Discurso no Senado Federal

GRAVIDADE DE DENUNCIA FEITA PELO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE, SOBRE A FALTA DE VACINAS TRIPLICE E CONTRA A HEPATITE B NOS POSTOS DE SAUDE DO PAIS.

Autor
Emília Fernandes (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • GRAVIDADE DE DENUNCIA FEITA PELO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE, SOBRE A FALTA DE VACINAS TRIPLICE E CONTRA A HEPATITE B NOS POSTOS DE SAUDE DO PAIS.
Aparteantes
José Bianco, Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 04/06/1997 - Página 10854
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, FALTA, VACINA, DOENÇA GRAVE, VACINA BCG, DEMORA, AQUISIÇÃO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), RISCOS, POPULAÇÃO.
  • REITERAÇÃO, DENUNCIA, ATRASO, PAGAMENTO, LABORATORIO, SETOR PUBLICO, FABRICAÇÃO, MEDICAMENTOS, REGISTRO, AUSENCIA, RESPOSTA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, AUTORIA, ORADOR.

A SRª EMILIA FERNANDES (PTB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago hoje a esta Casa um tema que tem despertado extrema preocupação às famílias brasileiras e que já foi motivo de um pronunciamento meu em novembro do ano passado, quando adverti para a possibilidade de chegarmos à situação verificada hoje.

Trata-se da denúncia feita pelo jornal Correio Braziliense, do Distrito Federal, no último final de semana, envolvendo a falta de vacinas na maioria dos postos de saúde do País, particularmente a vacina tríplice, que previne o tétano, a coqueluche e a difteria e a vacina contra a hepatite B.

De acordo com a matéria do jornal, "caso ocorra epidemia de uma dessas doenças nos próximos dias, o governo não terá condições de proteger a população", pois o último lote de 1,022 milhão de doses da vacina tríplice, distribuído em 20 de maio, é suficiente apenas para atender 15 dias de procura, enquanto os estoques da vacina contra a hepatite B estão no fim".

A mesma matéria também informa que, segundo o Ministro da Saúde, Carlos Albuquerque, o Governo já comprou 6 milhões de doses de vacina tríplice diretamente das fornecedoras da Organização Panamericana de Saúde, que chegam ao Brasil em 10 de junho, mas que só estarão disponíveis para utilização - este é o alerta que queremos fazer - em 30 ou até 60 dias, depois de liberadas pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde.

Diante de tais informações, chegamos à conclusão de que o País poderá ficar, no mínimo, cerca de um mês sem vacinas, um período em que - Deus nos livre disso! - milhares de brasileiros estarão submetidos a uma situação de risco, uma situação incompreensível para uma sociedade que acumulou grandes conquistas no campo da educação e da prevenção dessas doenças nos últimos anos.

Aliás, tal fato torna-se ainda mais difícil de explicar, se considerarmos que o ano de 1997 foi escolhido pelo Governo Federal como o Ano da Saúde, e, o mais grave, que, desde 1960, pelo menos, nunca vivemos uma situação de tamanha dificuldade por parte do Poder Público para atender essa demanda - diga-se de passagem, mínima - da população brasileira.

No ano passado, mais exatamente na sessão do dia 26 de novembro, eu trouxe a este Plenário denúncia divulgada pelo jornal Folha de S.Paulo, dando conta das dificuldades vividas pelos laboratórios oficiais do País, em conseqüência da falta de pagamento de cerca de R$48 milhões de reais, à época , devidos pelo próprio Governo Federal aos 12 laboratórios estatais.

Naquela ocasião, advertimos para o fato de que os laboratórios oficiais não poderiam estar submetidos a tais dificuldades, pois eram - e são - responsáveis pela produção de 50% dos medicamentos distribuídos pela rede pública de saúde, e utilizados no combate às doenças como AIDS, malária, tuberculose, diabetes, cólera, meningite, hipertensão arterial e leishmaniose, entre outras.

Ainda, no mesmo pronunciamento, registrei que, já naquele momento, faltavam vacinas contra a hepatite B na maioria dos Estados e, também, vacina tríplice em 25 Estados da Federação, incluindo o Rio Grande do Sul, onde cerca de 100 mil crianças tinham deixado, por causa disso, de serem imunizadas contra a coqueluche, a difteria e o tétano.

