Discurso no Senado Federal

REALIZAÇÃO EM BRASILIA, DE 4 A 7 DO CORRENTE, DO II CONGRESSO BRASILEIRO E DO I ENCONTRO LATINO-AMERICANO SOBRE SINDROME DE DOWN. DEFENDENDO A INTEGRAÇÃO DAS PESSOAS PORTADORAS DESTA DEFICIENCIA A SOCIEDADE. DEPOIMENTO DA SRA. LUCIANA DE SIQUEIRA PARISI, AUTORA DO LIVRO 'A INTEGRAÇÃO DA PESSOA COM DEFICIENCIA: CONTRIBUIÇÕES PARA UMA REFLEXÃO SOBRE O TEMA', ACERCA DA SITUAÇÃO DA PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA EM NOSSO PAIS.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • REALIZAÇÃO EM BRASILIA, DE 4 A 7 DO CORRENTE, DO II CONGRESSO BRASILEIRO E DO I ENCONTRO LATINO-AMERICANO SOBRE SINDROME DE DOWN. DEFENDENDO A INTEGRAÇÃO DAS PESSOAS PORTADORAS DESTA DEFICIENCIA A SOCIEDADE. DEPOIMENTO DA SRA. LUCIANA DE SIQUEIRA PARISI, AUTORA DO LIVRO 'A INTEGRAÇÃO DA PESSOA COM DEFICIENCIA: CONTRIBUIÇÕES PARA UMA REFLEXÃO SOBRE O TEMA', ACERCA DA SITUAÇÃO DA PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA EM NOSSO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 06/06/1997 - Página 11008
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • REALIZAÇÃO, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), CONGRESSO BRASILEIRO, DOENÇA MENTAL, ENCONTRO, PARTICIPAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, AMERICA LATINA.
  • LEITURA, DEPOIMENTO, AUTORIA, LUCIANA DE SIQUEIRA PARISI, ESPECIALISTA, PROMOÇÃO, INTEGRAÇÃO, DEFICIENTE MENTAL, SOCIEDADE.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no Dia Mundial do Meio Ambiente, vou tratar de um assunto que merece a atenção especial, sobretudo daqueles seres humanos que nasceram com toda a saúde, como nós, Senadores, que aqui estamos.

Está-se realizando em Brasília, nesta semana, de 04 a 07 de junho de 1997, no Centro de Convenções, o Seminário Da Segregação à Integração - um processo de construção da cidadania - como parte do II Congresso Brasileiro e o I Encontro Latino-Americano sobre Síndrome de Down.

Sr. Presidente, Srªs e Srs.Senadores, gostaria de salientar que se encontra na tribuna de honra do Senado a Srª Maria Madalena Nobre Mendonça, uma das pessoas que faz parte da comissão organizadora do II Congresso Brasileiro e do I Encontro Latino-Americano sobre Síndrome de Down; a Srª Luciana Parisi, que contribuiu para o livro A Integração de Pessoas com Deficiências - Contribuições para uma Reflexão sobre o Tema-, editado sob a coordenação da Srª Maria Tereza Eglér Mantoan, com diversos colaboradores; a Srª Ana Cristina Souto de Oliveira Lima, representante do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência do Estado do Rio de Janeiro; a Srª Stella Cristina de Orleans e Bragança, Diretora da Federação Brasileira da Associação de Síndrome de Down; o Sr. Antônio Carlos Sestaro Santos, Vice-Presidente da Federação Brasileira da Associação de Síndrome de Down, a quem gostaria de dar as boas-vindas.

O progresso das discussões relativas à integração e aos serviços para as pessoas com deficiência em nosso País desperta inúmeras questões. A principal delas diz respeito à inserção escolar. Apesar de existirem algumas publicações que tratam desse tema, esses trabalhos ainda são muito isolados no Brasil.

É comprovada a atuação positiva que o meio escolar regular representa no desenvolvimento das crianças portadoras de deficiências. A idéia fundamental é a de que a criança portadora de deficiência, ao conviver com outras crianças, apresenta um desenvolvimento sensório-motor muito mais significativo do que se permanecer isolada em instituições especializadas. O atendimento especializado é segregativo, ou seja, não leva em consideração o fato de que as diferenças de comportamento e de desenvolvimento físico, social e cultural existem em qualquer ambiente.

