Discurso no Senado Federal

PARTICIPAÇÃO DE S.EXA. NO XV CONGRESSO DE ASSOCIAÇÃO DE DIRIGENTES CRISTÃOS DE EMPRESA, EM ARACAJU, SERGIPE.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • PARTICIPAÇÃO DE S.EXA. NO XV CONGRESSO DE ASSOCIAÇÃO DE DIRIGENTES CRISTÃOS DE EMPRESA, EM ARACAJU, SERGIPE.
Publicação
Publicação no DSF de 04/06/1997 - Página 10857
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, CONGRESSO, AMBITO NACIONAL, EMPRESARIO, CRISTÃO, CONTRIBUIÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), DIREÇÃO, MELHORIA, RELAÇÃO DE EMPREGO.
  • DEFESA, ORADOR, JUSTIÇA, REMUNERAÇÃO, TRABALHO, VALORIZAÇÃO, TRABALHADOR, QUALIFICAÇÃO, CATEGORIA PROFISSIONAL, OBJETIVO, PAZ, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no final da semana passada tive oportunidade de participar do XV Congresso da Associação de Dirigentes Cristãos de Empresa, em Sergipe, Aracaju. O tema enfocado foi O Caminho para a Paz Social.

Foi importante a participação naquele contexto, não com surpresa, porque entendo que aqueles que conhecem o Evangelho e o exercitam sabem que existe uma doutrina que não permite que o lucro seja o único objetivo de quem tem um empreendimento.

Como, pela primeira, tive oportunidade de participar de evento dessa natureza, o tema O Caminho para a Paz Social enfocado por empresários cristãos tinha, para mim, uma nova conotação. Em primeiro lugar, porque não se tratava de representação partidária. Em segundo, porque eram empresários fazendo questionamentos sobre o comportamento empresarial brasileiro e tomando posições que antes eram consideradas como típicas de Partidos de Oposição.

Tive a oportunidade de acompanhar a reflexão feita sobre o mundo globalizado e suas conseqüências para os trabalhadores e a sociedade.

Vimos transformações ocorrerem tão rapidamente que não nos foi possível adequar as necessidades sociais ao crescimento econômico. Contradições, conflitos, a evolução da sociedade, tecnologia, tudo isso presenciamos sem que tenhamos criado um espaço para o debate com vistas a elaborar um projeto estratégico para que este País combine, no processo de globalização, o crescimento econômico com o crescimento do indivíduo, ou seja, um crescimento social.

Ali, no encontro da Associação de Dirigentes Cristãos de Empresas, dizíamos que era importante dar condições ao homem e à mulher de reconhecerem seu trabalho como digno e, para isso, eles precisam ser capazes de honrar seus compromissos com a remuneração do seu trabalho.

E chamamos a atenção para um princípio cristão que é muito claro para nós: "submeter e dominar a terra". Ao longo dos anos tem sido parte do trabalho do homem submeter e dominar a terra. Obedecendo a uma visão distorcida, o homem foi forçado a trabalhar incansavelmente sem receber uma justa remuneração que lhe permitisse sentir que o seu trabalho dignifica, porque ele pode honrar seus compromissos, porque é justo o seu salário e porque dele não tem de se envergonhar diante de sua família.

"O homem, senhor da terra" - a doutrina cristã conhece isso - "O homem, senhor dos recursos". "Recursos a serviço do homem". O contrário não é verdadeiro. A doutrina cristã não reconhece: "O homem a serviço da terra e de seus recursos".

A concepção cristã foi parte da reflexão feita no XV Congresso da Associação de Dirigentes Cristãos de Empresas.

Desde a Revolução Industrial tem havido a utilização da mão-de-obra como se ela fosse mão-de-obra escrava. O trabalhador é tratado igual a uma máquina. É exploração. Os resultados decorrentes dessa exploração eram chamados de "eficiência". Eficiência em quê? No lucro, na economia e do emprego.

