Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM O PROBLEMA DO DESEMPREGO NO MUNDO. AS CONSEQUENCIAS DA POLITICA NEOLIBERAL NO BRASIL.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESEMPREGO.:
  • PREOCUPAÇÃO COM O PROBLEMA DO DESEMPREGO NO MUNDO. AS CONSEQUENCIAS DA POLITICA NEOLIBERAL NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 10/06/1997 - Página 11141
Assunto
Outros > DESEMPREGO.
Indexação
  • GRAVIDADE, SITUAÇÃO, DESEMPREGO, MUNDO, CRITICA, GOVERNO, OMISSÃO, POLITICA DE EMPREGO.
  • COMENTARIO, HISTORIA, DESEMPREGO, CRISE, CAPITALISMO, ANALISE, ESTATISTICA, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, ATUALIDADE.
  • DEFESA, REFORÇO, SINDICATO, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, MOBILIZAÇÃO, SOCIEDADE CIVIL, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco-PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como Senador pelo Partido dos Trabalhadores, como ser humano, como cidadão, como professor de Economia Política, não poderia deixar de preocupar-me e eleger o problema do desemprego como a preocupação mais permanente e mais constante que tenho no cumprimento do meu mandato.

Pesquisa de opinião recentemente realizada nos países que compõem a União Européia, para identificar que problemas as populações consideram mais importantes, demonstrou a gravidade da questão do desemprego. Na Finlândia, 85% consideram o desemprego um dos três mais importantes problemas do país; na França e na Suécia, 78%; na Alemanha, 73%; na Espanha, 72%. A média européia foi de 58,8%. Portanto, deve ser praticamente consenso que o desemprego é o grande problema que se apresenta nesse momento.

O desemprego é importante, desafia o Governo que aí está e desafia os apoiadores do Governo que se silenciam e são incapazes de apresentar propostas sérias para superar o problema. Pensam, muitas vezes, que a Oposição é que deve exercer esse papel de encontrar solução para o desemprego, mas deveriam se preocupar um pouco com essa questão, antes que as eleições se aproximem, não apenas para a utilização populista de medidas que agora possam surgir, deixando de apenar, por exemplo, os 107 mil ou 50 mil funcionários públicos que o Governo ameaça, fazendo prosseguir a reforma administrativa. Talvez muitos desses funcionários sejam salvos pelo gongo, porque as eleições se aproximam e o desemprego em massa não é uma boa política eleitoral.

Pois bem, o desemprego não existia nem no feudalismo, nem na escravidão. O servo da gleba era uma espécie de meeiro do senhor feudal. Trabalhava alguns dias da semana para si, apropriando-se da colheita, e outros dias trabalhava de graça para o senhor.

O escravo, coisa, res, era objeto da propriedade do seu dono, não podia ser ele mesmo proprietário, exceto quando "roubava" ou quando, alugado, recebia remuneração por suas habilidades especiais. Escravo "desempregado" é escravo livre, emancipado, pessoa que deixou de ser escrava.

Entre outras inovações fantásticas, o capitalismo produziu o trabalhador assalariado, "livre", isto é, retirado da posse da terra e dos instrumentos de trabalho e livre para ser obrigado a vender sua força de trabalho no mercado. Se o "mercado" impessoal não precisa dele, sua inação nada custa ao capitalista, ao contrário do que ocorria sob a escravidão e mesmo sob o feudalismo em que o trabalhador parado, mantido pelos senhores, representava um prejuízo para eles. Logo, o capitalismo externalizou e colocou sobre os ombros do trabalhador "livre" o custo do desemprego, criando o moderno fenômeno inerente à especial forma de liberdade individual e capitalista. Do ponto de vista do desemprego, o capitalismo é mais eficiente do que as outras formas de exploração do trabalho, porque é a única que reduz a zero o custo do trabalhador parado.

A opção oferecida ao trabalhador desempregado foi a de empregar-se pelo salário pago pelo "mercado livre", isto é, pelo capitalista, potencial comprador da força de trabalho, confortavelmente colocado diante de uma oferta "ilimitada de mão-de-obra", ou morrer, livremente, de fome.

Nos períodos de auge, de prosperidade, era mais fácil encontrar emprego, da mesma forma que nas fases de intensificação do trabalho agrícola (plantio, colheita, armazenagem). Nas entressafras, nas depressões e nas crises, os trabalhadores são demissíveis a custo zero para o empregador.

