Discurso no Senado Federal

DIA INTERNACIONAL DE COMBATE AO TABACO, TRANSCORRIDO NO ULTIMO DIA 31 DE MAIO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TABAGISMO.:
  • DIA INTERNACIONAL DE COMBATE AO TABACO, TRANSCORRIDO NO ULTIMO DIA 31 DE MAIO.
Publicação
Publicação no DSF de 04/06/1997 - Página 10880
Assunto
Outros > TABAGISMO.
Indexação
  • REGISTRO, DIA INTERNACIONAL, COMBATE, FUMO, ANALISE, MELHORIA, LEGISLAÇÃO, BRASIL, OBJETIVO, REDUÇÃO, TABAGISMO, ESPECIFICAÇÃO, CONTROLE, PROPAGANDA, PROIBIÇÃO, CIGARRO, LOCAL, PROTEÇÃO, SAUDE, POPULAÇÃO.
  • COMENTARIO, RELATORIO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAUDE (OMS), AUMENTO, DOENÇA, MORTE, TABAGISMO, REGISTRO, AÇÃO JUDICIAL, VITIMA, INDUSTRIA, CIGARRO.
  • APOIO, MOBILIZAÇÃO, POPULAÇÃO, OPOSIÇÃO, VICIO, FUMO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o 31 de maio próximo assinala o transcurso de mais um Dia Internacional de Combate ao Tabaco, escolhido pela Organização das Nações Unidas -- ONU, acolhendo proposta da Organização Mundial de Saúde -- OMS, para a mobilização dos povos contra o tabagismo e em defesa de suas vítimas.

Durante muitos anos, a propósito, aqui esteve o Senador Lourival Baptista, também Médico, a renovar as procedentes advertências da Organização, convocando os governos, os estabelecimentos escolares e a população a refletirem sobre "o flagelo da epidemia tabágica", afirmando a necessidade de conjugação de esforços globais no sentido de combatê-lo.

Por isso mesmo, o contínuo crescimento do uso de produtos derivados do tabaco, e dos seus múltiplos e conseqüentes malefícios, há muito preocupa o legislador pátrio. Já o Constituinte de 88, confrontado com a necessidade de reduzir o hábito de fumar, determinou, no artigo 220, parágrafo quarto, da Lei Magna, que a propaganda comercial de cigarros "estará sujeita a restrições legais", aí compreendida a advertência obrigatória acerca dos danos provocados pelo seu uso.

Em conseqüência, objetivando "estabelecer os meios legais" de garantia da pessoa e da família ante a "propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde", o Congresso Nacional aprovou a Lei número 9.294, de 15 de julho de 1996.

Assim, "o uso e a propaganda de produtos fumígeros, derivados ou não do tabaco" foram submetidos às restrições e condições legais, ficando "proibido o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou de qualquer outro produto fumígero, em recinto coletivo, privado ou público, salvo em área destinada exclusivamente a esse fim, devidamente isolada e com arejamento conveniente."

Os espaços preservados incluem as dependências de repartições públicas, hospitais e postos de saúde, salas de aula, bibliotecas, recintos de trabalho coletivo e salas de teatro e cinema, das aeronaves e veículos de transporte coletivo, ressalvada a hipótese de viagem com mais de uma hora de duração, quando houver "nos referidos meios de transporte parte especialmente reservada aos fumantes." 

Ao mesmo tempo, a legislação em comento somente admite a propaganda comercial desses produtos, pelas estações de rádio e de televisão, no horário compreendido entre as vinte e uma e as seis horas, não se podendo "sugerir o consumo exagerado ou irresponsável, nem a indução ao bem-estar ou saúde, ou fazer associação a celebrações cívicas ou religiosas."

Proíbe-se, igualmente, "induzir as pessoas ao consumo, atribuindo aos produtos propriedades calmantes ou estimulantes, que reduzam a fadiga ou a tensão, ou qualquer outro efeito similar; associar idéias ou imagens de maior êxito na sexualidade das pessoas, insinuando o aumento da virilidade ou feminilidade de pessoas fumantes; associar o uso do produto à prática de esportes olímpicos ou sugerir ou induzir seu consumo em locais ou situações perigosas ou ilegais; empregar imperativos que induzam diretamente ao consumo; e incluir, na radiodifusão de sons ou de sons e imagens, a participação de crianças ou adolescentes, nem a eles dirigir-se."

