Discurso no Senado Federal

SITUAÇÃO DAS RODOVIAS BRASILEIRAS, DECLARADA CAOTICA PELO ENTÃO MINISTRO DOS TRANSPORTES, SR. ALCIDES JOSE SALDANHA, EM ARTIGO PUBLICADO NA EDIÇÃO DE 16 DE JANEIRO DO CORRENTE NO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE.

Autor
Carlos Bezerra (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MT)
Nome completo: Carlos Gomes Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • SITUAÇÃO DAS RODOVIAS BRASILEIRAS, DECLARADA CAOTICA PELO ENTÃO MINISTRO DOS TRANSPORTES, SR. ALCIDES JOSE SALDANHA, EM ARTIGO PUBLICADO NA EDIÇÃO DE 16 DE JANEIRO DO CORRENTE NO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE.
Publicação
Publicação no DSF de 06/06/1997 - Página 11017
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • ANALISE, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, ALCIDES JOSE SALDANHA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DOS TRANSPORTES (MTR), PUBLICAÇÃO, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, PRESERVAÇÃO, RODOVIA, BRASIL.
  • SUGESTÃO, CRIAÇÃO, FUNDO ESPECIAL, DESTINAÇÃO, RECUPERAÇÃO, PRESERVAÇÃO, RODOVIA, PAIS.

O SR. CARLOS BEZERRA (PMDB-MT. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em artigo que publicou na edição de 16 de janeiro do corrente ano do jornal Correio Braziliense, o ministro dos Transportes, Alcides José Saldanha, deu ao conhecimento público alguns números que dimensionam muito bem a caótica situação das rodovias brasileiras.

Informa o ministro que, entre 1971 e 1974, quando a malha rodoviária federal era de apenas 24,1 mil quilômetros, o Governo investia, em média, 2,7 bilhões de dólares por ano na conservação de estradas.

Vinte anos depois, no período 1991/1994, a rede rodoviária federal havia aumentado para 50,5 mil quilômetros, o que corresponde a um crescimento da ordem de 116 por cento.

Nesse período, a frota de veículos teve um aumento de 377 por cento, o consumo de combustível cresceu 220 por cento e o tráfego médio das rodovias avançou 340 por cento.

Enquanto esses indicadores cresciam explosivamente, o Governo, no sentido contrário, reduzia seus investimentos em conservação de estradas para apenas 595 milhões de dólares por ano. Assim, os gastos com rodovias, que haviam representado 1,2 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) no início dos anos 70, despencaram para apenas 0,14 por cento nos anos noventa.

A esses números, eu gostaria de acrescentar dados obtidos por um estudo feito pelo Departamento de Pesquisa do Unibanco. Segundo esse trabalho, anualmente, o Brasil perde dez bilhões de dólares por conta da má conservação de suas estradas, do desaparelhamento dos seus portos, e do sucateamento de suas ferrovias. O nosso agonizante sistema de transportes tem, portanto, um peso ponderável na formação do chamado Custo Brasil. A mesma pesquisa indica ainda que, se fossem iniciadas, imediatamente, todas as obras de recuperação e conservação da malha rodoviária -- que recebe 68,6 por cento dos transporte de cargas e 95 por cento do de passageiros do Brasil --, o desembolso do Governo teria de ser de 4,7 bilhões de reais.

Além de tudo isso, ninguém ignora que grande parte da safra agrícola nacional é perdida nessas rodovias esburacadas e mal sinalizadas. Se tivéssemos boas estradas, certamente, o custo do transporte de mercadorias no Brasil não estaria entre os mais altos do mundo. Se tivéssemos boas estradas, seguramente, veríamos cair a macabra estatística de mortes em acidentes rodoviários, que indica, apenas nas estradas federais pavimentadas, a ocorrência de sessenta mil acidentes por ano, com trinta e sete mil feridos e cinco mil mortos.

Por fim, é importante registrar que quarenta por cento das estradas federais brasileiras se encontram em situação "sofrível", enquanto trinta por cento se acham em condição "razoável" e apenas 30 trinta por cento em "bom" estado de trafegabilidade, como admitiu o próprio ministro Alcides José Saldanha.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, segundo cálculos técnicos, o Brasil necessitaria, hoje, de um e meio bilhão de dólares, por ano, para a conservação e a recuperação de suas rodovias. Mas as dotações orçamentárias anuais andam por volta de 400 milhões de dólares. A situação atual, portanto, tende a agravar-se, caso não se mude radicalmente a política para a manutenção de nossas estradas.

As primeiras experiências com a privatização de rodovias, no Brasil, vêm dando bons resultados, conforme atestam pesquisas feitas junto aos usuários das estradas entregues ao controle da iniciativa privada. No entanto, estima-se que a privatização possa ser a solução para apenas quinze mil quilômetros de rodovias federais. Assim, restariam outros trinta e seis mil quilômetros, para cuja conservação teria de ser encontrada outra solução.