As crises de 1810 e de 1815 ocorridas na Inglaterra produziram o desemprego como fenômeno capitalista, isto é, como catástrofe. Aqueles foram desempregos ocorridos quando a Grã-Bretanha tinha uma população de menos de cinco milhões de habitantes, sendo predominantes as atividades agropecuárias.

À medida que os camponeses são expulsos do campo, por causa da transformação da agricultura em criação de ovelhas ou devido aos enclousures (fechamento de terras públicas e da Igreja), expulsão que, no Brasil, foi provocada pela falta de reforma agrária e pela mecanização da agricultura, o desemprego rural se muda para a cidade, urbaniza-se.

A Revolução Industrial tornou tão clara a concorrência entre os trabalhadores para a cidade, se urbaniza.

A Revolução Industrial tornou clara a concorrência entre os trabalhadores e as máquinas, que os assalariados reagiram, no início da Revolução Industrial, perseguindo os inventores e quebrando as máquinas que os expulsavam para o desemprego (Movimento Iudita, na Inglaterra, e Boicote).

Marx determinou que a Revolução Industrial não partiu da invenção do motor a vapor (Watt), nem da linha de transmissão, mas sim da terceira parte da máquina, a máquina-ferramenta que serra, que corta, que pula, que torce, que prega, que solda, que rebita, isto é, que constitui a mão da máquina. A máquina é antropomórfica e, por isso, substitui a força humana, o braço do trabalhador, seu cérebro, por meio da especialização imposta pela divisão do trabalho na grande indústria, sua memória, seus olhos... Marx denominou de "grande autômato" o processo que, no século passado, já indicava a robotização da linha de montagem.

Os governos capitalistas da Inglaterra e da França passaram a patrocinar obras públicas, construções de ruas, de parques, de estradas, de drenagem de áreas insalubres, a fim de reduzir o desemprego exacerbado nas crises. A modernização de Paris, patrocinada pelo Governo de Napoleão III, empregou 50% dos trabalhadores residentes na capital francesa. As work houses eram verdadeiras penitenciárias que mantinham os desempregados em ação e funcionaram eficientemente na crise de 1863, que paralisou a industria têxtil inglesa devido à falta de algodão, provocada pela Guerra de Secessão. Na crise de 1873, a Inglaterra utilizou o mesmo instrumento "keynesiano" de reabsorção de parte dos desempregados em "obras públicas feitas para a burguesia". Não foi o Lord Keynes quem inventou a abertura de frentes de trabalho em atividades pouco produtivas, financiadas pelo Estado. A produção bélica se revelou como a mais adequada forma de reduzir o desemprego que a modernização tecnológica provoca. O aumento de produtividade, decorrente das inovações, aumenta o volume de produção e de oferta de mercadorias e reduz, pelo desemprego, a capacidade de consumo do acréscimo de produtos oferecidos. A deflação, a queda do índice de preços e a contração dos lucros constituem o resultado final da fantástica modernização, tal como acontece no Brasil de hoje. Os neoliberais pensam que o aumento de produtividade, que se encontra nos auges que antecedem as crises e que as agravam, pode salvar o capitalismo moderno.

"Duvido que tenhamos conhecido um auge recente capaz de levar ao pleno emprego, exceto durante a guerra", escreveu o Lord Keynes em 1936. O auge verificado nos Estados Unidos e na Europa entre 1924 e 1929 revelou um aspecto novo do desemprego capitalista: a tecnologia atingira um nível tão elevado, que mesmo o altíssimo volume de novos investimentos realizados no período não foi capaz de reabsorver a mão-de-obra disponível, liberada pela eficiência mecanizada. Isso significa que a economia de mercado teria de conviver, a partir daquele estágio de desenvolvimento tecnológico e daquele nível de acumulação de capital, com uma taxa de desemprego "entre 10% e 12% na Inglaterra, Alemanha e Suécia, e nada menos que 17% a 18% na Dinamarca e na Noruega, entre 1923 e 1929", de acordo com Eric Hobsbawn, em seu livro a Era dos Extremos, pág. 95. Nem o volume de investimentos do auge conseguiu absorver o desemprego, o que demonstra a incapacidade do capitalismo de mercado em manter o pleno emprego, de gerar um número razoável de oportunidades de trabalho. Os investimentos máximos do auge incorporavam um nível tecnológico tão eficiente que, além de não levarem ao pleno emprego, produziram a crise de sobreacumulação de 1929/1941. A queda da taxa de lucro, da produção, dos preços, a elevada taxa de ociosidade do equipamento, a quebradeira de cinco mil bancos nos Estados Unidos, as falências da indústria e do comércio foram acompanhadas e fortalecidas pelo aumento do desemprego. A taxa de desemprego entre 1932 e 1933 atingiu "de 22% a 23% das forças de trabalho britânica e belga; 24% da sueca; 27% da americana; 29% da austríaca; 31% da norueguesa; 32% da dinamarquesa e nada menos que 44% da alemã. (Hobsbawn, Eric. Op. cit., p.97)

