Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM E TESTEMUNHO DA FORÇA ESPIRITUAL DE FREI DAMIÃO.

Autor
Guilherme Palmeira (PFL - Partido da Frente Liberal/AL)
Nome completo: Guilherme Gracindo Soares Palmeira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. LEGISLAÇÃO ELEITORAL.:
  • HOMENAGEM E TESTEMUNHO DA FORÇA ESPIRITUAL DE FREI DAMIÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 03/06/1997 - Página 10801
Assunto
Outros > HOMENAGEM. LEGISLAÇÃO ELEITORAL.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, DAMIANO DE BOZANO, SACERDOTE, PERSONAGEM ILUSTRE, REGIÃO NORDESTE.
  • ANUNCIO, JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, REGULAMENTAÇÃO, REELEIÇÃO, LEGISLAÇÃO ELEITORAL.
  • NECESSIDADE, URGENCIA, REFORMA TRIBUTARIA.

O SR. GUILHERME PALMEIRA (PFL-AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na verdade, o assunto a que me vou reportar neste pronunciamento talvez já pudesse até ter sido superado porque o objetivo maior era justificar o requerimento de profundo pesar pelo falecimento do saudoso e inesquecível Frei Damião, subscrito por V. Exª, que, antes da minha chegada, foi aprovado pela unanimidade desta Casa.

Eu estava inscrito para tratar de dois assuntos relevantes; um deles é a necessidade de se acelerar uma reforma tributária para esse País, o que parece cada dia mais longe. Entendo que não podemos ficar somente remendando as leis. Precisamos de medidas práticas e definitivas neste momento. Espero poder tratar desse assunto nos próximos dias, como também da regulamentação, no caso de aprovação - imagino que ocorrerá amanhã -, da reeleição. Já foi lido um projeto de minha autoria, que se encontra sobre a mesa, e pretendo justificar melhor esse projeto que disciplina as eleições e as limitações que deverão ser observadas por aqueles que discutem reeleição de presidente a prefeito. O projeto está bem colocado, e, certamente, com a colaboração, a contribuição e a análise dos Srs. Senadores, poderemos aperfeiçoá-lo e evitar o abuso que poderá ocorrer, tranqüilizando aqueles que temem a utilização da máquina do Estado em favor de candidaturas.

O meu projeto, que espero seja bem examinado pela Casa, como sempre tem sido as matérias que por aqui tramitam, proporcionará um debate amplo sobre como controlarmos a ação das máquinas federal, estadual e municipal, com relação àqueles que pretendem se reeleger.

Sr. Presidente, venho à tribuna nesta tarde, mesmo depois de aprovado o requerimento de profundo pesar pela morte deste santo missionário, Frei Damião, dar o meu testemunho, como político provinciano das Alagoas, da força espiritual deste missionário que tanto ajudou a todos, principalmente aos menos favorecidos, aos pobres, aos mais abandonados, àqueles que, praticamente, estão fora de um contexto social. O Frei Damião ajudou, até a sua morte, a sociedade, principalmente a nordestina, a sociedade dos miseráveis e dos pobres. Frei Damião ajudava-nos a compreender as dificuldades dessa gente tão fora de um contexto de desenvolvimento.

Mas, Sr. Presidente, não pretendo ler todo o discurso que havia preparado; vou destacar alguns trechos que considero importantes, não a biografia de Frei Damião, porque esta já foi espalhada pela mídia para todo este País.

Frei Damião faleceu com 98 anos, ainda lúcido e pregando bem. Ele chegou ao Brasil em 1931, vindo da Itália e, não muito tempo depois, chegou à capital do meu Estado, Maceió, e ao Convento dos Capuchinhos, que lá ainda existe, que teve a felicidade e a honra de recebê-lo como Professor de Filosofia e Teologia, cursos que realizara na célebre Universidade Gregoriana, em Roma, onde grande parte do clero brasileiro estudou e continua estudando, sob a orientação inteligente e altamente marcante da Companhia de Jesus, os nossos conhecidos jesuítas.

Daí é que partiu para a notável atividade missionária, à qual ele chamou de "Santas Missões".

Foi o substituto, na nossa interpretação, e por que não dizer, exclusivo no ofício evangélico, do conhecido e ainda hoje venerado em todo o Nordeste, o Padre Cícero Batista, falecido em 1934.

Frei Damião foi sempre conhecido como o Padre Milagreiro.

A esse respeito, no Estado de Alagoas, repito um episódio narrado pelo ex-Prefeito de Santana do Ipanema, ex-Deputado Estadual e hoje emérito Presidente do Tribunal de Contas do Estado, Dr. Isnaldo Bulhões Barros.

Assim descreve o caso o ilustre jornalista José Elias, coluna diária na Gazeta de Alagoas":

      "Três anos sem chover, o sertão experimentava, no verão de 1986, sua pior seca, quando Frei Damião partiu do Poço das Trincheiras, para Santana do Ipanema. A santa missão, empurrada pela multidão, chegou à cidade e o padre, enciumado, não deixou nenhum político usar da palavra para fazer a saudação. Aí, o prefeito Isnaldo Bulhões engoliu calado e, diplomaticamente, sem fazer confusão, levou Frei Damião para Batalha, onde o povo o aguardava há um mês.