A experiência mostra que administradores públicos, em todos os cantos do mundo, preferem destinar recursos para novas estradas -- porque elas "rendem" festas de inaugurações e podem amealhar votos -- a conservar as existentes. Quando não é feita no momento indicado, a conservação acaba ficando muito mais cara, de vez que a pavimentação já pode estar destruída.

Em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, edição de 3 de março do corrente, o engenheiro Rogério Walbach Tizzot, consultor do Programa de Reforma Institucional e Financeira da Conservação Viária, da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe), sugere saídas para a salvação de nossas estradas, cuja situação, aliás, pouco difere da dos demais países do continente. Pelo menos um terço das rodovias latino-americanas encontra-se em péssimas condições.

Segundo Rogério Walbach Tizzot, o atual sistema -- que consiste em construir, não conservar, deixar deteriorar e, por fim, reconstruir -- exauriu-se porque é ineficiente e ineficaz, gerando enormes prejuízos às nações. Assim, deve ser substituído por um sistema de conservação adequado, constante, planejado e que tenha recursos assegurados no momento apropriado.

Os serviços de conservação de vias públicas -- conforme o consultor da Cepal -- devem ser financiados por uma tarifa ou taxa cobrada sobre o preço dos combustíveis. O fundo formado com esses recursos seria então gerido por usuários das estradas -- empresas de transportes de carga e de passageiros, cidadãos, produtores agrícolas e Governo -- de modo transparente.

Diz sobre o assunto o engenheiro Rogério Walbach Tizzot: "Constata-se que enquanto não se criar um sistema institucional/financeiro forte e exclusivo para a conservação da malha rodoviária, com menor dependência dos orçamentos gerais, não será possível reverter o atual quadro dos enormes prejuízos. A conservação de rodovias, ao contrário da construção de novas estradas, não pode depender de discussões políticas anuais sobre os orçamentos, pois a rodovia mal conservada primeiro gera prejuízos e depois acaba".

Além de sugerir a criação de um fundo para a conservação de rodovias, o consultor informa que alguns países, como Canadá, Honduras, Austrália e Nova Zelândia, estão adotando contratos de gestão com empresas públicas ou privadas para gerenciar a conservação das rodovias, mediante pagamentos fixos mensais com base no cumprimento das condições de qualidade preestabelecidas para cada um dos trechos. E explicita as vantagens dessa modalidade:

"Nos contratos tradicionais, os pagamentos são efetuados em função da quantidade de serviços executados, induzindo as empresas a realizar mais serviços para aumentar o lucro. Por outro lado, os pagamentos fixos de contrato de gestão conduzem as empresas a buscar eficiência para obterem serviços de boa qualidade com baixo custo, pois, se necessárias, correções e complementações, estas serão realizadas por contra da própria empresa, ou seja, sem receber, do contratante, pagamentos por quantidades adicionais executadas".

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, a situação das rodovias brasileiras, que vinha se deteriorando desde o início dos anos oitenta, agravou-se em 1988, quando foi extinto o Fundo Rodoviário Nacional (FRN), durante os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte. O FRN era formado por recursos do Imposto Único Sobre Lubrificantes e Combustíveis Líquidos e Gasosos (IULCLG), Taxa Rodoviária Única (TRU) e Imposto sobre Transportes Líquidos e Gasosos (IST). Na Constituinte, essas fontes de receitas ou foram extintas ou repassadas a Estados e Municípios, embora o dever de manutenção da malha rodoviária tenha permanecido com a União.

Estudando o assunto, percebe-se que ninguém discorda que se deva recriar um mecanismo que financie a recuperação de nossas estradas e que, além disso, permita a ampliação da malha rodoviária. Também parece ser consenso entre os técnicos que os recursos para essa finalidade devam ser "carimbados", ou seja, que tenham destinação expressa. Também há um entendimento no sentido de que não se pode criar um novo imposto que venha a sacrificar ainda mais o já muito penalizado contribuinte brasileiro.

O consultor Rogério Walbach Tizzot sugere, por exemplo, que se faça a cobrança desse imposto diretamente na primeira venda do produto, ainda na refinaria, tanto para evitar a evasão quanto para se ter um baixo custo administrativo de arrecadação. Já o ministro dos Transportes, Alcides José Saldanha, quer a constituição de um fundo formado por recursos saídos da cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) sobre os combustíveis. São boas idéias sobre as quais devemos refletir.

O grande entrave existente no momento é de ordem constitucional. A Constituição determina, no seu artigo 167, que é vedada "a vinculação de receita a órgão, fundo ou despesa".

No entanto, estou certo de que se tivermos que votar uma iniciativa no sentido de obter recursos para a recuperação e ampliação de nossas rodovias, o Senado se pronunciaria favoravelmente. A situação de nossas estradas chegou a tal estado que algo tem que ser feito, com urgência. Acredito que os Senadores, que conhecem bem essa questão, não se furtariam a apoiar a criação de um fundo para salvar uma malha viária que está estimada em 150 bilhões de dólares.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, com esse breve pronunciamento sobre o problema, espero ter dado minha modesta contribuição em busca de uma possível solução, solução que está a nosso alcance, pois, acima de tudo, depende de vontade política.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/06/1997 - Página 11017