Ao mesmo tempo em que apresentei os dados e fiz o alerta para as conseqüências da continuidade daquele quadro, encaminhei à Mesa do Senado Federal um requerimento de convocação do então Ministro Interino da Saúde, Dr. José Carlos Seixas, para que viesse a esta Casa prestar informações a respeito da situação do setor, bem como apresentar as iniciativas que estariam sendo adotadas pelo Governo. Esse é o registro para o qual queremos chamar atenção.

Até hoje, em relação ao requerimento de audiência que apresentamos no ano passado, não obtivemos a resposta do Ministério da Saúde, nenhum telefonema ou correspondência, dando ciência das medidas tomadas.

Paralelo à importância do assunto que estamos tratando, quero registar a consideração que determinados Srs. Senadores têm, merecem e recebem dos representantes diretos do Governo, que são os ministérios.

Algumas iniciativas, entretanto, foram tomadas a respeito das dívidas, que foram pagas em parte, contribuindo, sem dúvida, para impedir, naquele momento, que os laboratórios oficiais paralisassem completamente suas atividades, com graves prejuízos para o País.

Nesse meio tempo, no entanto, a situação agravou-se, chegando ao ponto de ocorrer a distribuição de vacinas contaminadas, provenientes da Índia e da Suíça, que, aplicadas sem o devido exame de controle de qualidade, resultaram na morte de crianças, segundo informações de vários órgãos da Imprensa.

Agora, diante dessas novas informações, dando conta do mesmo tipo de dificuldade, acredito que a sociedade brasileira, as instituições da área da saúde e, especialmente, esta Casa não podem deixar de tratar o assunto com a gravidade que ele merece, pois estão em jogo vidas humanas, que não podem estar sujeitas a tal ordem de problemas.

O Sr. Ramez Tebet - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª EMILIA FERNANDES - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Ramez Tebet - Senadora Emilia Fernandes, tenho observado que o tema saúde tem sido uma constante preocupação de V. Exª aqui nesta Casa. V. Exª sempre tem enfocado o assunto com muita propriedade e persistência. Quero, então, louvar essa persistência, pois acredito que um dos mais graves, senão o mais grave problema que existe hoje, no Brasil, é o problema da saúde. Agora mesmo estiveram reunidos no meu Estado, o Mato Grosso do Sul, o Governador e a maioria dos prefeitos, louvando recursos que virão do Ministério da Saúde para o combate à dengue. Estamos também necessitando, como todo o Brasil, de prioridade absoluta no setor da saúde, a fim de eliminar as filas intermináveis nos hospitais, as mortes pela falta do pleno atendimento, enfim, esse verdadeiro colapso que está a exigir decisões do Senado da República, como a que V. Exª, como representante do Estado do Rio Grande do Sul, vem adotando nesta Casa. Penso que deveríamos continuar persistindo nisso, para que possamos minorar um pouco o grave problema da saúde no Brasil. De todas as questões sociais, esta se sobreleva, como V. Exª afirma, já que diz respeito à vida das pessoas. E o problema é do Brasil inteiro, não de um Estado ou de outro, ou de um município ou de outro; é realmente um problema que afeta toda a população brasileira. Quero, portanto, cumprimentar V. Exª e juntar a minha voz a sua na busca de uma solução para este grave problema.

A SRª EMILIA FERNANDES - Agradeço o aparte de V. Exª, que enriquece, sem dúvida, as nossas argumentações, sempre no sentido de buscar alternativas na linha da advertência, da prevenção. O que realmente aconteceu com a saúde brasileira - e continua acontecendo - é que a ela não se deu prioridade, não foi definida como compromisso de Governo e da sociedade como um todo; então, chegou aonde chegou. Essa situação atinge Estados, Municípios, capitais. Recentemente, ouvimos aqui a Senadora Júnia Marise, clamando, também, por recursos para o hospital lá da sua capital de Minas Gerais.

Temos também recebido correspondências, constantemente. Recentemente, uma cidade importante do Rio Grande do Sul estava com o seu hospital quase que liquidado, acabado. O que fez a nova administração? Assumiu o compromisso, fez uma campanha de SOS junto à comunidade, à classe empresarial, recuperaram o hospital - estou me referindo ao hospital da cidade de Esteio, da região metropolitana de Porto Alegre - e abriram as suas portas, colocando-o novamente em condições de começar a atender a população daquela região. Todavia, não há recursos para manter o hospital. Estão até fazendo um apelo para que o Governo estude uma forma de adiantar alguns recursos provenientes do próprio SUS, para que possam manter o atendimento. A comunidade, com dinheiro do próprio bolso, já o colocou em condições de funcionamento.

