Discurso no Senado Federal

ANALISE DO PROJETO DE LEI DA CAMARA 6, DE 1997, QUE CRIA A AGENCIA NACIONAL DO PETROLEO, JA EXAMINADO PELA COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS E ENVIADO A COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS.

Autor
José Roberto Arruda (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/DF)
Nome completo: José Roberto Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.:
  • ANALISE DO PROJETO DE LEI DA CAMARA 6, DE 1997, QUE CRIA A AGENCIA NACIONAL DO PETROLEO, JA EXAMINADO PELA COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS E ENVIADO A COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS.
Aparteantes
Epitácio Cafeteira, Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 10/06/1997 - Página 11123
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.
Indexação
  • COMENTARIO, PROJETO DE LEI, CRIAÇÃO, AGENCIA NACIONAL, PETROLEO, NECESSIDADE, ORGÃO PUBLICO, FUNÇÃO FISCALIZADORA, REGULAMENTAÇÃO, ATUAÇÃO, INICIATIVA PRIVADA, SETOR, SERVIÇOS PUBLICOS.
  • OPOSIÇÃO, PARTE, PROJETO DE LEI, DEFINIÇÃO, SEDE, AGENCIA NACIONAL, PETROLEO, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DEFESA, PERMANENCIA, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), DEPARTAMENTO NACIONAL DE COMBUSTIVEIS, POSTERIORIDADE, REFORMULAÇÃO, AGENCIA.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PSDB-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, na última semana, a Comissão de Assuntos Sociais aprovou o projeto de criação da Agência Nacional do Petróleo; e o projeto foi, em seguida, encaminhado para a Comissão de Assuntos Econômicos.

No projeto de país que tem sido discutido nesta Casa, a criação de órgãos reguladores no âmbito do Poder Executivo é um passo fundamental para que a atração do capital privado nos setores produtivos da economia se faça sem nenhum prejuízo para a sociedade brasileira.

É comum pessoas confundirem serviço público e prestação de serviço público com o domínio majoritário do capital de uma ou outra empresa. Quando nós no Brasil admitimos a possibilidade de que o capital privado construa, por exemplo, usinas hidroelétricas, isso não quer dizer que a usina hidroelétrica privada não vá prestar um serviço público essencial. A eletricidade continua sendo um serviço público essencial, ainda que gerada ou distribuída pelo capital privado.

Qual a importância desse conceito? Continuarei usando o exemplo da energia elétrica. Seria muito bom que houvesse dois postes em frente da nossa casa para que, todos os dias de manhã, pudéssemos escolher de qual dos dois iríamos comprar energia. Ora, existe apenas uma rede de energia. E mais: não se vive no mundo moderno sem eletricidade. É um serviço público essencial e é tecnicamente monopolizado, porque não há como haver concorrência sob a ótica do consumidor. Só há uma maneira - e o mundo todo a encontrou, pois o Brasil não está inventando a roda -, de permitir que o capital privado construa, por exemplo, usinas hidrelétricas, linhas de transmissão ou rede de distribuição de energia, sem afetar a qualidade do serviço e o direito do cidadão em ter energia elétrica. E qual é essa única fórmula? É a criação, pelo Estado, do órgão regulador. O que deve fazer esse órgão regulador, esse órgão que dá a concessão? Deve, em nome da sociedade, fixar as tarifas máximas pelas quais a eletricidade pode ser vendida e fixar a qualidade mínima do serviço exigido pela sociedade.

Se houver a atração do capital privado na área de energia, na área de mineração, na área do petróleo ou em qualquer área do serviço público, sem que haja, por outro lado, a estrutura reguladora do Estado, a sociedade brasileira terá problemas graves. Daí por que, no projeto da socialdemocracia brasileira, a exemplo do que aconteceu em tantos outros países do mundo, é fundamental, de um lado, abrir a economia, permitir que o capital privado, por exemplo, construa usinas, para que o Estado possa construir escolas com o dinheiro que gastava construindo usinas.

Mas, por outro lado e ao mesmo tempo, é fundamental um órgão regulador forte, bem estruturado e capaz de, em nome da sociedade brasileira, fixar as tarifas máximas, a qualidade mínima dos serviços, fiscalizar, enfim, aquela concessão.

