Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SUGERIDAS PELA ESTRONDOSA DERROTA DE ONTEM DO GOVERNO JACQUES CHIRAC NA FRANÇA E PELA VITORIA DO LABOR PARTY NA INGLATERRA, HA UM MES.

Autor
José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • REFLEXÕES SUGERIDAS PELA ESTRONDOSA DERROTA DE ONTEM DO GOVERNO JACQUES CHIRAC NA FRANÇA E PELA VITORIA DO LABOR PARTY NA INGLATERRA, HA UM MES.
Publicação
Publicação no DSF de 03/06/1997 - Página 10805
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, PERDA, GOVERNO, ELEIÇÕES, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, OPOSIÇÃO, POVO, PROGRAMA, REFORMULAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • CORRELAÇÃO, VITORIA, PARTIDO POLITICO, TRABALHADOR, ELEIÇÃO, PRIMEIRO-MINISTRO, PAIS ESTRANGEIRO, INGLATERRA, NECESSIDADE, DEMOCRACIA, PROCESSO, REFORMULAÇÃO, ESTADO.
  • ANALISE, POLITICA INTERNACIONAL, EUROPA, AMBITO, DESEMPREGO, INDICE, PARTICIPAÇÃO, ESTADO, ECONOMIA.

O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho à tribuna para comentar a estrondosa derrota de ontem do Governo Jacques Chirac na França.

Creio que é um tema que merece a nossa atenção porque, tendo acontecido há apenas um mês da vitória do Labor Party na Inglaterra, fornece um bom material para reflexão.

Antes de mais nada, creio que é importante ressaltar o regime, o sistema institucional e político francês, a beleza do sistema parlamentarista, a extraordinária qualidade democrática. Mais do que intensidade, o sistema tem qualidade democrática, tem meios de respirar, de buscar alento na opinião pública, de se reciclar mediante consultas permanentes. Essa é a beleza do regime parlamentarista.

O Presidente Jacques Chirac tinha 80% da Assembléia Nacional Francesa, mais de 400 deputados a seu lado. Apresentou um programa de reformas do Estado, houve uma reação da opinião pública e ele dissolveu a Assembléia. Essa dissolução não foi um ato antidemocrático, ditatorial, mas um ato constitucional, legítimo, democrático e da natureza do regime: desmancha-se a Assembléia Nacional e recorre-se às urnas, ao povo, à opinião pública, para ouvir das ruas e da nação o que se pensa a respeito daquilo que está sendo proposto pelo governo.

A beleza do regime parlamentarista é aquilo que, talvez, mais nos chame a atenção no sistema institucional francês e, particularmente, nessas recentes eleições. Houve uma surpresa por parte do Presidente, que viu suas propostas serem derrotadas pelo povo, que não as deseja implantadas. Se as deseja, ou as aceita, só mediante a liderança de um outro tipo de orientação política. Mas o fato importante a ressaltar é que o sistema tem essa capacidade de se revigorar mediante novos alentos de sustentação democrática buscados junto à população.

Uma questão crítica, grave, um problema polêmico, extremamente discutível, não é decidido por gabinetes, não é decidido sequer pelos parlamentares. Quem vai decidir se o programa econômico vai ser implantado é o povo. Dissolve-se o Congresso, a população vai às ruas, chama-se as urnas às falas, e o resultado está aí.

Eu poderia aqui deter-me mais na análise do conteúdo do resultado, no mérito desse resultado, mas considero mais importante ressaltar a qualidade democrática do sistema político francês. Embora não se possa deixar também de levar em consideração que há algumas resultantes políticas importantes, a verdade é que a França é o país mais estatizado da Europa; cobra em impostos dos seus cidadãos o equivalente a 45% do PIB. Um cidadão francês paga muito mais impostos do que um cidadão brasileiro, não só em termos absolutos, o que já seria natural, mas também em termos proporcionais. Proporcionalmente, um rico francês paga muito mais, um homem da classe média paga muito mais e mesmo um cidadão pobre, na França, paga muito mais impostos do que quaisquer classes sociais ou econômicas pagam no Brasil.

Quarenta e cinco por cento do PIB francês é o que representa a arrecadação dos impostos anuais. A França está vivendo um problema de desemprego. Não há expansão da oferta de emprego, porque não há investimentos e alguns olham para a Inglaterra na tentativa de comparação.

Na Inglaterra, os Governos anteriores, principalmente o Governo Thatcher e o Governo Major, reduziram essa taxa percentual do PIB, de cerca de 40% para em torno de 28%. Note-se que num País onde a população hoje paga muito menos impostos - somente 28% - na Inglaterra, o nível de desemprego está em apenas 6%. Num País onde a população paga 45% do PIB em impostos, o desemprego está em 13%.

Ao olhar o panorama da Europa, a situação é basicamente a mesma, ou seja, o gigantismo estatal está na direta proporção da perda de investimento e da não-expansão da oferta ocupacional no País. Ficou claro que o povo é contra a reforma do Estado. Portanto, o Ministro Lionel Jospin vai ter que enfrentar questões como, por exemplo, a crise da moeda francesa, que é uma crise talvez dramática, porque não há alternativas nem de tempo nem de espaço, já que a criação do euro - a moeda única européia - está para ser oficializada no final do século; os 13% de desemprego; uma campanha intensa pela redução de impostos por parte da classe média francesa e, ao mesmo tempo, um grave déficit dos programas sociais. Há uma crise de recursos do Estado, que, mesmo contando com 45% do PIB, não tem dinheiro para expandir os programas sociais.