A diversidade no meio social, e especialmente no ambiente escolar, é fator fundamental para o enriquecimento das trocas, dos intercâmbios intelectuais, culturais e sociais que estão na base da convivência.

Estudiosos do assunto acreditam que o aprimoramento da qualidade do ensino regular e a adição de princípios educacionais válidos para todos os alunos resultam, naturalmente, na inclusão escolar dos deficientes. Pregam uma espécie de "fusão" do ensino escolar regular com o ensino especial.

Criar condições para a integração do aluno portador de deficiências com as demais crianças é iniciar um processo de interação harmônica, é dar condições para que o deficiente possa conviver abertamente com as diferenças que estão presentes em todas as instâncias da vida social. Pessoas portadoras de deficiência são capazes, não são "pouco produtivas", apenas assimilam de forma diferente e num ritmo diferente. A estigmatização e o isolamento geram medos, e medos provocam ignorâncias e afastamento.

Ainda hoje, conversei com a Srª Luciana Parisi, que me relatou algo muito interessante. Ela disse que, normalmente entre as pessoas mais pobres, a resistência contra a convivência com as pessoas que têm alguma deficiência é muito menor do que entre as pessoas de alta renda, da elite, que não compreenderam a importância de se perceber que pessoas que eventualmente têm alguma deficiência podem perfeitamente desenvolver-se, estudar, aprender inúmeras coisas e ter uma vida perfeitamente normal, realizar trabalhos produtivos, atingir objetivos muito positivos, o que acaba contribuindo para o desenvolvimento, a afirmação dessas pessoas.

A estigmatização e o isolamento acabam provocando ignorâncias e afastamentos, que muitas vezes resultam em prejuízos para o desenvolvimento dessas pessoas.

O livro A Integração da Pessoa com Deficiência: Contribuições para uma Reflexão sobre o Tema, já mencionado, de Maria Teresa Eglér Mantoan e outros colaboradores, reúne artigos esclarecedores e coloca a posição de estudiosos, de pais, de dirigentes de instituições e de pessoas com deficiência a respeito do debate que se faz em torno da vida da pessoa portadora de deficiência.

Para exemplificar como pode uma pessoa conseguir dar passos tão positivos, vou ler o depoimento da Srª Luciana de Siqueira Parisi, portadora de paralisia cerebral, representante da Associação de Paralisia Cerebral do Brasil junto ao Conselho Nacional de Saúde, que, ano passado, foi recebida pelo Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso e transmitiu uma mensagem extremamente importante.

Algum dia, quem sabe, o Senado terá uma pessoa em condições de expor, ela própria, da tribuna, o que aqui vou relatar.

Eis o depoimento de Luciana de Siqueira Parisi sobre a integração da pessoa deficiente:

      Vou tentar relatar aqui algumas palavras sobre o título colocado em relação à situação da pessoa portadora de deficiência, em nosso País. Digo tentar, porque eu, pessoalmente, corro o risco de falar muito mais sobre minha opinião pessoal do que a profissional, já que sou portadora de Paralisia Cerebral desde o parto, quando fui lesada pelo mal uso do fórceps. Mas, como estou começando a atuar nas áreas de saúde e educação em prol do deficiente, então considero este risco menor do que uma pessoa deficiente sem qualquer atuação profissional.

      O Brasil sempre foi um país que investiu muito pouco em saúde em relação aos países europeus. Sinto que o governo federal começou a se preocupar com mais ênfase na década de 70, quando começaram a surgir milhares de casos de paralisia infantil bem como de meningite, patologias que deixavam seqüelas seriíssimas no indivíduo ou o matavam. Atualmente, vejo que o governo se sente um pouco aliviado por ter recebido da ONU - Organização das Nações Unidas - o certificado de erradicação da poliomielite; mas ele mesmo sabe, através do Ministério da Saúde, que hoje temos que nos preocupar com doenças contagiosas, incuráveis e sérias, como, por exemplo, a AIDS.