É vedada a utilização de trajes esportivos, relativamente a modalidades olímpicas, para veicular propaganda desses produtos, impondo-se, ainda, que a "propaganda conterá, nos meios de comunicação e em função de suas características, advertência escrita e/ou falada sobre os malefícios do fumo", mediante as seguintes frases, precedidas da afirmação "O Ministério da Saúde adverte:

I - fumar pode causar doenças do coração e derrame cerebral;

II - fumar pode causar câncer do pulmão, bronquite crônica e enfisema pulmonar;

III - fumar durante a gravidez pode prejudicar o bebê;

IV - quem fuma adoece mais de úlcera do estômago;

V - evite fumar na presença de crianças;

VI - fumar provoca diversos males à sua saúde."

Essas advertências devem constar das embalagens, pôsteres, painéis ou cartazes, e de jornais e revistas que façam difusão ou propaganda dos referidos produtos, excetuando-se os destinados à exportação. As cláusulas de advertência deverão ser usadas seqüencialmente, de forma simultânea ou rotativa, variando a cada cinco meses, de sorte a constar, legível e destacada, na lateral do maço, carteira ou pacote diretamente vendido ao consumidor.

Finalmente, a Lei, determinando o veto definitivo da peça publicitária, especifica as sanções a que ficam sujeitos os infratores de suas disposições, "sem prejuízo de outras penalidades" legais, inclusive as do Código de Defesa do Consumidor, compreendendo: advertência; suspensão da propaganda do produto por prazo de até trinta dias; obrigatoriedade de veiculação de retificação ou esclarecimento acerca de propaganda distorcida ou de má-fé; apreensão da produção; multa, a ser aplicada entre um mil quatrocentos e dez reais e sete mil duzentos e cinqüenta reais, cobrada, sucessivamente, em dobro, em triplo e assim seguidamente, na reincidência.

Justifica-se o rigor da Lei. Não nos deve orgulhar a posição de grande produtor mundial de folha de fumo, ante a evidência de que cerca de dois milhões e quinhentas mil pessoas falecem a cada ano, em todo o mundo, em decorrência do hábito de fumar. Em nosso País, morrem de oitenta a cem mil pessoas, vítimas, ao longo do tempo, de doenças tabaco-dependentes, entre as quais infartos, hipertensão arterial, bronquites, cânceres de laringe, lábios, cavidade oral e faringe, esôfago, pulmão, traquéia e brônquios, pâncreas, bexiga e rim.

Dizia-nos o nobre representante do Estado de Sergipe, com certa freqüência, "estar comprovado que os impostos pagos pela indústria do fumo não compensam os prejuízos que ela causa ao País, em termos de vidas humanas, deterioração da saúde da população e acréscimo de custos à Previdência Social e ao sistema de atendimento hospitalar, bem como o absenteísmo ao trabalho, valendo afirmar que a produção de fumo é absolutamente antieconômica ao País."

Defendia, com vigor, os direitos dos não-fumantes -- uma expressa recomendação da OMS --, alertando-os para os riscos de exposição aos cigarros, em transportes, lugares públicos e, sobretudo, em recintos fechados, pois os estudos do Centro Internacional de Pesquisas sobre o Câncer, daquela Organização, concluíram que "a fumaça de segunda mão contém cerca de cinco vezes mais dióxido de carbono, três vezes mais alcatrão e nicotina, quatro vezes mais benzopireno e quarenta e seis vezes mais amoníaco", além de que as nitrosaminas, muito mais concentradas na fumaça expelida, "têm um efeito cancerígeno poderoso." 

O risco apontado pela OMS está na dificuldade de se medir quantitativamente o volume de fumaça inalada pelo fumante passivo. "Ao contrário do fumante, que pode controlar quantos cigarros fuma por dia, o não-fumante não tem idéia de quanta fumaça está aspirando, pois isso depende do tamanho, tipo de ventilação e outras especificidades do local onde se expõe o tabaco."

Aquele que trabalha em local impregnado de fumaça absorve o equivalente a dois ou três cigarros diários. Em cinco horas, numa sala tomada pela fumaça, triplicam as taxas de nicotina no sangue do não-fumante, acarretando-lhe as conseqüências de doenças respiratórias, tosse crônica, diminuição da capacidade pulmonar, irritação nos olhos, nariz e garganta, asma, rinites e câncer no pulmão, fatal, portanto, para fumantes ativos e passivos.