A sociedade não pode continuar sendo tratada dessa forma. Não podemos continuar pedindo R$1,00 para cada um, como foi aqui denunciado, para que possa dar sobrevivência e condições aos hospitais. Temos é que abraçar a questão da saúde como prioridade de Governo e de País.

O Sr. Ramez Tebet - Em vez de ficar reclamando, Senadora Emilia, que venham os recursos e que sejam distribuídas as vacinas. Está faltando até vacina no Brasil. Esse é um fato de enorme gravidade. Não é possível, estamos virando o século! Estamos chegando ao ponto de interromper até aquilo que vinha sendo realizado com alguma regularidade. Em muitos lugares, há até falta de vacinas. Houve um esforço enorme, por parte do Mato Grosso do Sul, para receber as vacinas. Vamos recebê-las agora, para atender a todos os municípios. Foi imensa a luta junto ao Ministério da Saúde para a liberação de recursos para o combate da dengue. É inadmissível ficar brigando por uma coisa que deveria chegar automaticamente aos Estados, como o programa de vacinação. Quero, mais uma vez, cumprimentar V. Exª pela persistência e pela oportunidade com que vem defendendo melhores condições de saúde para a população brasileira.

A SRª EMILIA FERNANDES - Agradeço, mais uma vez, o aparte de V. Exª.

O Sr. José Bianco - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª EMILIA FERNANDES - Ouço com prazer V. Exª.

O Sr. José Bianco - Quero reforçar as suas palavras, eminente Senador Ramez Tebet, e cumprimentar V. Exª pela forma competente e brilhante com que trata esse assunto. Na semana que passou, fiz eu também aqui um pronunciamento, procurando alertar as autoridades da saúde para uma decisão já tomada, no sentido de que ela seja revista, uma vez que a resolução do Ministério de extinguir pura e simplesmente a Ceme, o INAN, operando uma mudança muito profunda, na verdade, quase que extinguindo também a Fundação Nacional de Saúde. Em meu pronunciamento procuro alertar o Sr. Ministro da Saúde e as demais autoridades do setor no sentido de que não sei se para os Municípios do Estado que V. Exª tão bem representa, o Rio Grande do Sul, a Ceme, por exemplo, a Central de Medicamento, tem tanta importância quanto para os nossos municípios do Norte do País e creio que também para os do Centro-Oeste. Por que essa diferença? Nossos municípios são recém-criados, possuem arrecadações absolutamente irrisórias, na realidade chegam a ser ridículas, e não têm nenhuma condição de adquirir remédios para distribuir à população. A alegação do Ministério é a de que acabando com a Ceme os recursos serão repassados aos municípios para que estes façam a aquisição de remédios e os distribuam à população. Ora, entendemos que isso não passa de uma balela, o termo a ser usado é esse mesmo, tal fato poderá até ocorrer no primeiro ano, mas nos anos seguintes isso não mais acontecerá. Nos anos seguintes os municípios irão adquirir remédios por um preço muitíssimo mais caro, porque irão comprá-los no varejo, nas farmácias dos municípios, pagando um preço muito mais alto do que aquele que o Ministério tem condições de pagar. Alega-se que há corrupção no sistema. Penso que há de haver competência para o combate à corrupção e a punição dos corruptores com o maior rigor que a lei determina. Fazemos um apelo ao Sr. Ministro, para que tenhamos pelo menos a possibilidade de discutir, mais amiúde, essa questão. Se vão extinguir essas entidades e organismos, pelo menos, devemos discutir uma forma de assegurar o pouco remédio que hoje existe nas prateleiras dos nossos postos de saúde e nos hospitais da Região Amazônica; certamente, esses são ainda originários da Ceme. No momento em que esses organismos forem extintos, preocupa-nos, sobremaneira, que nem esse pouco medicamento lá existente possa continuar existindo. Cumprimento V. Exª pelo seu pronunciamento. Estamos solidários ao posicionamento de V. Exª.