A taxa de desemprego correspondente ao nível de desenvolvimento tecnológico existente nos anos 20 se mostrava perigosamente explosiva. Em 1933, Hitler foi eleito, tendo vencido até mesmo em cidades e regiões em que os social-democratas (comunistas) eram majoritários. Foram os imensos gastos do governo no New Deal, principalmente na II Guerra, que permitiram reduzir o desemprego a níveis toleráveis. A guerra fria manteve durante cinqüenta anos uma estrutura de gastos governamentais semelhante à prevalecente durante a guerra, "normalizando" a taxa de desemprego em torno de 4% a 6%.

Se, na Alemanha, a taxa de desemprego de 44% se mostrou explosiva, tendo levado Hitler ao poder e encontrando sua solução na II Guerra, qual será hoje a taxa explosiva de desemprego? As obras públicas civis e militares que abriram oportunidades de emprego contra a lógica do mercado fizeram com que a dívida pública se elevasse a 119,9% do PNB dos Estados Unidos, em 1945. Na Alemanha, o aumento do dispêndio foi justificado pelo mago das finanças de Hitler, o Dr. Dr. Schacht, no livro Mais Dinheiro, Mais Trabalho, Mais Capital. Contra a imensa dívida pública de guerra e de pleno emprego foi dado o calote em 21 de junho de 1948 pelo comando das tropas aliadas.

Os vencedores são silenciosos, não têm que prestar satisfação aos derrotados.

O desemprego atual difere bastante, para pior, dos desempregos anteriores. Com a queda do muro de Berlim, desapareceu a polarização que manteve a guerra fria, os gastos bélicos e espaciais e o elevado volume de emprego. A dívida pública federal dos Estados Unidos se ergue como uma muralha intransponível que impede que os gastos adicionais do governo voltem a funcionar como um absorvedouro de desemprego. Os governos keynesianos cêntricos, que empregavam trabalhadores nos setores bélicos, improdutivos, espaciais e na burocracia militar e civil, bem como os governos do keynesianismo desenvolvimentista, subdesenvolvido, investidores em infra-estrutura e em indústrias de base, em vez de reempregarem, passaram a demitir funcionários e trabalhadores e a reduzir suas encomendas aos fornecedores e empreiteiras. Paul Mattick, em seu livro intitulado Marx e Keynes - Os Limites da Economia Mista, afirmou que a Revolução de 1917, na Rússia, foi uma revolução keynesiana. A acumulação centralizada soviética, minada pela economia de guerra e pela produção de mercadorias nobres individualistas, elitistas, entrou em crise simultânea com a acumulação capitalista cêntrica e com a periférica. O keynesianismo entrou em colapso em escala mundial, em suas três formas de existência. O pleno emprego do socialismo real foi sucedido pelo desemprego de mercado resultante da vitória do capitalismo no espaço da CEI.

O enxugamento da máquina estatal, em nome de uma maior eficiência dos servidores públicos, poderá provocar um desemprego adicional de mais de 30% nos Estados Unidos, de cerca de 40% na Grã-Bretanha, de mais de 50% na Suécia, Noruega e Dinamarca, de mais de 20% no Brasil, na Argentina, no México. Ao corte de 80% dos servidores públicos civis e militares corresponderá, devido ao efeito do multiplicador de desemprego, um desemprego final K vezes maior, ou seja, tanto maior quanto mais elevada for a propensão marginal a consumir que os funcionários públicos apresentarem. Como os servidores públicos representam 17% da PEA dos Estados Unidos, seu enxugamento para 3%, perfeitamente possível do ponto de vista técnico, das necessidades efetivas do Estado mínimo, poderá elevar o desemprego não meramente em 14%, mas em 56%, caso o multiplicador de desemprego seja 4.