Se não tirarmos daí alguns ensinamentos, se nós, brasileiros, não extrairmos daí algumas lições, é porque não queremos ter olhos para ver, não queremos enxergar as coisas. Parece-me muito claro que uma reforma do Estado é algo muito duro, muito difícil, e só pode ser feito de maneira rigorosamente democrática, sob orientação de um Governo que tenha a mais absoluta confiança popular. É por isso que as reformas do Estado não são eficazmente feitas pela direita. Salvo os casos de Reagan e de Margaret Thatcher da Inglaterra, que foram os iniciadores desse processo de reforma do Estado, todos os demais casos deram-se por intermédio de governos sociais democratas ou socialistas até, como o caso da Espanha, onde o governo socialista foi quem implantou as reformas estruturais.

Creio que no Brasil só está se viabilizando um modelo mínimo de reforma de Estado - digo mínimo porque as reformas na verdade não são estruturalmente profundas; até agora, não fizemos nada drástico, definitivo -, porque, junto ao Governo, na figura do Presidente, expressa-se um pensamento político que tem uma base de confiança popular, uma base de confiança nacional.

É muito importante fazer essa reflexão, porque há momentos em que as forças políticas, longe das eleições, longe das situações de audiência à população, gostam de abocanhar partes consideravelmente maiores nas suas parcelas de poder, sem levar em conta o quanto a população tem de ser respeitada e ouvida sobre isso.

Não tenho nenhuma dúvida de que, tivéssemos um sistema parlamentarista, que pudesse agora escutar a população, a divisão das parcelas de poder que hoje vingam no Brasil se refaria e se reconstruiria.

Note-se que estadistas com uma visão moderna e reformista do Estado têm sido extremamente bem-sucedidos, porque não se despegam da confiança popular e realizam as reformas que são necessárias, sob pena de a crise no setor público se transformar em algo absolutamente caótico, incontrolável.

Tony Blair, do Partido Trabalhista - talvez o partido trabalhista que tenha o corte marxista-leninista mais acentuado, apesar da reduzida gradação de poder desses grupos dentro do partido -, no primeiro momento, no primeiro dia, cria a independência do Banco Central, ação que alguns supõem ser de direita. No entanto, trata-se da única maneira de a pátria se ver livre das influências do dinheiro, porque o poder do dinheiro sempre chega ao Banco Central por intermédio dos políticos, e a influência é sempre viabilizada pelo meio político. O Banco Central independente significa que esse tipo de influência não vai mais existir na Inglaterra.

Por outro lado, é bom lembrar também a figura de Clinton. Bill Clinton manteve no Banco Central dos Estados Unidos da América o Sr. Alan Greenspan, Presidente do Banco Central nomeado no governo republicano, no governo anterior do Sr. George Bush. O que é que isso significa? Significa que o Sr. Bill Clinton aprova o nível de independência do Banco Central que tem o Federal Reserve Board, nos Estados Unidos, mesmo sendo um homem que está, dentro do espectro político, à esquerda, nos Estados Unidos; sabe que isso é uma questão mínima essencial para o Estado funcionar, para a moeda ter estabilidade, para o País ter um mínimo de ordem monetária.

Agora temos o Sr. Lionel Jospin a governar a França, um socialista sob a presidência de um liberal, um presidente mais à direita e um primeiro ministro mais à esquerda, uma coabitacion como chamam os franceses. Parece-me que o que está embutido na mensagem das urnas é que as reformas podem ser feitas desde que sob a liderança e sob passos confiáveis

Imagino, Sr. Presidente, Srs. Senadores, que é com esse tipo de dilema que se vai debater o Sr. Lionel Jospin. Mas queria extrair desse fato e desses fatos políticos recentes esta lição para o Brasil, esta verdadeira lei da política: lei dos pêndulos dos extremos. É muito difícil, é quase impossível, que uma reforma do Estado que tenha a aparência de um contéudo neoliberal e que, supostamente, atende a algumas diretrizes econômicas liberais, venha a ser feita eficazmente por um governante que tenha origem na Direita.

E, possivelmente, tal como Anthony Blair, na Inglaterra, tal como Bill Clinton, Willian Clinton, nos Estados Unidos, Lionel Jospin tenha agora diante de si a mesma missão. Se ele não reformar o Estado francês, o desemprego vai aumentar e ele será varrido do Governo e, em seguida, haverá a convocação de uma nova eleição e a França poderá fazer retornar a Union pour la République, que é o Partido do Sr. Jacques Chirac.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, daqui tiro esta conclusão: no Brasil, as reformas só estão se viabilizando porque estão sendo empreendidas por um Presidente da República sustentado por uma visão política que tem origens na socialdemocracia e numa política de centro-esquerda neste País.

Esse é o ponto de equilíbrio do poder. O ponto de equilíbrio do poder não é a capacidade de articulação, não é a capacidade de comando, não é o jogo interno que as elites sabem fazer. O ponto de equilíbrio é respeitar o papel, a dimensão e a parcela que têm as forças políticas que se identificam com essa visão, com esse projeto e, seguramente, com esse passado e com esse presente do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Se formos justos e criteriosos na análise dos resultados franceses, creio que também poderemos fazer justiça e ter melhores critérios para analisar a situação do Brasil.

Obrigado, Sr. Presidente.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/06/1997 - Página 10805