A SRª EMILIA FERNANDES - Agradeço a V. Exª pelo seu aparte, que incorporo, com a maior satisfação, ao meu pronunciamento. Inclusive, quero registrar a minha posição em relação ao que V. Exª explanou.

A preocupação de V. Exª também é a nossa. Nesta ocasião, não trouxemos para o plenário desta Casa essa discussão específica sobre a questão das vacinas, mas é muito oportuno que V. Exª lembre esse assunto, alertando esta Casa para as medidas que o Governo tem o direito de tomar. Mas o Governo deveria ampliar essa discussão. Associamo-nos a isso também.

A Central de Medicamentos é importante também para o Rio Grande do Sul, mesmo com todo o nosso nível de desenvolvimento. Clamamos ao Governo para que este troque idéias com o Congresso Nacional, com as entidades e com a sociedade como um todo. Isso não ocorreu no ano passado. Desde o nosso primeiro pronunciamento em que falamos a respeito das vacinas, não obtivemos resposta ao requerimento de solicitação da presença do Sr. Ministro. De qualquer sorte, renovamos o apelo ao novo Ministro: que S. Exª, atento a essas conclamações do Congresso Nacional, busque o diálogo e o esclarecimento.

Encaminho-me, Sr. Presidente, para a conclusão do meu pronunciamento, acrescentando que a sociedade brasileira quer saber, entender o que está acontecendo de fato. É falta de planejamento? Estão faltando recursos para o Ministério da Saúde atender à demanda do setor? Ocorreram cortes nas verbas previstas pelo Orçamento da União para a área da saúde? Assim como em outros setores, a dificuldade está na área econômica? O que afinal está provocando este retrocesso inexplicável? Essas são perguntas e questionamentos que temos.

Ainda, é preciso aclarar com profundidade quais são as verdadeiras dificuldades que envolvem a aquisição das vacinas, no que diz respeito às licitações, particularmente em relação à Lei das Licitações, de nº 8.666, que estaria sendo utilizada pelos laboratórios estrangeiros para inviabilizar as compras no caso de perder a concorrência, como ocorreu recentemente com os laboratórios coreanos.

Por outro lado, também é importante esclarecer qual a dimensão da alternativa proposta recentemente pelo Governo, para superar essas dificuldades, que, inclusive, resultou na assinatura de um protocolo com a Organização Panamericana de Saúde, que, na prática, resulta na dispensa de licitações internacionais para a compra das vacinas e na compra direta das empresas que já forneçam seus produtos à instituição.

Tudo isso precisamos discutir mais: será que realmente é suficiente o fim das licitações internacionais? Parece-me que, aqui, cabe até ressaltar, como ponto positivo, a decisão nesse protocolo assinado, que as empresas são obrigadas a ter registro do produto no Brasil e comprovar a sua utilização no País de origem. Isto é muito importante, porque as vacinas tríplices que para cá vieram, causaram mal as nossas crianças e jamais foram utilizadas na população daquele país. São fatos importantes que estão sendo decididos, mas sem o envolvimento maior da sociedade e dos Poderes representados.

Precisamos exatamente responder a essas questões se vamos enfrentar esse problema, se vamos ampliar a nossa dependência das vacinas do exterior, ou se vamos investir em nossos laboratórios oficiais, ou extingüi-los ou liquidar com estas instituições.

Diante dessa situação, realmente o assunto adquire uma grande importância, pois sabemos que os órgãos governamentais estatais são responsáveis pela produção e distribuição de 50% das vacinas no País, cumprindo uma posição estratégica que deve ser preservada e ampliada.

Concluindo, chamo a atenção para a urgência no enfrentamento da situação, em especial diante do grau de credibilidade, de abrangência e de integração com que a sociedade brasileira abraçou, tem apoiado e participado do Programa Nacional de Imunização que não pode, e não deve, de forma alguma retroceder do estágio que alcançou nesses últimos anos.

Por fim, reafirmo a minha preocupação com a falta de vacinas e de medicamentos na rede pública, principalmente por estar em jogo, como já afirmei, a vida das pessoas, de forma especial, a vida das crianças e dos idosos, o que não justifica qualquer forma de omissão ou desleixo no tratamento do problema, que deve merecer toda a atenção não apenas das autoridades, mas desta Casa e da sociedade.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/06/1997 - Página 10854