Como a taxa de lucro esperada pelos empresários foi sustentada pelos preços elevados pagos pelo governo comprador, pelas subvenções à pesquisa, pela estatização de uma série de custos privados como o de fiscalização e vigilância do patrimônio, silos, armazenagem, crédito subsidiado, conquista de mercados externos, preparação da força de trabalho, saúde pública, aposentadoria etc., a privatização representará elevação dos custos privados e redução do lucro, da eficiência marginal fictícia do capital da fase keynesiana. As falências de empreiteiras, dos fornecedores de "bens de serviços" para o governo, dos produtores e comerciantes de armas e artefatos espaciais, a contração da demanda provocada pela queda da renda decorrente do desemprego, constituirão fatores agravantes do desemprego total. A inflação, outra fonte de lucro privado, ao sair de cena, provoca outra contração da taxa de lucro e uma redução do lucro bancário e também do emprego.

A solução dos capitalistas sobreviventes é a de elevar a mais-valia relativa, empregando tecnologia poupadora de capital variável para tentar compensar a queda da taxa de lucro imposta pelas condições da crise. O nível tecnológico atual, com a robótica, a informática, a telemática desenvolvidas produzirá desemprego tecnológico reativo muito mais elevado do que o auge de 1923-1929 o fez. Ao desemprego tecnológico, ao downsizing e à reengenharia desempregadores soma-se o desemprego cíclico e o desemprego estatal, ambos neoliberais. A globalização coloca nos mercados do capitalismo avançado uma pletora de mercadorias cujos preços são rebaixados nos países de origem por meio do dumping salarial. Os baixos salários pagos aos trabalhadores dos Tigres Asiáticos e da China mostram que os mercados concorrenciais destroem os empregos, matam a concorrência e sucateiam a produção em todos os países onde o nível de salários for superior ao da China. O dumping tecnológico, que garantiu durante séculos as trocas desiguais, a redução relativa dos custos das mercadorias produzidas nos países capitalistas adiantados, deixou de existir diante da globalização do nível tecnológico e das indústrias que se mudam para as áreas de mais baixo custo salarial. A globalização, tal como se apresenta hoje, é uma das fontes modernas de desemprego, e continuará sendo, a menos que pesadas barreiras protecionistas sejam erguidas pelos Países Capitalistas Adiantados (Advanced Capitalist Countries-ACC), transformando a globalização neoliberal em ilhas nacionais protegidas.

O mundo assiste à rápida elevação do desemprego que atingiu um bilhão de trabalhadores, mais de 30% da PEA mundial.

O capitalismo cêntrico exporta parte do seu desemprego para a periferia dominada, por meio da instalação de montadoras de mercadorias, de carros, de artigos da linha branca que apenas empregam trabalhadores-montadores dos componentes importados. A geração de capital cêntrico transplantada nos anos 50 e 60 passa a concorrer com a nova geração de empresas, que, diante da crise cêntrica de sobreacumulação de capital, é obrigada a instalar filiais na periferia. Os mercados periféricos, pobres, limitados, quase saturados pela capacidade produtiva anteriormente transplantada e instalada, são obrigados a concentrar ainda mais a renda nacional, a fim de criarem um mercado adicional que comprará parte dos produtos de luxo montados em casa. No Brasil, por exemplo, a indústria automobilística tem aumentando o volume de produção nos últimos três anos, mas o desemprego tem crescido juntamente com o aumento da produção.

O recurso à redução da jornada de trabalho, utilizado na Inglaterra durante a crise de 1863, quando os trabalhadores ingleses consentiram em diminuir de 12 para 8 horas a jornada com redução proporcional de salários, é um remédio quase esgotado na América Latina. O salário mínimo já foi tão reduzido, bem como o de várias categorias de trabalhadores qualificados, que é com os salários confiscados aos trabalhadores que se pagam cerca de 75% da força de trabalho. Se o salário mínimo no Brasil fosse de R$600,00, o custo de um trabalhador corresponderia ao que cinco operários recebem quando R$118,00 lhe são pagos por mês. Segundo um famoso neoliberal inglês, Prof. Pigou, "salário zero ou negativo assegura o pleno emprego continuamente". Com o salário mínimo pago a um trabalhador francês pagam-se dez, no Brasil. E o governo ainda fala do "custo Brasil" para justificar novas reduções da folha de salários. A taxa de desemprego na América Latina seria quatro vezes maior se os trabalhadores empregados recebessem um pagamento capaz de atender as necessidades mínimas de habitação, transporte, alimentação, saúde, educação suas e de suas famílias. Na América Latina, os 5% mais ricos da população recebem 84 vezes mais do que os 5% mais pobres. No Japão, a diferença entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres é de apenas quatro vezes. Não há margem para redução proporcional da jornada de trabalho e de salário na América Latina. O instrumento usado em 1863 na Inglaterra, durante a crise denominada de "fome do algodão", encontra-se perempto, esgotado.

