Discurso no Senado Federal

DIA DO MEIO AMBIENTE. REFORMULAÇÃO DA PRATICA E DA POLITICA AMBIENTALISTA NO BRASIL.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • DIA DO MEIO AMBIENTE. REFORMULAÇÃO DA PRATICA E DA POLITICA AMBIENTALISTA NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 06/06/1997 - Página 11013
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, MEIO AMBIENTE.
  • ANALISE, CRITICA, INSUFICIENCIA, GASTOS PUBLICOS, DESTINAÇÃO, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, POSTERIORIDADE, CONFERENCIA INTERNACIONAL, CONFERENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (ECO-92), PAIS ESTRANGEIRO, BRASIL.
  • NECESSIDADE, INVESTIMENTO, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO, PRESERVAÇÃO, RECURSOS NATURAIS, ERRADICAÇÃO, MISERIA, POBREZA, PROVOCAÇÃO, ESTABILIDADE, CRESCIMENTO DEMOGRAFICO.
  • DEFESA, REFORMULAÇÃO, POLITICA DO MEIO AMBIENTE, BRASIL, SIMULTANEIDADE, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, PROMOÇÃO, JUSTIÇA SOCIAL, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.

              O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, comemora-se, a 5 de julho, o "Dia do Meio Ambiente", que se estabelece entre efemérides diversas às quais a sociedade atribui significados distintos. Há aquilo que se celebra quase como um álibi por nada se fazer a respeito. Há profissões que se homenageiam na impossibilidade, por exemplo, de atribuir-lhes remuneração condigna. Há saudosismos e formalismos diversos, que intentam se passar por civismo e patriotismo. Há, ainda, aquilo que se celebra como exibição da importância que se quer atribuir à questão, o que significa estar "atualizado" e ser "politicamente correto".

              Confesso, Srªs e Srs., a minha preocupação com a hipótese de a questão ambiental ficar adstrita à mobilização efêmera de um dia, numa atitude muitas vezes demagógica e sem maiores conseqüências práticas. Preocupa-me, ainda, a tendência histórica que se tem manifestado entre nós de encará-la de forma maniqueísta: ou se professa uma crença inabalável na inesgotabilidade dos recursos naturais do planeta, o que, de certa forma, conduz ao imobilismo político, ou se tem uma visão apocalíptica do futuro, o que conduz, também, ao mesmo imobilismo.

              Em diferentes oportunidades, tenho procurado manifestar-me a respeito daquilo que já denominei "uma exigência formal da modernidade", ou seja, a ascensão da temática ambiental à condição de prioridade em qualquer planejamento que vise ao desenvolvimento de um país no mundo moderno.

              Contudo, ainda se pode constatar a utilização de conceitos como "desenvolvimento sustentável" no mesmo nível de outros "clichês" do jargão político, e percebe-se que a crescente preocupação mundial com as questões de meio ambiente ainda está muito centrada no uso direto que se faz de recursos naturais e na inexistência de consenso sobre grande parte das responsabilidades quanto à gestão, ao uso e à recuperação do meio ambiente.

              A indiferença dos governantes e sua despreocupação em incluir a questão ambiental como conteúdo do ensino formal e tema da educação continuada, em sentido amplo, contribuiu para que, hoje, se alguém fizer uma pesquisa de rua perguntando o que é a Agenda 21, poucos estejam em condições de responder. No entanto, a Agenda 21, documento aprovado pelas Nações Unidas, um dos mais importantes documentos de planejamento para o próximo século, é nada menos que o Programa de Ação aprovado na Rio 92 para a implementação de um modelo de desenvolvimento sustentável, que poderá evitar a temida crise ambiental das décadas futuras.

              Este mês completam-se cinco anos da realização da Rio 92. Passada a euforia da conferência, governos e mídia, dois atores-chave do processo, perderam dinamismo e até, por que não dizer, interesse pelo desafio posterior, ou seja, a árdua implementação das decisões.

              Dessa forma, Senhoras e Senhores, o momento não é exatamente de comemoração, mas de avaliação. Até que ponto os compromissos assumidos pelo Governo na Rio 92 foram levados à prática?

              Estimativas de agosto de 1996, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), mostraram que a área anual de desmatamento na Amazônia, de 1992 a 1994, ficou entre 10.500 e 15.000 quilômetros quadrados -- dependendo de considerações de limites das áreas medidas. O Instituto informa que, de uma área estimada originalmente em 3,3 milhões de quilômetros quadrados de floresta amazônica no Brasil, aproximadamente 15% já foram distribuídos.

              Em termos financeiros, em 1990, o gasto referente à proteção ambiental aumentou R$ 10 milhões em termos reais; de 1992 a 1993, as despesas caíram em mais de 40 milhões, deixando os totais de 1993 nove milhões menores do que os de 1991.

              Em termos percentuais do Produto Interno Bruto -- PIB, as despesas com proteção ambiental são menores do que 0,012% anual, com a exceção de 1992. O gasto per capita para proteção ambiental é, também, excepcionalmente pequeno; em 1995, o valor era de R$ 0,28; incluindo a preservação dos recursos naturais renováveis, o total per capita sobe para R$ 0,43. Esses são números surpreendentemente pequenos quando levada em conta a severidade das condições ambientais adversas da população brasileira.

