Discurso no Senado Federal

COMENTANDO AS CONCLUSÕES DO FORUM RIO +5. CRITICAS AO DESCUMPRIMENTO, PELO BRASIL, DAS METAS ESTABELECIDAS NA AGENDA 21.

Autor
Flaviano Melo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Flaviano Flávio Baptista de Melo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • COMENTANDO AS CONCLUSÕES DO FORUM RIO +5. CRITICAS AO DESCUMPRIMENTO, PELO BRASIL, DAS METAS ESTABELECIDAS NA AGENDA 21.
Publicação
Publicação no DSF de 06/06/1997 - Página 11015
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • CRITICA, FALTA, CUMPRIMENTO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, COMPROMISSO, ACORDO, CONFERENCIA INTERNACIONAL, CONFERENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (ECO-92), PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, PROTEÇÃO, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE.
  • CRITICA, DESCUMPRIMENTO, PAIS INDUSTRIALIZADO, COMPROMISSO, REPASSE, RECURSOS FINANCEIROS, PAIS SUBDESENVOLVIDO, GARANTIA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.

           O SR. FLAVIANO MELO (PMDB-AC. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por uma semana, no período de 13 a 19 de março passado, o Brasil viveu a incômoda situação de receber, no Rio de Janeiro, delegações de 80 países para avaliar os resultados da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento -- a Rio-92, ou Eco-92, como ficou conhecido o evento que reuniu mais de 100 chefes de Estado no Rio de Janeiro para debater a adoção de um modelo de desenvolvimento sustentável -- vale dizer, debater o futuro da humanidade.

           A avaliação aconteceu no encontro denominado Fórum Rio+5, e o incômodo deveu-se ao fato de não termos, nós, brasileiros, anfitriões de ambos os eventos, cumprido algumas das mais elementares disposições acordadas no primeiro deles. Até às vésperas do Rio+5, o Brasil não havia sequer constituído o seu Conselho de Desenvolvimento Sustentável -- imperdoável displicência de uma nação que, sobre ter sido a anfitriã de tão portentoso evento, concentra em seu território algumas das maiores reservas de biodiversidade do planeta.

           A solução, como de praxe, foi recorrer ao "jeitinho" brasileiro -- instituição simpática ao nosso folclore, mas que precisa ser banida da vida pública e da gestão governamental --, com a nomeação de uma Câmara de Políticas de Desenvolvimento Sustentável, vinculada ao Gabinete Civil da Presidência da República.

           O brilho que se poderia esperar de um encontro como o Rio+5, porém, não foi empanado apenas porque o anfitrião não fez o seu dever de casa. Esse, dos males, foi o menor, embora altamente constrangedor. Infelizmente, verificou-se -- como, de resto, era amplamente consabido -- que os países signatários dos documentos elaborados ao final da Conferência de 1992, em sua esmagadora maioria, deixaram arrefecer suas políticas preservacionistas; no mínimo, deixaram que a elas se sobrepusessem, sem quaisquer resistências, os interesses imediatos de uma ordem econômica cujos poderes são levados ao paroxismo na presente conjuntura neoliberal e globalizante.

           Negar que tenha havido qualquer progresso nesse período, Sr. Presidente, seria insensatez ou má-fé. É mister reconhecer, no entanto, que tais progressos foram muito inferiores à expectativa que cercou a Rio-92, em nada condizentes com o gigantismo, a pretensão e o charme daquele evento. Foi o que concluíram os participantes da Rio+5, referendando uma avaliação de quantos se mantêm informados sobre o assunto. Resta observar, ainda, que os representantes de 80 governos e 80 conselhos de desenvolvimento, de 40 ONGs estrangeiras e do Fórum Brasileiro de ONGs, que reúne 350 entidades, se lograram acordar na análise geral, discordaram nas particularidades -- a tal ponto que se tornou impossível elaborar no prazo previsto um documento único e conclusivo, que seria encaminhado à ONU, sintetizando os efeitos da conferência de 1992.

           O descompasso entre as metas então estabelecidas e as providências efetivamente implementadas pode ser melhor detectado com a remissão aos principais documentos da Rio-92, a começar pela Agenda 21 -- conjunto de ações destinadas a contemplar a proteção ambiental, visando ao estabelecimento de uma política de desenvolvimento sustentável.

           De todos os países participantes da Rio-92, 80 criaram seus conselhos de desenvolvimento sustentável, e apenas 40 formularam sua Agenda 21. Lamentavelmente, o Brasil não é um deles. Espera-se que a Câmara de Políticas de Desenvolvimento Sustentável, criada às pressas no mês de março, possa apresentar uma "pré-Agenda" até a realização, no mês que vem, da Assembléia Especial da ONU que avaliará, igualmente, as políticas ambientais implementadas ao longo desses cinco anos.

           No esforço comum para preservar o meio ambiente, os países ricos deveriam destinar 0,7% do seu Produto Nacional Bruto às nações em desenvolvimento. Embora tal recomendação não tenha força de lei, trata-se de um compromisso explicitado no Capítulo 33 da Agenda 21.

           "(...) Os países desenvolvidos" -- assinala o documento -- "reafirmam seu compromisso de alcançar a meta aceita pelas Nações Unidas de 0,7% do PNB para a assistência oficial ao desenvolvimento e, na medida em que essa meta não tenha sido alcançada, estão de acordo em aumentar seus programas de ajuda para alcançar essa meta o mais cedo possível e assegurar a implementação rápida e efetiva da Agenda 21".