Com essas justificativas, explorava-se o trabalho do homem e o trabalho da mulher. Cresceu entre nós o desejo de mudar, de inverter essa relação de capital e trabalho.

Os Partidos de Esquerda, considerados por alguns como dinossauros, sempre mostraram a necessidade de a organização dos trabalhadores buscar não somente melhores salários mas também direitos de cidadãos.

Por outro lado, para aqueles que não reconhecem a organização dos trabalhadores, para aqueles que não entendem que o trabalhador é um cidadão e que portanto tem direitos, a organização dos trabalhadores não deve ter compromisso com a política estabelecida no País, deve apenas se preocupar, no seu gueto sindical, com salários. Nada além disso é de sua competência.

Foi importante a minha participação no congresso. Ali estudamos a Encíclica Rerum Novarum. E o que ela diz? O Papa Leão XIII, motivado pelo surgimento da nova classe operária nascida do processo de industrialização, fez a defesa daquela classe. Falou contra a exploração da mão-de-obra, defendeu o justo salário, o princípio do bem comum, da dignidade da pessoa humana, das condições material, intelectual, moral e institucional.

Ora, foi o Papa Leão XIII - e não o Partido dos Trabalhadores ou uma esquerda retrógrada -, quem, expondo o pensamento social cristão, apontou para as necessidades que tem o ser humano. De outra maneira, de que nos serviria o trabalho?

O Papa João Paulo II, na Conferência de Puebla, dizia em relação ao trabalhador que "sobre toda propriedade privada recai uma hipoteca social", ressaltando a responsabilidade social da propriedade. Tratou como um todo esse ser humano trabalhador: as suas necessidades de salário, de educação e de participação no lucro da empresa.

No XV Congresso da Associação dos Empresários e Dirigentes Cristãos de Empresas, discutimos a importância de o Brasil precisar mudar a sua relação com o trabalhador brasileiro. A classe empresarial, independentemente de ser cristã, deveria fazer uma reflexão juntamente com os seus parceiros e aliados empresários cristãos. 

Sr. Presidente, Srs. Senadores, quero fazer a leitura de um trecho da Doutrina Social Cristã - "O Caminho para a Paz Social" -, muito interessante.

      "Ainda segundo a Rerum Novarum, o JUSTO SALÁRIO deve corresponder a todos os direitos que competem à Pessoa Humana, principalmente:

      - direito à vida digna;

      - direito à digna criação de família;

      - direito à formação de propriedade privada digna;

      - direito à livre expansão dos dons e potencialidades;

      - direito à participação ativa dos processos econômicos de produção."

Esse é o princípio que a organização precisa dar à Associação de Dirigentes de Empresas Cristãs.

      Mais adiante - isso é muito bom para chamar a atenção -, a mesma encíclica diz ainda que "a Igreja reconhece a justa função do LUCRO, como indicador do bom funcionamento da empresa: quando esta dá lucro. Isso significa que os fatores produtivos foram adequadamente usados, e as correlativas necessidades humanas, devidamente satisfeitas. Todavia, o lucro não é o único indicador das condições da empresa. Pode acontecer que a contabilidade esteja em ordem e simultaneamente os homens, que constituem o patrimônio mais precioso da empresa, sejam humilhados e ofendidos na sua dignidade. Além de ser moralmente inadmissível, isso não pode deixar de se refletir futuramente de modo negativo na própria eficiência econômica da empresa. Com efeito, o objetivo desta não é simplesmente o lucro, mas a própria existência da empresa como comunidade de homens, que, de diverso modo, procuram a satisfação das suas necessidades fundamentais e constituem um grupo especial a serviço de toda a sociedade. O lucro é um regulador da vida da empresa, não o único; a ele se deve associar a consideração de outros fatores humanos e morais que, a longo prazo, são igualmente essenciais para a vida da empresa."

Parece que essa concepção, essa doutrina social cristã, implementada por esse pequeno grupo ainda dentro de uma visão empresarial começa a surtir efeito quando ali foi feito um balanço do alcance das atividades dessas empresas que tiveram a oportunidade de dar ao trabalhador participação no lucro, no seu crescimento, no seu potencial de crescimento e do retorno social e no implemento também de novas políticas na área de educação e de saúde.

