto tem recebido, por essa razão, o respaldo de segmentos da sociedade.

V. Exª só engrandece e valoriza o que estou a dizer desta tribuna.

Um outro problema que as mulheres brasileiras vêm enfrentando refere-se à epidemia de Aids. Dia a dia, a participação da mulher assume proporções maiores em relação a essa doença. Se em 1985 tínhamos uma mulher infectada para 35 homens, hoje essa proporção é de uma para três. A transmissão heterossexual cresce na população feminina, pois a metade das mulheres atingidas tem parceiros únicos, fixos; portanto, estão isentas daquela outra justificativa que se dá ao caso.

O câncer de colo do útero apresenta elevada incidência e mortalidade no Brasil. Responsável por 15%, em média, dos óbitos ocorridos com as mulheres no período de 1979 a 1992, a estimativa de óbitos para 1996 era de 5.400. Essa neoplasia, se detectada através de uma simples citologia, pode ser curável em 100% dos casos diagnosticados em fase inicial, o que reduziria substancialmente a sua mortalidade. A mesma situação é visível no câncer de mama, de fácil diagnóstico e tratamento simples, se detectado prematuramente.

Estudos, estatísticas, planos, metas, recomendações, reformulações, estratégias, articulações, atualizações, no Brasil, só funcionam no papel ou servem de assunto para caríssimas campanhas publicitárias. Mas o que realmente interessa à mulher brasileira é a adoção de políticas de saúde que contemplem a dimensão do gênero, eliminando os obstáculos que dificultam a ação preventiva, a fim de que sejam atendidos os nossos anseios por uma vida digna e saudável. Enquanto não nos convencermos de que a adoção de políticas públicas sob a ótica do gênero é um passo indispensável para que as mulheres atinjam a tão almejada igualdade, nada poderá ser feito que nos beneficie completamente. É urgente a definição de políticas de saúde que contemplem homens e mulheres em suas especificidades, considerando o contexto sócio-cultural em que vivem. Queremos a ciência a serviço da vida e da liberdade.

Partindo desse pressuposto, de que a ciência deve estar a serviço da vida humana e da liberdade, preocupa-nos a notícia de que o Governo brasileiro quer a abertura dos planos de saúde ao capital estrangeiro. A idéia é liberar o ingresso de empresas estrangeiras no Brasil, permitindo a participação do capital internacional nas operadoras de planos de saúde brasileiras. Isto é, empresas estrangeiras podem associar-se às nacionais, mas não entrar sozinhas no mercado.

Durante a Constituinte, impedimos que instituições estrangeiras pudessem tratar dessa matéria. Queriam inserir na Constituição brasileira um dispositivo segundo o qual o capital estrangeiro poderia participar nessa área. Naquela época, já alertávamos para o fato de que isso não só poderia onerar os custos do atendimento, como poderia interferir na questão do controle de natalidade, uma vez que já se constatava que a esterilização das mulheres no Brasil estava sendo financiada por recursos vindos do exterior, recursos que seriam destinados à política de saúde da mulher brasileira. Essa é uma prática política que ainda existe não apenas na América Latina, e em particular no Brasil, mas também na África.

O Governo queria mais: abertura total, como já ocorre com os seguros de saúde, para aumentar a concorrência no setor e garantir a provável diminuição dos preços e melhoria dos serviços para o usuário dos planos de saúde.

Essa atitude representa uma armadilha para os quarenta milhões de usuários brasileiros que pagam convênios da rede privada de saúde, e revela a pressão transnacional para a abertura do setor ao capital estrangeiro, pois a eventual abertura acabaria criando um monopólio internacional. O Governo acredita que a abertura dos planos de saúde ao capital estrangeiro é a única forma de conter os abusos nos preços das mensalidades e de ampliar as opções para o usuário. Discordamos dessa avaliação, pois, ao invés de gerar uma competição no mercado, criaremos uma hegemonia de grandes empresas estrangeiras, que poderão aumentar ainda mais os preços e as distorções no setor.

Uma proposta com essa justificativa é, a meu ver, uma distorção, porque não pode o nosso Governo, a quem o povo confiou o mandato, dizer que é impossível fiscalizar e garantir um serviço com eficiência. O Governo não pode dar essa justificativa.

Quero crer que se trata apenas de uma distorção de palavras, porque se o Governo não crê em si, naquilo que está implantando, quem vai crer? Quando se coloca que essa é uma forma de melhorar os serviços, de haver competição, não posso calar-me. Pergunto: como competir dessa forma com uma população miserável, sem recursos, que pretende e precisa de atendimento?

Por isso, encerro meu pronunciamento em homenagem ao Dia Internacional de Ação pela Saúde da Mulher, registrando nossa preocupação e contrariedade em relação a mais uma séria ameaça à saúde dos brasileiros, especialmente das mulheres, que vêem, cada vez mais distantes, suas reivindicações pela adoção de políticas públicas sob a ótica do gênero, com o objetivo de fortalecer os direitos de saúde das mulheres brasileiras.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/05/1997 - Página 10683