Discurso no Senado Federal

INACEITAVEL CONVIVENCIA DO CHAMADO OURO NEGRO COM O DESEMPREGO E A MISERIA NO MUNICIPIO DE CAMPOS - RJ. CONSIDERAÇÕES SOBRE ASPECTOS GERAIS DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO-SOCIAL DO NORTE E NOROESTE FLUMINENSE. QUESTIONANDO A PARALISAÇÃO DAS OBRAS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO. ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), GOVERNO ESTADUAL.:
  • INACEITAVEL CONVIVENCIA DO CHAMADO OURO NEGRO COM O DESEMPREGO E A MISERIA NO MUNICIPIO DE CAMPOS - RJ. CONSIDERAÇÕES SOBRE ASPECTOS GERAIS DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO-SOCIAL DO NORTE E NOROESTE FLUMINENSE. QUESTIONANDO A PARALISAÇÃO DAS OBRAS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE.
Publicação
Publicação no DSF de 05/06/1997 - Página 10898
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO. ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), GOVERNO ESTADUAL.
Indexação
  • ANALISE, NATUREZA ECONOMICA, NATUREZA SOCIAL, REGIÃO, AMBITO ESTADUAL, ESPECIFICAÇÃO, MUNICIPIO, CAMPOS DOS GOYTACAZES (RJ), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), EXPLORAÇÃO, TRABALHO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, MENOR, CRISE, ATIVIDADE ECONOMICA, LAVOURA, CANA DE AÇUCAR, AGROINDUSTRIA, EMPRESA DE AÇUCAR E ALCOOL, AGRAVAÇÃO, ANALFABETISMO.
  • HOMENAGEM, DARCY RIBEIRO, EX SENADOR, ANTROPOLOGO, FUNDAÇÃO, UNIVERSIDADE ESTADUAL, REGIÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • SOLICITAÇÃO, MARCELO ALENCAR, GOVERNADOR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), REMESSA, RECURSOS FINANCEIROS, CONCLUSÃO, OBRA PUBLICA, UNIVERSIDADE ESTADUAL, INCENTIVO, PESQUISA, BUSCA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, SAUDE, EDUCAÇÃO, REGIÃO.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, cumprindo a função de representante do Rio de Janeiro nesta Casa, e, portanto, defensora dos interesses do meu Estado, visitei, no dia 2 de junho, o Município de Campos, situado no norte fluminense.

Historicamente, essa região começou a ser explorada a partir de 1673 e, nos séculos XVIII e XIX, desenvolveu uma economia pujante e diversificada, produtora de açúcar, gado, café, mandioca, algodão, milho, bebida, etc., que exportava para outras cidades do País. A Vila de Campos tornou-se o pólo irradiador dessa rica região. Assim, com uma longa história para contar, Campos dos Goitacases alia atualmente a sua tradição a um moderno espírito empreendedor em todos os setores da sociedade. Orgulhoso de seu passado, o campista enfrenta sérias dificuldades no presente, nas não desiste de lutar para desenvolver a sua região.

A primeira coisa que me saltou à vista foi o contraste entre os bolsões de miséria e o fato de Campos ser o maior produtor de petróleo do Brasil. A contradição entre produzir ao mesmo tempo riqueza e miséria não é, no entanto, uma característica apenas de Campos. É a contradição que está no cerne do modelo econômico brasileiro, o modelo imposto ao País, que concentra renda e produz a exclusão social. Mas é revoltante constatar, como pude fazer em Campos, a absurda e injustificável convivência entre o ouro negro - um dos produtos mais valiosos do mundo - e o desemprego e a miséria.

No norte fluminense, que além de Campos e Macaé abrange mais sete Municípios menores, o índice de crianças na faixa de dez anos ainda não alfabetizadas é alto, ou seja, 17,6%, estando entre os maiores do Estado. Quanto à distribuição de renda dessa região, o percentual médio de chefes de domicílio de baixa renda (até três salários mínimos) representa 76,4% do total, e o de indigentes (até um salário mínimo) é de 42,5% do total, índices médios inferiores aos que temos visto no Nordeste. Essa situação é ainda mais grave no noroeste fluminense.