Vimos que esse processo de globalização demanda também uma outra situação para o mercado, que é a questão de qualidade. É importante ressaltar que, se não houver um investimento na qualificação profissional, nossos trabalhadores não terão como competir com a mão-de-obra das empresas estrangeiras instaladas no País.

Faço este pronunciamento para alertar o empresariado brasileiro sobre esse processo de globalização, essa corrida desenfreada ao lucro, sem atentar para a dignidade do ser humano.

Baseei meu discurso na reflexão que fiz com a Associação dos Dirigentes Cristãos de Empresas - apesar de ser cristã, não sou empresária -, mas achei pertinente, por ser do Partido dos Trabalhadores, que tem uma política clara em relação ao trabalhador e aos seus direitos, aos direitos humanos em geral. Há uma nova visão empresarial brasileira e, muitas vezes, não somos entendidos. Pensam que o Partido dos Trabalhadores odeia os empresários, como se não tratássemos da causa dos trabalhadores voltados também para a questão da produção e o empresário é o fator primordial nessa relação na política de emprego. Portanto, essa dificuldade que temos tido também preocupa a outros setores.

Estou colocando este fato aqui porque o considero importante, já que compreendemos que, apesar da aparente estabilidade econômica e da aparente situação social crescente, existe descontentamento na base empresarial por parte dos trabalhadores e, quem sabe, até daqueles que dão sustentação ao Governo Federal.

Não podemos ter medo de fazer o debate nacional com relação à globalização. Também não temos que temer o debate sobre o projeto neoliberal. Teremos que fazê-lo e estamos buscando fazê-lo, mas entendemos que há uma insatisfação que precisa ter espaço, pois nem todos estão pensando da mesma maneira, mesmo sendo da classe empresarial. Temos, pois, visões diferenciadas, mas, na medida em que temos oportunidade de participar de um congresso onde a relação empresarial com o trabalhador é colocada como princípio na busca da paz social, temos que contribuir com a nossa postura, com a nossa idéia. E foi o que fiz ali. Aduzindo que temos o Estado e que esse Estado garante que haja uma Nação forte, porque está em funcionamento, há os partidos políticos e um congresso funcionando, isso demonstra que temos uma nação forte, politicamente estamos funcionando; há uma estabilidade da economia, o que demonstra uma Nação forte. Mas nos enfraquecemos diante dos argumentos ali levantados por outros palestrantes que lá estiveram, como o nosso ex-Ministro João Alves, que ali falava sobre a exclusão do Nordeste na questão da paz social, e eu dizia da exclusão do Estado do Rio de Janeiro e que a paz social só pode ser construída num grande mutirão da unidade, da esperança, de setores estratégicos da economia brasileira, mas também com a contribuição do Estado.

Não é abrindo mão de recursos que temos, salvando banqueiros a cada momento, que haveremos de contribuir com a paz social. A paz social só poderá ser construída no momento em que pudermos mudar a ideologia do capital neste País. Entendemos que a ideologia do capital, hoje, contribui cada vez mais para a exclusão, e essa nos causa grande preocupação.

O País abriga, cada dia mais, mão-de-obra desqualificada, de camelôs intelectualizados, de carrocinhas sofisticadas, e queremos a paz social. Para a paz social brasileira, estamos colocando muros, comprando pastor alemão, cercando as praças, impedindo que os mendigos da nossa cidade sejam vistos e colocando muita polícia nos morros. Não construiremos, jamais, Sr. Presidente, paz social em uma conjuntura dessa natureza.

A paz social se constrói com a fé, com a esperança e com a vontade política de nossos governantes para fazer do Brasil um País diferente.

Que a paz social enfocada no XV Congresso possa vir com a contribuição do empresariado, do Governo e da sociedade.

Era que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/06/1997 - Página 10857