      Lá, o romeiro Bulhões, autorizado pelo prefeito Aloísio Rodrigues, fez um discurso e, com o microfone numa mão, abraçou o Frei Damião com a outra: "Quem sabe que a fé dos sertanejos em Frei Damião não traga a chuva de volta à região?" Perguntou e olhou, logo em seguida, para o frade que, levantando a cabeça, riu e, depois, encheu os olhos de lágrimas. O povo que, ansioso, lotava a praça pública silenciou e esperou a reação.

      De repente, o tempo ficou nublado e, antes do prefeito reiniciar o discurso, caiu um temporal na região, acabando com a festa. Choveu a noite inteira, as cidades amanheceram molhadas e os trabalhadores, com o astral lá em cima, tiraram a enxada de trás da porta."

      Isnaldo Bulhões, hoje Presidente do Tribunal de Contas, não tem dúvida de que testemunhou um milagre."

Esse fato, miraculoso ou não, coincidência ou não, foi-me confirmado pelo Dr. Isnaldo Bulhões.

A pregação de Frei Damião era tradicional e radical, não obstante a extrema bondade e a cordialidade de que era possuidor.

As suas palavras, que arrastavam e quase faziam delirar multidões, não poupavam os pecadores. Esses teriam, necessariamente, suas almas queimadas no fogo do inferno, enquanto os eleitos, os bons, desfrutariam das delícias do paraíso celestial.

Não havia contemporização e, assim mesmo, por onde passava, as conversões ao catolicismo se multiplicavam, arrastadas mais pelo exemplo de sua vida do que pelo seu conteúdo teológico.

Era, na expressão da palavra, um homem de Deus, um carismático, um santo, cuja canonização já vai ser pedida a Roma, ao Papa João Paulo II, pela Arquidiocese de Olinda e Recife, e certamente por todas as outras arquidioceses do Nordeste.

O próprio Arcebispo Metropolitano de Maceió, Dom Edvaldo Amaral, dá um depoimento, que tenho a honra de citar, baseado em um noticiário local. Diz o ilustre Arcebispo que teve a oportunidade de acompanhar a rotina de Frei Damião durante as suas missões, de 20 a 22 horas de trabalho: "Ele saía da confissão para a pregação; comia metade de um prato de papa e guardava a outra metade para a próxima refeição, com uma resistência louca".

Era uma espécie - como se diz - de "missionário" à moda antiga.

Falo um pouco da história de Frei Damião, de quando ele era ainda jovem na Itália, da luta que pôde desenvolver. Mas quero que isso conste dos Anais da Casa e fique como lido, para não cansar ainda mais V. Exªs.

Há uma coisa interessante na sua biografia: Frei Damião não admitia ser comparado ao Padre Cícero do Juazeiro. Sobre isso, exclamava:

      "Fico desgostoso quando me comparam com o Padre Cícero. Ele foi um fanatizador rebelde que chegou a ser suspenso de suas ordens religiosas pelo Papa. Eu apenas prego o Evangelho, ensinando o caminho do céu, convertendo almas e purgando os pecados da Terra."

Era tempo perdido pedir a Frei Damião que parasse de trabalhar. Com 98 anos, a atividade física é totalmente fora de propósito pelas próprias condições de alta senectude.

Dignas de notas, no entanto, são as explicações dadas pelo médico pneumologista, Dr. Blancard Torres, que acompanhou o emérito Capuchinho.

Diz o médico: "Em outras circunstâncias, o trabalho seria desaconselhado, mas as missões, as viagens, suas pregações, eram a sua vida. Sem isso, ele não teria motivação para continuar a viver".

E acrescenta: "Frei Damião era uma pessoa que gostava de viver, amava a vida e as pessoas e se realizava ajudando aos outros."

A título de ser fiel à história de um renomado frade capuchinho, não posso deixar de registrar que a sua imensa penetração popular se exteriorizava na respeitável literatura de cordel. Perdoem V. Exªs alguns dos títulos hilariantes: "Histórias do Protestante que tirou ao barba de Frei Damião", "A mulher que virou cabra por zombar de Frei Damião", "Protestante que virou urubu porque quis matar Frei Damião", "O rapaz que virou bode porque profanou Frei Damião", "A moça que virou cachorro porque deu uma banana ao padre Frei Damião." e "Exemplo do crente que profanou Frei Damião."

Sr. Presidente, tenho, também, o meu próprio depoimento sobre Frei Damião da época em que tive o honra de ser Governador de Alagoas. Tivemos algumas oportunidades de encontros em eventos que marcaram o meu Governo.

Sempre nutri uma profunda admiração pela simplicidade, humildade e bondade de Frei Damião, e, a meu convite inauguramos a estrada asfaltada que liga Palmeira dos Índios às cidades de Igaci e Arapiraca, agreste alagoano e palco de várias Santas Missões pregadas pelo virtuoso da Ordem dos Capuchinhos.

Existe, perto de Palmeira dos Índios, a Vila São Francisco, marcada pela vida do Beato Franciscano. A pedido de Frei Damião, meu Governo construiu a ponte que liga a via principal à mencionada vila, o que foi de muito agrado à pessoa do ilustre Capuchinho, para onde sempre se dirigia para fazer as suas orações.

Com a sua morte, perderam o Nordeste e a Igreja Católica um grande, excelente e especial pregador da palavra de Deus.

Que o seu exemplo e as virtudes de sua vida sejam um penhor para a melhoria de Alagoas e de todos os Estados, cujo chão foi palmilhado por um justo e santo: Frei Damião de Bozzano.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/06/1997 - Página 10801