      Desde o princípio de 1995, assumi pela primeira vez meu assento no Conselho Nacional de Saúde, onde represento como titular, de modo genérico, "os usuários" e, de modo específico, "os deficientes" através da Associação de Paralisia Cerebral do Brasil, a qual me escolheu para representá-la. Está sendo uma grande experiência, já que a nós é encaminhado desde o orçamento do Ministério da Saúde até pequenos ou grandes problemas enfrentados pelo SUS - Sistema Único de Saúde -, ocasiões em que temos que nos posicionar a favor ou contra, deliberando, assim, moções, resoluções, pareceres, recomendações e até representação delegada. Quero, com isso, relatar-lhes que, em todos estes meses que lá estou, venho atuando assiduamente em favor da prevenção (em todos os sentidos e em relação a inúmeras patologias que podem e devem ser prevenidas), dizendo a todos os presentes que é muito mais barato prevenir do que remediar (tratar); além do que existem seqüelas provocadas por algumas síndromes, que deixam o portador para o resto da vida em um leito, sendo que algumas delas poderiam ser clara e facilmente prevenidas. Também venho, constantemente, sempre que o assunto em pauta permite, colocando que o Ministério precisa promover urgentemente uma campanha, em nível nacional, orientando e informando a população sobre o que é a paralisia cerebral e como evitá-la.

      Estou dizendo tudo isso porque a sociedade brasileira está como sempre esteve, habituada a rejeitar o portador de deficiência, por completa ignorância social, ou seja, por total falta de informação. E isso, eu diria, é uma grande e séria doença, porque ela nos contagia no sentido de ficarmos muito magoados, além do que também pode contagiar aquele que rejeitou quando a vida, porventura, lhe apresentar a mesma situação, seja na juventude, na meia idade ou no final derradeiro.

      Completarei 31 anos em novembro próximo - isso em 1995 - e nunca me deparei, na televisão, no jornal ou em outros veículos de comunicação, com qualquer campanha esclarecedora sobre a paralisia cerebral ou outra síndrome qualquer, como a síndrome de Down, que vulgarmente chamamos de mongolismo. Certamente é por isso que a população nos rejeita e até nos preconceitua como "coitadinhos", "que pena!" "mas por que Deus deixou nascer esta criança deste jeito?" (como se fôssemos um grande peso para a família e para a sociedade, ou simplesmente seres inúteis); ou então "não, não chegue perto, porque ele é doentinho" (fazendo com que a criança que perguntou cresça com um grande engodo em seu coração). Internamente, carrego uma grande certeza de que, se houvesse o empenho do governo em tais campanhas esclarecedoras, iria diminuir em pelo menos 50% os casos de rejeição e, conseqüentemente, as pessoas que deixariam de ser atingidas viveriam melhor; já que não teriam mais que carregar tantas e tantas mágoas, seja da família, da sociedade ou até dos amigos! Os outros 50% que não citei são aquelas pessoas que ainda continuam a rejeitar por causa da educação que receberam ou da personalidade que as perseguem, baseadas no orgulho e na vaidade, achando que são superiores a tudo e a todos. Entretanto, o lado positivo das campanhas é que todas as grávidas iriam buscar fazer o seu pré-natal da melhor maneira possível, a fim de que seu futuro protegido não venha a adquirir tal ou qual síndrome, justamente por temor. Com isso, diminuiria sensivelmente a Paralisia Cerebral ou alguns casos de deficiências mentais que podem e devem ser prevenidas, descongestionando o Sistema Único de Saúde - SUS, onde o governo deixaria de atender milhares para atender apenas centenas de paralíticos cerebrais.

      No parágrafo acima, disse que a família também rejeita e até preconceitua errada e antecipadamente o portador de deficiência. Sim, a família cuja formação, desde o matrimônio dos genitores, sempre pensou e quis constituir-se apenas com êxitos, quando se depara com o "diferente" leva um choque e talvez demore anos e mais anos para aceitar; enquanto isto, a vida passa... Isso infelizmente acontece por dois motivos, sendo eles: a falta de informação e de preparo dos pais, alertando os filhos que em breve serão pais, sobre que o casamento não será "um mar de rosas" e que eles têm que estar preparados para aceitar com fé e humildade todos os embates que a vida lhes apresentar. E o outro ponto é a falta de informação científica que deixa os pais transtornados, até o filho "especial", "diferente", "deficiente" crescer, já que ninguém no mundo, por mais conhecimento e cultura que tenha, pode prever com precisão como será a vida daquele portador de deficiência, quais as dificuldades que irá encontrar.