              O quadro assume maior gravidade, Senhoras e Senhores, porque não podemos mais invocar os velhos argumentos de que o País deve dar prioridade à erradicação da miséria. Hoje, sabemos que não podemos dissociar essas questões. Pobreza e meio ambiente têm uma relação perversa de agressão mútua.

              Por volta de meados do próximo século, chegaremos aos 12 bilhões de habitantes. Hoje, somos 5,5 bilhões. O que acontecerá, então, se dobrarmos outra vez? O planeta, certamente, não vai acabar. Haverá, porém, uma terrível deterioração das condições de vida, com uma miséria galopante, um caos terrível, guerras locais continuadas, fome envolvendo bilhões de pessoas, recursos naturais arrasados.

              Felizmente, há alternativas possíveis. Antes de mais nada, a experiência mostra que, onde a miséria é erradicada, a população se estabiliza demograficamente. Assim, é absolutamente necessária e indispensável a erradicação da miséria. Ninguém, jamais, afirmaria o contrário. Entretanto, para que isso aconteça, é necessário que tenhamos um novo tipo de desenvolvimento que não prejudique as gerações futuras. A erradicação da miséria não pode ser feita de modo predatório. O desenvolvimento a qualquer custo, ou seja, arrasando os recursos naturais e prejudicando as gerações, futuramente agravaria o cenário da miséria. O novo paradigma de "desenvolvimento sustentável" é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer as possibilidades do futuro.

              Outro argumento identicamente anacrônico é aquele que defende a prioridade de inserção do País nas tendências da economia mundial -- no caso, a globalização -- sob pena de perdermos o chamado "bonde da história", o que implicaria nada podermos fazer pelo meio ambiente.

              Na verdade, conforme eu mesmo já escrevi anteriormente, os problemas ambientais são, por natureza, globais. A singular característica da inexistência de limites geográficos, tanto para os recursos naturais quanto para os efeitos de sua deterioração, inviabiliza resoluções tomadas exclusivamente dentro das fronteiras de cada nação. Muitas vezes, esse é mais um fator de conflito. A ausência de fronteiras dificulta a percepção dos problemas e a assunção de responsabilidades.

              Ainda levando em conta o aspecto demográfico, o caminho para a solução dos problemas ambientais continua apontando para a superação da pobreza, a um mesmo tempo causa e efeito da deterioração do meio ambiente. Vale ressaltar, todavia, que dificilmente a pobreza de uma nação pode ser vista como seu problema exclusivo, em um mundo onde as nações se mostram, cada vez mais, interdependentes.

              Se, comumente, invectivamos contra os 20% da população mundial que vivem nos países ricos e que são responsáveis por 80% do consumo anual de recursos naturais do planeta, não podemos esquecer que, da mesma forma que os países ricos não conseguem deter seus padrões de consumo, os países pobres não têm como evitar a degradação de recursos naturais, explorados indevidamente por uma população que tenta aliviar os efeitos da pobreza, da qual não consegue sair.

              Mais uma vez, o conceito de desenvolvimento sustentável é a proposta que se nos apresenta para a solução desses impasses, porque traz uma visão crítica das limitações dos modelos tradicionais de desenvolvimento, ante a necessidade de garantir, não só a qualidade, mas, principalmente, a continuidade da vida na Terra.

              A idéia da sustentabilidade, das mais humanamente generosas já surgidas, transcende os sistemas políticos, pois recupera os valores humanos e a ética. A sustentabilidade, no seu sentido pleno, compreende os aspectos políticos, econômicos, sociais, tecnológicos, que não se podem dissociar da sustentabilidade puramente ambiental.

              No entanto, Senhoras e Senhores Senadores, preocupa-me que esse conceito de desenvolvimento sustentável se tenha prestado, até agora, ao papel de um artifício de linguagem para justificar pequenos ajustes no modelo de desenvolvimento vigente. Assim, a expressão vem sendo usada por governantes, lideranças políticas e empresários que, na realidade, são protagonistas de práticas inteiramente antagônicas à idéia da sustentabilidade.

              Essa é a razão da preocupação que demonstrei desde o início deste pronunciamento. A banalização da questão ambiental; o que não se pode confundir com a difusão ou popularização de uma idéia. A banalização é uma espécie de esvaziamento insidioso de conteúdo, que faz com que uma mensagem se transforme num "ruído" ou num maneirismo, bem ao gosto deste final de século.

              Embora a concepção conservacionista seja declarada em prosa e verso nos discursos oficiais, quase nunca é colocada em prática quando os órgãos e autoridades competentes precisam posicionar-se em relação a empreendimentos que vão contra uma verdadeira política de desenvolvimento integrado e sustentado.

              Esse é o ponto, Senhoras e Senhores Senadores, a necessidade de reformulação da prática e da política ambientalista no Brasil. Essa é a razão do tom pouco laudatório deste discurso. Não se trata de ceticismo, mas do anseio de ver a questão ambiental verdadeiramente incorporada à estratégia de desenvolvimento nacional, ao invés de mero objeto de retórica, do qual se lança mão nas efemérides, com o objetivo de ocupar espaço em rede nacional e dissimular a omissão para com os problemas do presente e o descompromisso com as possibilidades do futuro.

              Muito obrigado pela atenção.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/06/1997 - Página 11013