A ideologia neoliberal ressuscita após 60 anos e traz consigo uma grande novidade. Ela permite aos governos capitalistas governados pela crise transformar o desemprego, as falências, a ociosidade crescente do equipamento, a dispensa de funcionários, o desmantelamento dos serviços públicos de saúde, educação, segurança, aposentadoria, a quebradeira de bancos, a elevação da taxa de juros, o sucateamento do parque industrial em objetivos de ação do governo moderno, neoliberal. A nova ilusão consiste em permitir ao Governo fingir que ele continua ao leme, que ele continua agindo, quando o resultado de sua ação é apenas a materialização dos sintomas da crise que se impõem a ele e que o governa.

Não existe nenhum expediente utilizado anteriormente pelos governos capitalistas que possa ser posto em ação a fim de minorar o desemprego. Os principais desses mecanismos se incorporaram aos instrumentais keynesianos e se esgotaram diante da crise das finanças públicas. A crise das finanças públicas é o resultado do elevado custo de manutenção das armas anticíclicas, keynesianas, que fizeram aumentar a dívida pública a ponto de impor aos governos falidos a entregar "as forças de mercado" os problemas insolúveis terminais.

Na grande São Paulo, o desemprego atingiu 15% da PEA; no Peru, a taxa de desemprego se situa em torno de 18,3%; na Argentina, em algumas cidades, já chegou a 60%.

Qual a taxa de desemprego que tornará o fenômeno explosivo? Na Alemanha, a taxa de 44% de desemprego levou Hitler ao poder e fez deflagrar a solução heróica, a Segunda Guerra Mundial. Qual a taxa de desemprego que mostrará o fracasso do capitalismo em resolver este e outros problemas fundamentais de nossa época? O desemprego neoliberal não tem limite diante da exaustão, do vencimento da validez dos velhos remédios e completa ausência de novos: 40%, 50%, 60%, 65%... O socialismo real, que manteve o pleno emprego com baixa eficiência, desapareceu sem deixar seguidores. O capitalismo sobrevivente e vencedor não tem armas para enfrentar o desemprego, que se torna ameaçador e explosivo.

Sr. Presidente, eu gostaria de salientar quão importante, neste momento, é a presença de um sindicalismo forte, que o Governo desarticula e persegue, do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, das organizações da sociedade civil, que exerceram um papel tão importante em 1863, na fome do algodão na Inglaterra.

Ao invés de permitir que a autodefesa da sociedade diante do desemprego, que não tem limites, se faça, o Governo, ao contrário, persegue e desmoraliza os sindicatos, não ouvindo as suas reivindicações e não permitindo nenhum ganho para os sindicatos, como se fossem inimigos, adversários do Governo.

No seu livro, intitulado "Autoritarismo e Acumulação", o professor Fernando Henrique Cardoso dizia que é justamente aí, nesse processo de acumulação que agora também entra em crise no Brasil, que se pode entender o caráter autoritário e despótico do Governo. Diante dessa situação de desemprego, de crise crescente e irremediável, o Governo tem que, necessariamente, transformar-se em autoritário, em despótico e em destruidor, desfazedor da máquina estatal, das indústrias de base, da base industrial brasileira, das oportunidades novas de geração de emprego.

Portanto, o único baluarte capaz de evitar o aprofundamento da barbárie que acompanha o caos do capitalismo em crise é o fragilizado movimento sindical e as organizações sociais como o MST e as ONGs. Os outros instrumentos de proteção dos trabalhadores desempregados, ameaçados e superexplorados foram desgastados pela crise no capitalismo keynesiano, pela subida da onda neoliberal e pela queda do muro de Berlim.

Agradeço a V. Exª, eminente Presidente, o espaço que me foi dado e que me permitiu praticamente concluir essas minhas angustiosas palavras. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/06/1997 - Página 11141