O Sr. Epitácio Cafeteira - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Ouço com muito prazer V. Exª.

O Sr. Epitácio Cafeteira - Nobre Senador Arruda, nesta Casa há representantes das várias unidades da Federação. Entendo perfeitamente o discurso de V. Exª, representante que é do Distrito Federal. Aqui não há problema de energia elétrica. Aqui, onde houver gente, basta puxar 100, 200, 500 metros de fio que chega lá a energia elétrica. Mas eu sou representante de um Estado muito grande, cuja população, "rarefeita" no interior precisa, sim, de uma empresa pública para levar-lhe a energia elétrica, atender a uma necessidade e respeitar um direito do cidadão. Se colocarmos isso nas mãos da iniciativa privada - e pode V. Exª estar certo de que o que move a iniciativa privada é o lucro - , o povoado com um número de habitantes que não produza uma renda compatível com a extensão da rede vai ficar sem energia elétrica. Estou vendo que a filosofia do Governo é privatizar, é entregar à iniciativa privada serviços que, como o próprio nome diz, são públicos. Se é essa a filosofia da socialdemocracia brasileira, assevero que, na nossa região, vamos ter muitos problemas no fornecimento de energia elétrica e água. Estou falando do meu Maranhão, mas posso dizer a V. Exª que a filosofia da socialdemocracia não está sendo bem recebida na França. E olhem que a França, por sua cultura, pela experiência que possui no atendimento do povo, deve ter mais autoridade para opinar. O fato é que é mais barato entregar à iniciativa privada. Com toda certeza, quem vai pagar por isso é aquele que constrói o Brasil lá nos grotões, aquele que, na Região Norte principalmente, levanta o seu casebre como se fosse uma bandeira a dizer que aquilo é o Brasil; é aquele que, defendendo nossas fronteiras, defende nosso País. Esse vai continuar com a vela acesa, porque a iniciativa privada não vai levar-lhe a energia elétrica.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Senador Epitacio Cafeteira, não há nenhuma discordância entre o pronunciamento de V. Exª e o que defendo aqui. Claro que um dos papéis do Estado é permitir que o capital privado invista nos setores produtivos e rentáveis da economia, mas continua sendo papel do Estado aportar recursos e suprir de serviços públicos regiões com densidades populacionais menores e que são menos favorecidas, como é o caso que V. Exª cita, do interior do Maranhão.

Não estou entrando na questão das áreas em que o Brasil tem mercado passível de exploração pelo capital privado com rentabilidade e em que o Estado possa, então, ser o órgão regulador e das áreas - há muitas no Brasil - em que é fundamental que haja a presença do Estado para dar o input ao desenvolvimento. Afinal, não há desenvolvimento sem infra-estrutura básica de serviços de eletricidade.

V. Exª tem toda razão. Apenas o exemplo da França não é muito feliz, porque a Électricité de France, estatal há tantos anos, começa a atrair capital privado inclusive para as usinas térmicas de ação nuclear, o que é uma novidade na Europa Ocidental. A Électricité de France, talvez, sendo tecnicamente a empresa de energia elétrica mais importante do mundo, comece a andar nessa direção.

Mas a grande realidade é que estamos falando a mesma coisa. O serviço é público, e não importa se, em algumas áreas passíveis de exploração pelo capital privado e em outras mais rarefeitas economicamente, a presença do Estado se faça necessária, como é o caso, por exemplo, do Estado de V. Exª. De qualquer maneira, há que o Estado ter um poder regulador forte para fiscalizar a qualidade do serviço e não deixar que pequenas cidades, como citou V. Exª - não importa se a empresa é ou não do Estado -, continuem com lamparinas.

Quanto ao petróleo, como se permitiu, com a emenda constitucional que transferiu o monopólio do petróleo da Petrobrás para a União, que houvesse no Brasil a exploração do petróleo também pelo capital privado, em concorrência com a Petrobrás - o que afirma a Petrobrás como empresa, mas traz o capital privado para uma área que é de serviço público -, há que haver um órgão regulador forte.