O Deputado J. Elias Murad, também Médico e antigo combatente na luta em defesa das vítimas do tabagismo, tem sido incansável no seu esforço de convencimento da sociedade, alertando que "a fumaça que sai do cigarro, devido à elevada temperatura da brasa e à inexistência de filtro, é mais perniciosa do que aquela que o indivíduo inala. Ela tem mais hidrocarbonetos cancerígenos e mais monóxido de carbono, que é o grande responsável pelo infarto do miocárdio. Ela tem aldeídos irritantes, que são os principais responsáveis pelo enfisema pulmonar, e também tem mais nicotina, que é a substância vicinogênica do tabaco."

Segue-se, desse contexto, que o Relatório Mundial de Saúde, referente ao ano em curso, há pouco divulgado pela Organização Mundial de Saúde, na Suíça, é conclusivo no sentido de que são sombrias as perspectivas dos três continentes onde se concentram, em sua maior parte, os países em desenvolvimento, inclusive o Brasil.

As populações, nesse caso, estão adquirindo hábitos condenáveis de vida, entre os quais o de crescente uso do fumo, confirmando a possibilidade de aumento acentuado de casos de câncer, tuberculose e doenças do coração. Essas últimas, segundo o documento da OMS, mataram sete milhões e duzentas mil pessoas no ano passado, logo seguidas do câncer, responsável por seis milhões e trezentas mil vítimas, dando lugar à estimativa mundial de aumento de 50% de novos casos e de 100% nos países em desenvolvimento, até o ano 2020.

A incidência de câncer de pulmão, o mais comum e letal de todos, vem aumentando em todo o mundo. No entanto, observa-se uma queda de seus índices onde a cultura tabagista entrou em declínio, à força mesmo de intensiva e rigorosa campanha sanitária, de que são exemplos países como os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a Finlândia.

Por isso mesmo, a indústria do tabaco, nos Estados Unidos, pela primeira vez na história, vem sendo pressionada pelas vítimas do hábito de fumar. Milhares de ações judiciais, reclamando indenizações, estão obrigando os fabricantes a uma despesa anual de cerca de setecentos milhões de dólares, correspondente à contratação de escritórios de advocacia encarregados de sua difícil defesa.

Conforme o relato do diário norte-americano The Wall Street Journal, as duas maiores fabricantes de cigarros do país, além de atenderem às intimações dos juízes, procuraram as autoridades do governo no sentido de adotar os programas oficiais antitabagistas e de encontrar uma fórmula consensual de se responsabilizar pelo tratamento das vítimas da nicotina, para o que concordariam com a constituição, no prazo de 25 anos, de um fundo de trezentos bilhões de dólares.

Ainda de acordo com o noticiário, os entendimentos envolvem a indústria do tabaco e 22 procuradores de Estados daquele país, a partir do fato de um fabricante, com uma participação de 2% no mercado, reconhecer, em pesquisas e relatórios tornados públicos, que o hábito de fumar é prejudicial à saúde.

De início, as indústrias do tabaco, procurando proteger-se de novas ações judiciais, aceitariam desativar as máquinas automáticas de venda de cigarros; acabar com o patrocínio de clubes e competições esportivas; e limitar à distância mínima de 300 metros de parques infantis e estabelecimentos escolares a propaganda de suas marcas. Além disso, seriam retiradas das peças publicitárias as figuras humanas e desenhos de apelo juvenil, hoje tão difundidas.

Uma solução possível estaria subordinada à aprovação do Congresso, onde se desconfia que os fabricantes, com um faturamento de 45 bilhões de dólares anuais, estariam mais interessados na manutenção de seus lucros, ora ameaçados pela multiplicação das indenizações a que estão sendo condenados, do que em verdade interessados na preservação da saúde dos fumantes e dos que não se viciaram.

Acrescente-se, ainda, que grande parte da propaganda procura enfatizar as vantagens dos chamados fumos com baixos teores de alcatrão e nicotina, levando o usuário à suposição de que o seu consumo não é prejudicial ou, no mínimo, de que não produz tantas más conseqüências como o cigarro comum. Com isso, conforme nos relata atualíssima reportagem da revista Veja, a indústria conseguiu "quadruplicar a participação das marcas de baixos teores no mercado brasileiro", nos últimos onze anos.

