Discurso no Senado Federal

SOLIDARIEDADE AO PRONUNCIAMENTO DO SENADOR PEDRO SIMON, NO QUAL SUGERE AO PRESIDENTE DA REPUBLICA QUE APRESENTE PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL ESTABELECENDO O REFERENDO POPULAR, PARA LEGITIMAR O PROCESSO DA REELEIÇÃO. PRIORIDADE DO GOVERNO FEDERAL PARA SOCORRER OS BANCOS FALIDOS, PREJUDICANDO INVESTIMENTOS NA AREA SOCIAL.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • SOLIDARIEDADE AO PRONUNCIAMENTO DO SENADOR PEDRO SIMON, NO QUAL SUGERE AO PRESIDENTE DA REPUBLICA QUE APRESENTE PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL ESTABELECENDO O REFERENDO POPULAR, PARA LEGITIMAR O PROCESSO DA REELEIÇÃO. PRIORIDADE DO GOVERNO FEDERAL PARA SOCORRER OS BANCOS FALIDOS, PREJUDICANDO INVESTIMENTOS NA AREA SOCIAL.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 29/05/1997 - Página 10694
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, AUSENCIA, CONGRESSISTA, APOIO, ORADOR, PROPOSTA, PEDRO SIMON, SENADOR, REFERENDO, REELEIÇÃO, OBJETIVO, LEGITIMIDADE, DEMOCRACIA.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO, FALTA, APLICAÇÃO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, POLITICA SOCIAL, ESPECIFICAÇÃO, SISTEMA PENITENCIARIO, OPOSIÇÃO, PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (PROER).
  • CRITICA, ATUAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), PROTESTO, FUNDOS, AUXILIO, SERVIÇO DE SAUDE, INICIATIVA PRIVADA.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesta paz em que nos encontramos aqui no Senado, devido ao esvaziamento de ambas as Casas do Congresso, algo de positivo parece estar ocorrendo. Os discursos aqui proferidos pelo Senador Pedro Simon, pela Senadora Marina Silva e por outros Senadores tiveram hoje um outro timbre, uma outra profundidade, que talvez o alvoroço dos dias normais impeça que reine nesta Casa.

Para não perturbar a calma e a serenidade não devemos penetrar nas causas do esvaziamento do Congresso, porque, se o fizermos, talvez comece aí um novo torvelinho; novas inquietações seriam despertadas ao procurarmos saber por que estamos sós, por que estamos tão isolados. Não há dúvida de que o Senador Pedro Simon apresentou-se hoje quase que com uma nova postura, uma nova figura, tranqüilo, aconselhando, dando bom conselho ao seu amigo Fernando Henrique Cardoso. Realmente, parece-me, ao contrário do que foi dito ao Senador Geraldo Melo, que, se não houver uma legitimação do direito à reeleição por parte de um referendo popular, será muito difícil mantermos esta tenra democracia no Brasil. As eleições serão disputadas em um clima em que o candidato Fernando Henrique Cardoso será acusado de ter comprado o direito à reeleição, adquirido espuriamente esse direito, de ter transformado a sua reeleição na meta das metas, no objetivo quase exclusivo desses três anos de governo, porque, até agora, ninguém pode negar, inclusive há sinais e declarações do Governo de que está mudando os rumos das suas políticas.

Há declarações de Sua Excelência o Presidente da República de que exagerou na abertura, essa abertura que veio como uma verdadeira avalanche destruindo as bases da indústria nacional, desempregando brasileiros, criando uma situação em que há, como lembra hoje o eminente Senador Eduardo Suplicy, 15,9% de desemprego na Grande São Paulo.

Portanto, Sua Excelência não pode mais ir às suas viagens ao exterior, viagens que começaram a ficar desimportantes diante do problema de sua própria reeleição. Ele está ausente dos boulevards de Paris, está ausente dos grandes ristoranti de Itália, e portanto, algo mais sério o ocupa e o preocupa no Brasil - a sua própria reeleição. E não há dúvida alguma, não adianta querer esconder o sol com a peneira, de que houve um vício redibitório, um vício de origem, que contamina fundamentalmente o adquirido direito de reeleição, cujo ritual terminará no próximo dia 4, aqui neste plenário.

Portanto, a preocupação do Senador Pedro Simon parece-me muito procedente. E preocupante para aqueles que pretendem ver a nossa tenra democracia, uma democracia que não penetrou na educação e na saúde, na distribuição da renda, na distribuição do saber e do poder, uma democracia quase, única e exclusivamente, cerebrina, idealista, mineira. Prega-se e afirma-se que a democracia existe, mas não se faz nada para que ela realmente exista.