O projeto aprovado na Câmara dos Deputados tem todos esses ingredientes que permitem que haja um órgão regulador forte. Mas, na apreciação da Comissão de Assuntos Sociais, deparamo-nos com um texto no mínimo ainda inexplicado. Trata-se do seguinte, Sr. Presidente: hoje, existe em Brasília o Departamento Nacional de Combustíveis - DNC. Quando a Petrobrás era a única que explorava o petróleo, é claro, o poder concedente não tinha tanta importância assim, mas existia. Existia fisicamente, com o seu corpo técnico e funcionando em Brasília há mais de duas décadas. No momento em que se abre o setor ao capital privado e que, no Brasil, todo o petróleo, de alguma maneira, pode ser explorado, refinado ou distribuído pelo capital privado, um pequeno aposto, inserido em um dos artigos do projeto que cuida da criação da Agência Nacional do Petróleo, dispõe, textualmente, que essa referida agência terá foro em Brasília, mas que sua sede será no Rio de Janeiro.

Ora, alguma coisa está ocorrendo. Na verdade, não é, como parece à primeira vista, a criação de um novo órgão do Governo, que, como é novo, seria sediado no Rio de Janeiro. Não! Trata-se da transformação de um órgão que já existe - o Departamento Nacional de Combustíveis -, o qual, é claro, deseja-se com uma estrutura mais moderna, com capacidade de ter e manter profissionais com salários de mercado, uma estrutura, portanto, mais ágil. Entretanto, agora, no momento em que se transforma o DNC nessa estrutura ágil, o que não entendo é porque voltá-lo para o Rio de Janeiro.

É interessante constatar que, trinta e sete anos depois de a Capital haver sido transferida para Brasília, o Rio de Janeiro ainda tenha mais servidores públicos que a Capital Federal, apesar de esta levar toda a culpa pelas mazelas do serviço público brasileiro, o que, diga-se de passagem, é uma outra injustiça, vez que a grande, a imensa maioria dos servidores públicos da União são pessoas mal remuneradas sem aumento salarial há tanto tempo, mas ainda assim, prestando um grande serviço ao País. Diria que os problemas maiores do serviço público brasileiro estão nos Estados, principalmente naqueles que estão gastando mais do que arrecadam, notadamente naqueles Estados onde os Governadores foram transferidos do cargo de Governador para chefe de departamento de pessoal porque a folha de pagamentos é maior do que a despesa. Na União isso não ocorre.

O que não consigo entender é a razão de, ao mudar o nome do DNC para Agência Nacional do Petróleo, dando-lhe agilidade, transferi-lo para o Rio de Janeiro.

O Sr. Romero Jucá - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Com prazer, ouço V. Exª.

O Sr. Romero Jucá - Senador José Roberto Arruda, toca V. Exª num aspecto da legislação, que tramita no Senado Federal, para a qual é de fundamental importância a atenção a esse tema. Sem dúvida nenhuma, talvez tentando criar um prêmio de consolação para setores da Petrobrás que eram contra a privatização e a questão da criação da Agência Nacional de Petróleo, buscou-se num processo de negociação na Câmara dos Deputados levar essa agência reguladora para o Rio de Janeiro. Ora, o Senado não pode incorrer no mesmo erro. V. Exª, como Relator da matéria, tem que ter o cuidado de reparar esse encaminhamento - a meu ver errado - processado na Câmara dos Deputados exatamente porque, se o DNC já funciona em Brasília, se já possui instalações próprias, se queremos dar maior amplitude ao DNC como agência reguladora e se estamos nos empenhando para que os membros da agência reguladora sejam aprovados pelo Senado e tenham condição de criar um trabalho muito mais forte que o DNC cria hoje, não tem sentido procurar-se transferir essa agência reguladora para o Rio de Janeiro. V. Exª, como Relator da matéria - acredito que com o apoio da maioria do Senado Federal -, vai consertar esse fato. É efetivamente importante que as agências reguladoras, não só as do petróleo, sejam sediadas em Brasília, exatamente para que tenha condição de efetuar o papel que lhe é definido pela legislação. Portanto, V. Exª toca num tema extremamente importante. Gostaria de ressaltar a minha posição: cerrarei fileiras no sentido de buscar essa transferência para que tenhamos uma agência reguladora do petróleo, de energia elétrica, telecomunicações, condizentes com o novo papel no circuito mundial que essas entidades devem ter.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Muito obrigado, Senador Romero Jucá. Acolho o aparte de V. Exª com muito prazer e o incorporo ao texto desse pronunciamento, apenas fazendo a ressalva de que ainda não sou, como gostaria até, o relator da matéria na Comissão de Assuntos Econômicos; no entanto, com o aparte de V. Exª, talvez a Comissão de Assuntos Econômicos assim delibere em definitivo.