O norte e o noroeste fluminenses são atualmente as regiões menos desenvolvidas do Estado do Rio de Janeiro. Somadas, elas contribuem com apenas 3,2% do PIB estadual. Na estrutura do PIB da região norte, a agropecuária entra com 14,7%, a indústria com 31,26% e o setor de comércio e serviços com 54,04%, correspondendo, aproximadamente, ao mesmo perfil do PIB do Estado.

A atividade econômica tradicional do norte fluminense, a canavieira e a agroindústria sucroalcooleira, continua mergulhada numa crise que se arrasta há muito tempo. A lavoura de cana é de baixa produtividade e várias usinas já fecharam por problemas financeiros e de mercado.

Aliado às dificuldades econômicas deste setor, existe o problema social da exploração do trabalho infantil. Cerca de 10 mil crianças trabalham nas plantações de cana, comprometendo seu futuro e a sua saúde. De um total de 20 mil trabalhadores em usinas e lavouras, 80% não têm carteira assinada. Com o fechamento de usinas e a redução das áreas plantadas, muitos trabalhadores perdem seu mísero sustento e vão engrossar as favelas da periferia da cidade.

A diversificação da economia da região, com o desenvolvimento da fruticultura, da indústria de laticínios e da exploração de gás e petróleo, abre perspectivas de geração de renda e emprego que poderiam ser melhor aproveitadas se houvesse um planejamento de desenvolvimento integrado do Estado. Mas, lamentavelmente, toda a região do norte e noroeste do Estado continua abandonada à própria sorte e o seu grande potencial econômico pouquíssimo explorado. Com isso, saem perdendo não somente o povo da região como também todo o Estado, que importa alimentos, deixa de aumentar a sua renda e ainda aumenta a exclusão social.

Até uma iniciativa importante como a criação da Universidade Estadual do Norte Fluminense, que poderia ter um grande impacto para a pesquisa e o desenvolvimento de toda a região, está sendo tolhida e limitada por uma política estadual míope.

A questão da definição do pagamento dos royalties do petróleo para os Municípios produtores, dentre os quais se destacam Campos, Macaé e demais Municípios do norte fluminense, que ora tramita nesta Casa, tem importância vital para essa região. É um assunto que está mobilizando os Poderes Públicos locais e toda a sociedade civil da região, que reivindicam que o percentual de 10% para o pagamento dos royalties do petróleo seja garantido sem nenhuma redução. Com os recursos dos royalties é possível aumentar a oferta de empregos e combater a exclusão social.

Ao entrar em contato, durante a minha visita a Campos, com os diferentes setores da sociedade, senti, em todos eles, muita determinação para enfrentar os problemas e os desafios; senti a vontade trabalhar dos trabalhadores sem terra quando visitei o assentamento rural da Usina São João; senti a vontade de produzir da iniciativa privada, durante o almoço na Câmara dos Diretores Lojistas; senti a vontade de estudar e de pesquisar dos estudantes e professores, quando estive na Escola Técnica e na UENF; senti também a vontade de lutar pela região, por parte dos partidos populares e democráticos, na reunião que tive com eles na sede local do Partido dos Trabalhadores; finalmente, senti o compromisso social e o desejo de participação dos evangélicos no encontro que tivemos no final da minha visita a Campos.

Não podemos deixar que toda essa energia seja ignorada, que a falta de um planejamento econômico e social estratégico impeça o desenvolvimento da região. O campista não quer esmola, mas o reconhecimento de sua capacidade de trabalho através de políticas concretas que alavanquem seus fatores produtivos. Pude observar que Campos já conta com algumas alavancas necessárias para impulsionar o seu desenvolvimento.

A disposição de seus trabalhadores, que já provaram na história de Campos que são capazes de produzir muita riqueza e têm iniciativa suficiente para ocupar terras improdutivas e ali estabelecerem um assentamento que, em pouco tempo, já tem várias áreas plantadas. É importante destacar que o Governo Municipal de Campos, sensível aos interesses sociais e sobretudo a geração de emprego, prontamente apoiou a iniciativa do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, com medidas práticas como o fornecimento de água potável, assistência médica, um trator e professora para as crianças.

A iniciativa privada de Campos representa um fator de progresso, pois não fica lamentando a falta de uma política estadual para a região e arregaça as mangas, investindo e diversificando a economia. Embora considere positiva a criação de incentivos, reivindica muito mais uma política consistente de investimento da região.