Temo que esta democracia política também nos falte devido à reeleição, devido à forma pela qual o direito a concorrer à reeleição foi obtido, devido ao fato de que, como disse o Presidente da República, não há oposição. Os "neobobos", os caipiras não fazem oposição ao seu Governo. Mas, então, são os partidos da base de apoio do seu próprio Governo que estão atormentando, inquietando a vida de Sua Excelência.

Realmente não sabemos fazer oposição, porque há tanto flanco desguarnecido, tantos problemas a serem criticados, que nós não sabemos fazer oposição.

A velha UDN sabia fazer oposição; por qualquer motivo, depunha um governo, porque sabia fazer política, como dizem os tradicionais; um descuido qualquer, a UDN transformava num crime inafiançável; obviamente, sabia fazer oposição. Se tivessem pego esses pratos cheios, o que fariam na sua ação oposicionista?

Aqui, quando se critica o Governo, somos criticados porque estamos criticando o Governo, como se a função da oposição fosse também a de apoiar e criar a unanimidade absoluta em termos de colocar em prática a vontade do rei. Quod princeps voluit, legis trabet vigorem - "aquilo que o príncipe deseja, a lei coloca em ação". E nós, da oposição, não deveríamos nem abrir a boca diante da vontade do príncipe.

Pois bem, realmente não fizemos nada. Foram eles que se enlearam. Quem comprou os votos? Cinco, dois declarados, talvez três ou cinco votos para a reeleição de Sua Excelência. Ouvi aqui da minha cadeira que tinha sido o PT que os tinha comprado.

Não gosto de intrometer-me em conversas que outros companheiros estão entretendo e que eu possa escutar por acaso. Estava muito próximo do meu local de trabalho aqui neste plenário e ouvi. Então, eu disse: sim, talvez o senhor tenha razão. Acho que fui eu e o Chico Vigilante que pegamos R$1 milhão para comprar esse votos para o Governo. Mas imaginem que suposição mais absurda achar que o PT comprou votos para apoiar a reeleição do Presidente Fern ando Henrique Cardoso! Bem, tudo é possível.

Não há dúvida nenhuma de que as fitas gravadas, a expulsão de dois deputados do PFL e a possível participação de figuras mudaram também de forma e também, como muitos Senadores, estão em vilegiatura pelo mundo. O Ministro Serjão, uma das pessoas possivelmente comprometidas naquele processo - já que existe uma referência a S. Exª em uma das fitas.-, encontra-se tranqüilo e sorridente em Portugal e, de lá, dispara a sua metralhadora contra o Partido dos Trabalhadores.

É interessante notar que com o Ministro Serjão deu-se o inverso do que aconteceu com o trator. O trator, principalmente o de esteira, é o resultado da transformação dos tanques inventados na Primeira Guerra Mundial. Os tanques, depois da paz, perderam os canhões e se transformaram em tratores. O trator Serjão agora se transforma em canhão para atirar contra a minoria e só acertará se tiver muita pontaria, porque - conforme diz o seu chefe - não existe oposição.

Sr. Presidente, o que realmente me preocupa é o fato de hoje termos tratado de assuntos que mostram em que ponto nos encontramos na sociedade. O homem foi esquecido, abolido das preocupações e prioridades do Governo, porquanto elas se restringem aos banqueiros e ao capital coisa, jamais à vida humana, às pessoas e ao social.

Sr. Presidente, eu gostaria de mostrar que apenas 34% dos recursos do Orçamento dedicados a penitenciárias foram utilizados. O nosso sistema penitenciário está espocando, explodindo. Em Belo Horizonte, numa de suas penitenciárias, na Lagoinha, os presos sorteiam aqueles que devem ser mortos, para que um espaço seja conquistado e os remanescentes possam dormir. Nem na ocasião de Hitler, nem em campos de concentração, houve tal barbaridade, em que o espaço não dá para que todos se deitem, e é preciso matar, eliminar, para conseguir-se esse espaço.

O Governo aplica apenas 34% dos recursos neste setor e afirma que isso é democracia, que estamos diante de um governo de um professor e sociólogo inatacável. Do meu ponto de vista, isso é um indicador, e os meus alunos, em 1970, já me ouviam falar isto: vamos abandonar esses indicadores econômicos mentirosos e vamos ver os indicadores sociais.