É preciso afirmar que nesse novo modelo de Estado, Senador, só é possível atrair capital privado para fazer serviço público se existir órgão regulador. Órgão regulador é peça-chave da estrutura de Estado, não dá para ser fora da Capital do País, só órgãos operacionais podem ser. Não há nada contra a Petrobrás ser no Rio de Janeiro, se é que a plataforma marítima de Campos é a maior produtora de petróleo.

O SR. ROMERO JUCÁ - Não se deve confundir a Petrobrás com órgão regulador. São coisas completamente diferentes.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - V. Exª toca no ponto central. Uma coisa é órgão operacional, não importa se de capital público ou privado, e esses podem ficar sediados e devem no Brasil inteiro, preferencialmente nas regiões mais pobres.

O ideal seria que esses órgãos que ativam a economia local fossem sediados sempre nos Estados mais pobres, de preferência nos Estados do Nordeste, do Centro-Oeste e do Norte brasileiro, atraindo o desenvolvimento nacional para o interior do País. Mas de qualquer maneira, é bastante razoável que qualquer órgão do Governo que tem a missão operacional de induzir, de ativar a economia, que se concentre no epicentro econômico de sua atividade.

Agora, órgão regulador definitivamente, não. E não se trata aqui, como pode parecer, apenas uma defesa de Brasília, porque sou Senador pelo Distrito Federal. É muito mais que isso: é uma questão de conceito básico do modelo de Estado. O que deve ficar na capital de um país? O Poder Executivo, o Presidente e os Ministros; o Poder Judiciário com a Suprema Corte e os Tribunais Superiores; a Casa do Congresso Nacional: são os três Poderes. E nessa estrutura, logo em seguida, no Poder Executivo, e com a mesma importância, estão as agências de regulação. Criamos a Agência Nacional de Energia Elétrica. Estamos criando a Agência Nacional do Petróleo. Enviei correspondência ao Presidente da República sugerindo o que me pareceu uma lacuna no caso da Vale: a criação da Agência Nacional de Mineração, porque o Departamento Nacional de Produções Minerais, o DNPM, também não tem estrutura capaz de fiscalizar capital privado no setor mineral. Quer dizer, órgãos como o DNPM, o DINAE, o DNC até poderiam fazê-lo, aos trancos e barrancos, enquanto quem fazia todo o serviço era o Governo. Era Governo fiscalizando Governo. Agora, não: as agências têm que ter estrutura própria, salários dignos, têm que fazer plano de carreira efetivo, têm que ter profissionais de alto nível, pois, do contrário, não vamos dar conta de defender, em nome da sociedade, o patrimônio nacional.

Ora, essas agências, como concepção básica do modelo de Estado, têm que ter a sede, o fórum e os escritórios centrais na Capital do País; ou então vamos discutir a mudança da Capital. Aí é outra história.

Essa é a questão que se apresenta, Sr. Presidente. Faço este alerta ao Plenário, porque a Comissão de Assuntos Econômicos vai agora analisar a matéria e há uma saída simples na linha da emenda supressiva que remetia à Comissão de Assuntos Econômicos: basta o artigo citar que a sede fórum é o Distrito Federal e que a agência poderá criar filiais onde desejar; mas não precisa desse aposto dizendo que o escritório central será no Rio de Janeiro. A emenda supressiva que encaminhei à Comissão de Assuntos Econômicos é exatamente no sentido da retirada desse aposto, simples, em termos de língua portuguesa, mas extremamente equivocado no que concerne ao conceito do que deve ser e como deve atuar o aparelho de Estado.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/06/1997 - Página 11123