Existe, aí, uma terrível mentira, pois, de acordo com pesquisa da Sociedade Americana do Câncer, "os cigarros de baixos teores são tão prejudiciais à saúde quanto seus similares mais fortes." Eventualmente, o consumo de cigarros light pode determinar a redução de alguns tipos de câncer. Em contraposição, exacerba a incidência do adenocarcinoma, uma variedade de neoplasia que agride as células secretoras de muco dos brônquios e da periferia dos pulmões.

No Instituto Universitário de Medicina Social e Preventiva de Lausanne, na Suíça, estudaram-se 7.423 casos de câncer de pulmão, entre 1974 e 1994. Observou-se uma queda de 27% do carcinoma epidermóide, o tumor mais comum entre os fumantes. Todavia, o aumento dos casos de adenocarcinoma -- um câncer típico de não-fumantes -- chegou a 142%! Essa alta incidência, confirmadamente, deve-se à elevação do consumo de lights, pois o fumante de cigarros de baixo teor, desejando satisfazer o vício da nicotina, "tende a compensar, aumentando o número e a profundidade das tragadas." Conseqüentemente, as substâncias cancerígenas alcançam a região periférica do pulmão, formada por células mais sensíveis aos danos provocados pela fumaça.

Não podemos concluir, Sr. Presidente, sem retornar à referência feita ao Deputado Elias Murad. S. Exa., que é também farmacêutico e químico, ensinou, em artigo para o Correio Braziliense, desta Capital, que o hábito de fumar, associado ao uso de pílulas anticoncepcionais, provoca na mulher o "sinergismo recíproco tóxico entre o tabaco e os hormônios das pílulas", aumentando a ação tóxica de ambos os produtos, principalmente em relação ao aparelho cardiovascular, tornando a usuária mais suscetível ao infarto do miocárdio.

Acresce que a osteoporose, identificada pela perda de cálcio nos ossos, habitualmente atingindo as mulheres após a menopausa e causando dores e fraturas graves, sobretudo do colo do fêmur, "é sensivelmente aumentada pela ação do tabaco."

Ademais, "fumar durante a gravidez pode levar a prejuízos sérios ao ser mais indefeso da humanidade: o feto-nascituro." Pois, o tabaco é prejudicial ao desenvolvimento fetal, aumentando a probabilidade de aborto do bebê, no período entre a concepção e o parto. O mesmo prejuízo pode-se estender aos primeiros dias de vida, dado tratar-se de criança "menos desenvolvida e com resposta imunológica prejudicada."

Enfatiza o Dr. Elias Murad, com incontestável acerto, a situação dramática a que fica submetida a mulher que fuma durante a gravidez, já que "o feto dá também suas tragadas, pois inala os componentes do tabaco, com a nicotina, o monóxido de carbono e outros produtos tóxicos. Quando a mãe fuma durante a gravidez, há um aumento de 35 a 140% dos riscos dos filhos nascerem com peso inferior ao normal, além de outras conseqüências graves como abortos, sangramentos, placenta prévia ou descolamento prematuro da placenta com ruptura precoce da bolsa. Esses dados dão uma maior dimensão à epidemia tabágica, na qual a mulher está fortemente inserida."

Julgamos, conclusivamente, que o Dia Internacional de Combate ao Tabaco não se deve prestar apenas às reflexões momentâneas que desperta, quase sempre circunscritas à compreensão do doloroso destino das vítimas do tabagismo e às procedentes homenagens àqueles que, no Brasil e no exterior, conduzem luta indormida e cada vez mais rigorosa a esse nefasto vício.

Mais do que isso, deve servir para a mobilização de todos os brasileiros, e de todos os povos, em torno de um processo permanente de conscientização, de revigoramento dos programas nacionais de combate ao fumo, de valorização das empresas e repartições públicas que mantêm serviços de prevenção da saúde dos trabalhadores e dos funcionários. Tal mobilização, não resta dúvida, é o que prescrevem aqueles que, pelo País e nações afora, vencem inúmeros sacrifícios para, em conferências, seminários e publicações, convencer as pessoas de que o hábito de fumar, constituindo-se na maior causa de morte evitável em todo o mundo, deve, de pronto, ser universalmente abandonado.

Era o que tínhamos a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/06/1997 - Página 10880