Com mais de 3 mil alunos, a Escola Técnica é o maior centro de formação de uma mão-de-obra qualificada para a região, especialmente para o setor de exploração de gás e petróleo. Terceira maior Escola Técnica do País, ela reivindica a sua transformação num Centro Federal de Educação Tecnológica, o que considero muito justo, haja vista a sua enorme importância para toda a região.

A Universidade Estadual do Norte Fluminense, que poderia impulsionar a região, ainda está com várias obras inacabadas e muitos projetos de alcance social injustificavelmente parados por falta de financiamento estadual e federal. É o caso, por exemplo, de uma pesquisa que permite combater a diarréia infantil, com custo muito baixo. As deficiências são tantas que a conclusão de um curso foi adiada por um semestre. O corpo docente, previsto para ter 450 professores, está restrito a apenas 150. Até as parcelas de uma dívida de ICMS de R$60 milhões, que a Petrobrás tem com o Estado, prometidas para ajudar a UENF, foram suspensas. Professores de renome internacional já deixaram a Universidade por falta de condições de trabalho e de pesquisa. Tudo isso confirma, infelizmente, a regra em nosso País, onde o descaso com a educação é uma das características desse perverso modelo econômico, cujos traços mais negativos estão sendo ampliados pela atual política neoliberal.

Por fim, temos a vontade política do poder local, que busca investimentos e acredita no potencial próprio de Campos para desenvolver a região. A unidade das forças e instituições políticas em prol do norte/noroeste fluminense conta muito para o futuro de seus Municípios.

Essas alavancas do desenvolvimento só não são melhor utilizadas porque faltam principalmente investimentos em infra-estrutura e comunicação. O Governo Estadual e também o Federal, de uma certa forma, abandonaram totalmente a região no que diz respeito às obras de infra-estrutura: estradas, portos, comunicação, saneamento, tudo isso se encontra em estado lamentável.

No mundo atual, uma estratégia de desenvolvimento regional precisa levar em conta não apenas os investimentos na economia tradicional, mas também os impactos da globalização e a superação da exclusão social. Uma flexibilização para reestruturar a produção e reciclar trabalhadores é indispensável para se integrar com vantagens na inevitável globalização.

Como representante do Estado do Rio de Janeiro nesta Casa, chamo a atenção dos Srs. Senadores, mais uma vez, para uma parte do nosso Brasil que sofre, toda uma região com uma rica história e um grande potencial econômico, que vive à deriva como uma nau sem rumo por causa de um tratamento discriminatório e injustificável.

Acredito na força e no futuro do norte e noroeste fluminense.

Sr. Presidente, trago essas preocupações à tribuna porque tenho visto que representantes do Nordeste, ao defenderem os interesses dos seus Estados, costumam dizer que se tem investido muito no Sul em detrimento do Nordeste. Parece-me que é coisa de norte e noroeste, porque, sendo do Sul, essas regiões não são privilegiadas.

Sr. Presidente, aproveito a oportunidade para fazer a minha homenagem a Darcy Ribeiro, que teve a lucidez e a competência de fundar essa Universidade para desenvolver tecnicamente e com qualidade uma região que, lamentavelmente, se encontra abandonada, principalmente no que se refere a essa Universidade, tão importante para o Estado do Rio de Janeiro.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, concluindo, gostaria de fazer um questionamento no sentido de que precisamos acabar com essa história de que uma mudança de governo significa, também, uma mudança de projetos, ou melhor, o abandono dos projetos. No Estado do Rio de Janeiro isso tem acontecido. Quando um governo inicia uma determinada obra, ainda que ela não seja de consenso ou do interesse da população, na medida em que o governo gastou o dinheiro do povo para fazer aquela obra, o outro que entra não pode abandoná-la, principalmente quando se trata de obras que devem ser concluídas para a educação no nosso País, como está acontecendo no nosso Estado, o Rio de Janeiro.

Desta tribuna, chamo a atenção do Governador do Estado do Rio de Janeiro, Marcelo Alencar, pois S. Exª precisa olhar com justiça e não pura e simplesmente com o olhar político de disputa, de quanto pior melhor. S. Exª precisa ter o sentimento de que a universidade é muito importante para o desenvolvimento do norte e noroeste da região fluminense. Estamos pedindo, em nome da Bancada do Rio de Janeiro, que S. Exª se esforce no sentido de enviar recursos para a conclusão das obras da Universidade.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/06/1997 - Página 10898