      Um outro enfoque da família em relação à deficiência refere-se a quando o deficiente tem inteligência normal e adentra a adolescência, e ainda quando outros membros da família competem com ele na mesma idade, e começam a rejeitá-lo por sentirem "vergonha" de o levarem aos lugares que freqüentam. Isto é péssimo para ambos os lados, ou seja, para a pessoa deficiente que sofre muito e para a pessoa "normal" que, quando alcançar a maturidade, vai ver a burrada que fez.

      Quanto à aplicabilidade da pessoa deficiente em nosso País, infelizmente diria que 90% da sociedade conceitua tais pessoas "especiais" como inúteis ou incapazes de produzir algo benéfico para o bem comum, apesar de termos inúmeros exemplos de pessoas que conseguiram superar seus obstáculos e são muito úteis à família e à sociedade. E, conseqüentemente, estas pessoas que conseguiram vencer estão dando a sua quota de participação para o progresso do País, e até da humanidade.

      Esta palavra "aplicabilidade" tem seu significado muito amplo, já que também se aplica a todas as dificuldades que o deficiente apresenta, e que a sociedade, na maioria das vezes, não consegue aceitar ou ajudá-lo. Como, por exemplo, são poucas as pessoas que não falam da minha caligrafia no cheque, temendo assim que o mesmo volte por incompreensão do banco. Ou seja, tais pessoas não conseguem "aplicar-se" em receber meu cheque sem murmúrio por dois motivos, sendo que não foram treinadas pelos seus superiores para isto e porque são totalmente ignorantes sobre o assunto deficiências de um modo geral, esquecendo-se de que o que importa é a honestidade e a idoneidade da pessoa, seja ela quem for.

      Atualmente, sinto-me totalmente útil e feliz porque estou conseguindo realizar meu grande sonho, que é o de inaugurar a escola especial onde irei atender portadores de deficiências tanto carentes como aqueles que irão pagar pelo tratamento. Isto tudo somente está sendo possível graças à permissão do Pai Altíssimo, da Pátria Maior da Vida, e depois de todos os empresários e amigos que já colaboraram e ainda colaboram com suas doações.

      Eu tenho consciência de que talvez seja uma exceção em meio a tantos deficientes que não tiveram a mesma sorte ou oportunidades que tive em minha vida. Por isso, agradeço todas as noites a Deus, pelo que tenho, pelo que sou e por tudo que Ele está me proporcionando para ser em um futuro próximo.

      Conclusão: o mundo é feito de exceções, boas ou ruins, que estão aí para nos servirem de exemplo ou de alerta.

Quero cumprimentar Luciana de Siqueira Parisi, inclusive seus pais, Beatriz Siqueira Parisi e Roberto Parisi, que lhe proporcionaram, em que pese aos problemas que ela teve desde seu nascimento, a possibilidade de conseguir superar tantos obstáculos e ainda contribuir tão significativamente, pois o seu depoimento, ao lado das outras colaborações desse livro, constitui algo extremamente encorajador.

Gostaria, mais uma vez, de cumprimentar a Srª Maria Madalena Nobre Mendonça, Presidente de Honra do II Congresso Brasileiro e do I Encontro Latino-Americano sobre a Síndrome de Down - "Da segregação à integração, um processo para a construção da cidadania" -, que se encerrará amanhã no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, aqui em Brasília, com a participação de centenas de milhares de pessoas de todo o Brasil e da América Latina.

Alguns Senadores estiveram ali presentes, dentre os quais o Senador Fernando Bezerra e o próprio Ministro da Educação, Paulo Renato, que também prestigiou o Encontro.

O Encontro apresenta inúmeras atividades: dança, arte, atividades lúdicas, capoeira, escotismo, oficina de jornal, artes no congresso e todo tipo de atividade educacional, de teatro, ioga, além da discussão entre especialistas a respeito de como tratar, de como prevenir sobretudo, e de como criar um ambiente que propicie a construção da cidadania para todas as pessoas com deficiência.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/06/1997 - Página 11008