Prestem atenção: o Governo não investe na saúde, senão marginalmente. Não investe nas penitenciárias, porque penitenciária não dá lucro, penitenciária é apenas para recuperar aquilo que não tem importância: o ser humano que se marginalizou. Portanto, a prioridade das prioridades, que deveria ser a preservação, a proteção e ampliação da vida humana, esta não consta a não ser das falas eleitorais, para ganhar voto; mas na prática, quando realmente se inscrevem e se objetivam as prioridades dos governos e da sociedade, encontramos os recursos: mais de R$20 bilhões para salvar banqueiros. Mas banqueiros falidos? Todavia, o neoliberalismo afirma que aqueles que são aptos, aqueles que sabem concorrer, que são mais adequados no processo da livre concorrência, estes vencem, os outros são derrotados. Se houve uma falência de banqueiros, como socorrer aqueles que demonstraram a sua incapacidade, a sua ineficiência, e chegaram à falência?

Quando o mercado neoliberal baixa a sua lâmina e condena uma firma, uma indústria, um banco à falência, de acordo com a filosofia neoliberal deles, o Governo não tem nada que interferir; tem que deixar que a mão invisível e as forças de mercado pratiquem a sua racionalidade.

Portanto, é realmente um absurdo, uma incongruência que um governo neoliberal venha a socorrer banqueiros falidos.

O Sr. Eduardo Suplicy - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Eduardo Suplicy - Senador Lauro Campos, V. Exª contrasta muito bem as prioridades de Governo, porque estava na Lei de Meios, na Lei de Orçamento, a previsão de se determinar a quantia a ser gasta com a construção de cadeias, e 34% apenas daquilo que o Congresso Nacional permitiu ao Governo realizar acabou não se fazendo. Isso obviamente constitui uma das explicações para a extraordinária crise que ocorre em todo o sistema penitenciário brasileiro, a ponto de diariamente divulgarem-se notícias de rebeliões. Ainda hoje mesmo, na Casa de Detenção do Complexo Carandiru, o noticiário da hora do almoço mostrou estar havendo uma nova rebelião. E o Governo só pensa no ser humano se estes forem os grandes proprietários de corporações, de instituições financeiras. Os Ministros da Economia estão prestes a dar todas as explicações e justificativas para a liberação, quase que do dia para a noite, de recursos em larga escala, como os provenientes do Proer. Diz o Governo que não se trata de recursos do Orçamento, mas, sem dúvida, refletem sobre o Orçamento. Espero que o Ministro Pedro Malan venha ao Senado, no dia 11, preparado para responder como o Proer, desde o seu início, está afetando as finanças públicas, seja pelo lado da renúncia fiscal, seja pelo da destinação de crédito, a taxas de juros mais baixas, para as instituições a ele ligadas. S. Exª não poderá negar que há uma influência primeiro direta, mas depois indireta do Proer nos recursos do Tesouro.

O SR. LAURO CAMPOS - Agradeço a V. Exª o aparte, com o qual concordo. Também gostaria de lembrar que, por meio de uma "matemágica", o Governo do Estado de São Paulo conseguiu R$50,4 bilhões para socorrer o Banespa.

Nesse aspecto, o que também me preocupa é o fato de que o Ministro Adib Jatene, que estava indo muito bem na saúde, foi obrigado a demitir-se, porque os recursos que havia conseguido a duras penas - R$4 bilhões -, por meio do imposto do CPMF, não lhe seriam atribuídos.

E agora puseram um Ministro da Saúde que quer, como está no artigo magnífico de Elio Gaspari, da Folha de S.Paulo de hoje, fazer uma "proerização" também na saúde, ou seja, os serviços de saúde privados poderiam, de acordo com esse projeto do Ministro, receber de um fundo de R$3 bilhões, recursos para os casos, as operações, as intervenções de alto custo, justamente as que não são aceitas hoje por esses seguros privados de saúde. Portanto, eles ficariam livres dessa parte como aconteceu com os bancos que ficaram livres da parte podre, poque a estatizaram; ficariam livres desses custos elevados, porque esses serviços seriam pagos por intermédio desse fundo de R$3 bilhões.

O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão) - Senador Lauro Campos, sua manifestação é sempre atual e encantadora, mas o seu tempo já excedeu alguns minutos. Por isso, peço a V. Exª que conclua o seu discurso e assuma a Presidência quando deixar a tribuna.

O SR. LAURO CAMPOS - Será um prazer, Sr. Presidente.

Para encerrar, gostaria de dizer que, em relação ao pobres que estão merejando no corredor da morte por falta de recurso do SUS, em relação a esses não haverá medida alguma; no entanto, para aquelas intervenções, aquelas operações, aqueles serviços médicos de alta rentabilidade e de elevado custo, esse fundo criado pelo Ministério da Saúde e irá enriquecer a saúde privada e os proprietários dos hospitais privados.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/05/1997 - Página 10694