           O cientista José Goldemberg, que à época da Rio-92 era Secretário Especial do Meio Ambiente, em artigo publicado no Jornal do Brasil do dia 25 de março último, afirmou que essa ajuda não chega à metade do valor então aprovado, e mais, que se tem reduzido, ao invés de aumentar.

           Um breve balanço demonstra, cabalmente, que, além dessa ajuda, outras metas estabelecidas na Agenda 21 não vêm sendo cumpridas, como, por exemplo, a pretendida mudança nos padrões de consumo das sociedades industrializadas. Trago à colação, a esse respeito, a opinião do geógrafo e professor da Universidade de São Paulo Wagner Costa Ribeiro, que, em recente artigo publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo, assim se manifestou:

           "A diminuição dos níveis de consumo, bandeira que ganhou eco nos países ricos durante as reuniões preparatórias da Rio-92, sucumbiu ante a possibilidade de se comprar o direito de poluir. O mecanismo, em discussão nas reuniões das partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas, consistiria no pagamento pelos países ricos aos países pobres de uma taxa que os liberaria para emitir mais gases-estufa que o estabelecido per capita. Dessa forma, manteriam a desigual equação segundo a qual um terço da população mundial consome dois terços dos recursos disponíveis".

           Wagner Costa Ribeiro põe o dedo também em outra ferida. "O combate à pobreza foi inexistente", afirma. "Ao contrário, a onda neoliberal, associada à globalização dos mercados financeiros, concentrou ainda mais a riqueza, tanto nos países ricos quanto nos pobres, trazendo consigo o desemprego e agravando tensões sociais".

           Infelizmente, Senhoras e Senhores Senadores, não há muito o que comemorar, passados cinco anos da Rio-92. Para o jornalista Clóvis Rossi, da Folha de São Paulo, "a ambiciosa agenda definida naquela reunião de cúpula virou letra morta".

           O relatório final do Fórum Rio+5 apresenta conclusões que permitem inferir a existência de um hiato entre as pretensões da Assembléia de 92 e a realidade que temos hoje. Como seria fastidioso reproduzir todo o documento, cito apenas algumas dessas conclusões:

           -- "As principais forças impulsionadoras da atividade econômica -- padrões insustentáveis de produção e consumo nos países industrializados e crescimento demográfico nos países em desenvolvimento -- ainda são os principais contribuintes de nosso atual rumo insustentável";

           -- Os padrões de consumo na América do Norte, conforme relatados por seus representantes, são ecológica e moralmente insustentáveis;

           -- "Há uma necessidade de se abordarem os imperativos éticos fundamentais do desenvolvimento sustentável (Carta da Terra)";

           -- "Os governos estão atualmente subsidiando o desenvolvimento insustentável. Grande volume de recursos financeiros pode ficar disponível para apoio à sustentabilidade se forem eliminados subsídios prejudiciais e oferecidos incentivos positivos ao desenvolvimento sustentável";

           -- "Acordos internacionais não levam sempre em consideração as necessidades orgânicas das comunidades nacionais e locais nos países menos desenvolvidos";

           -- "O atual sistema das Nações Unidas não é capaz de fazer cumprir os acordos internacionais".

           Na realidade, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, essas conclusões eram previsíveis. Antes mesmo do encontro, o canadense Maurice Strong, presidente da ONG Conselho da Terra e ex-secretário geral da Conferência de 92, já advertia que o progresso até agora obtido não tem sido suficiente para deter o ritmo de degradação ambiental do planeta. Estudos do Instituto de Pesquisas sobre Gastos Públicos, com sede na Alemanha, estimam entre 700 e 900 bilhões de dólares anuais o volume mundial de subsídios a investimentos danosos ao meio ambiente, mas os governos dos países ricos não parecem preocupados em reformular sua política de incentivos.

           Quanto ao papel do Brasil, é preciso destacar que perdemos uma grande oportunidade de nos firmarmos como liderança dos países detentores de grandes reservas de biodiversidade. Até agora, caminhamos muito lentamente na direção do desenvolvimento sustentável, como reconhecem o Ministro do Meio Ambiente, Gustavo Krause, e o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso.

           De qualquer forma, expostas assim as feridas da política ambiental, aqui e alhures, impõe-se observar que nem tudo está perdido; que a Rio-92, malgrado seus resultados insatisfatórios até a presente data, não foi de todo uma oportunidade desperdiçada -- no Brasil, por exemplo, propiciou o surgimento de centenas de entidades, governamentais ou não, que vêm ensejando a participação popular na luta pela preservação do meio ambiente --; que o Fórum Rio+5, por menor que tenha sido o seu impacto, apontou diretrizes e caminhos para que se corrijam as falhas na busca do preconizado desenvolvimento sustentável.

           Exortando o Poder Público a tomar iniciativas que efetivamente consolidem a proteção ambiental, quero manifestar minha convicção de que a sociedade brasileira vai a ele se juntar para tornar realidade os compromissos da Conferência de 92. Acredito firmemente, Senhoras e Senhores Senadores, que, havendo vontade política e determinação -- e só assim! --, nossos esforços para implementar a sustentabilidade repercutirão em outros quadrantes, como importante contribuição para o desenvolvimento harmônico e fraterno da sociedade planetária.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/06/1997 - Página 11015