Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO DE S.EXA. COM A ATUAL CONJUNTURA ECONOMICA, SOCIAL E POLITICA DO PAIS. PONDERAÇÕES AO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO A RESPEITO DO TEMA. REFORMAS PREVIDENCIARIA E ADMINISTRATIVA.

Autor
Humberto Lucena (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Humberto Coutinho de Lucena
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • PREOCUPAÇÃO DE S.EXA. COM A ATUAL CONJUNTURA ECONOMICA, SOCIAL E POLITICA DO PAIS. PONDERAÇÕES AO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO A RESPEITO DO TEMA. REFORMAS PREVIDENCIARIA E ADMINISTRATIVA.
Aparteantes
Jader Barbalho, Josaphat Marinho, Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 11/06/1997 - Página 11186
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • BALANÇO, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, RESULTADO, MELHORIA, PODER AQUISITIVO, MAIORIA, POPULAÇÃO, ZONA URBANA, ZONA RURAL, SIMULTANEIDADE, PREJUIZO, CLASSE MEDIA, EFEITO, AUMENTO, PREÇO, SERVIÇOS PROFISSIONAIS, CONGELAMENTO, SALARIO.
  • NECESSIDADE, ADOÇÃO, POLITICA, REALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, PAIS, EXECUÇÃO, DESAPROPRIAÇÃO, PROPRIEDADE IMPRODUTIVA, FORNECIMENTO, ASSISTENCIA TECNICA, COLONO, ESTABELECIMENTO, ASSENTAMENTO RURAL, APOIO, PRODUTOR RURAL, AGRICULTURA, PECUARIA, AGROINDUSTRIA, MICROEMPRESA, PEQUENA EMPRESA, FACILITAÇÃO, ABSORÇÃO, MÃO DE OBRA.
  • DEFESA, ALTERAÇÃO, ORIENTAÇÃO, GOVERNO, POLITICA, NATUREZA ECONOMICA, FAVORECIMENTO, BEM ESTAR SOCIAL, SOLUÇÃO, PROBLEMA, AGRAVAÇÃO, DESEMPREGO, EFEITO, EXPANSÃO, GLOBALIZAÇÃO, ECONOMIA.
  • ANALISE, INEFICACIA, COORDENAÇÃO, NATUREZA POLITICA, GOVERNO, APROVAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, REFORMA TRIBUTARIA, REFORMA ADMINISTRATIVA, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL.

O SR. HUMBERTO LUCENA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, meditei muito antes de proferir este discurso que reflete a minha preocupação com a atual conjuntura econômica, social e política do País.

Desde o Governo Itamar Franco, com Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda, quando foi lançado o Plano Real, dei-lhe total apoio, convencido que estava - como estou - de que tínhamos que combater a inflação avassaladora que diminuía numa velocidade extraordinária interna e externamente a nossa credibilidade, colocando-nos, cada vez mais, numa posição de isolamento, justamente num momento em que a economia se internacionalizava, sobretudo através da formação de blocos econômicos em todos os continentes.

Anteriormente, no Governo José Sarney, já havia apoiado uma iniciativa nesse sentido, por ocasião do lançamento do Plano Cruzado que, apesar de inspirado em princípios heterodoxos, entre os quais o congelamento de preços por determinado período, alcançou considerável êxito e foi, sem dúvida, o esforço inicial de valorização de nossa moeda.

Após dois anos e meio do mandato do atual Presidente da República, não resta a menor dúvida de que, de um modo geral, o saldo é positivo. A inflação mensal caiu de 50% para cerca de 2% em média, numa demonstração inequívoca de que as medidas governamentais estavam dando certo, malgrado as grandes dificuldades criadas ao desempenho da economia, particularmente no que tange às restrições de crédito, como forma de contenção do consumo, o que nos levou a pelo menos uma ameaça de recessão.

Em suma, temos grandes resultados no campo econômico, mas, também, imensas frustrações no campo social.

É incontestável o aumento do poder aquisitivo da maioria de nossas populações urbanas e rurais, aí compreendidos os trabalhadores que ganham até três salários mínimos, bem como os que se dedicam às mais variadas formas de trabalho no mercado informal. O valor da cesta básica tem sido preservado regularmente, o que ajuda as condições de sobrevivência desses setores da população.

Entretanto, a classe média está sendo duramente castigada, principalmente porque os preços dos serviços são incontroláveis e os salários estão praticamente congelados.

Com os juros em alta, por conta sobretudo da necessidade imperiosa que tem o Governo de financiar diariamente, através de lançamento de títulos no mercado financeiro, a rolagem da dívida interna e bem assim de restringir o crédito para conter o aumento do consumo, o crescimento da taxa de desemprego tem se acentuado bastante, já que a ociosidade das empresas sobe consideravelmente nessa situação. Isso sem falar na crescente automação industrial, decorrente da alta e sofisticada tecnologia que, cada vez mais, se instala no setor, em todo o mundo.

Tanto assim que Celso Furtado, em recente entrevista, com o brilhantismo de sempre, chegou a dizer que a aceleração do desemprego, inclusive por causa da modernização industrial, estava estimulando, particularmente no Brasil, o Movimento dos Sem-Terra, pois as indústrias já não absorviam mão-de-obra como no passado, lembrando, por exemplo, o caso dos Estados Unidos da América, onde a mão-de-obra rural caiu extraordinariamente, em face do crescente processo de industrialização de centros urbanos daquele país. O novo caminho seria a tentativa de voltar ao campo e, portanto, pleitear um trato de terra para trabalhar. Acentuando, ainda, o grande economista nordestino e brasileiro que temos sorte porque só aqui no Brasil "ainda é possível criar emprego na agricultura".

Urge, assim, a decisão política de realmente realizar uma reforma agrária de cunho democrático e, por que não dizer, capitalista - já que ela se assenta, sobretudo, nos direitos de propriedade privada e de posse -, visando, nos termos da Constituição, à desapropriação de terras improdutivas em áreas de maior extensão, mas também a assistência técnica e tecnológica, além de creditícia, aos assentados, estimulando-se a criação de cooperativas e a fundação de agrovilas, como fez em Goiás, no seu devido tempo, o ex-Governador Mauro Borges.

Mas, também ao lado da reforma fundiária, força é convir, no contexto de nossa atual conjuntura econômica, que se faz mister uma política mais agressiva de apoio aos que produzem na agricultura e na pecuária, obedecendo-se a critérios de zoneamento por vocação, sem esquecer o amparo permanente às agroindústrias de pequeno e médio porte, que tanto têm contribuído também para absorver a nossa mão-de-obra disponível.

Enfim, mais do que nunca, diante dos novos tempos, o investimento agrícola no Brasil volta a ser indispensável na ampliação do nosso mercado de trabalho.

É claro que, por sermos um país altamente diversificado - daí a frase repetida como estribilho de que "no Brasil há vários Brasis" -, é preciso que se adote entre nós uma política diferenciada, pelo menos nos setores financeiro e tributário. Não é justo, por exemplo, que a agricultura do Nordeste pague as mesmas taxas de juros do resto do País, quando se sabe que aquela Região, com a sua imensa zona semi-árida, é permanentemente sujeita às intempéries da natureza e aos efeitos devastadores das secas periódicas.

Diante dessa questão, cumpre ao Presidente Fernando Henrique Cardoso reorientar a sua política econômica com vistas a lhe dar um conteúdo mais social, principalmente diante do avanço da globalização que vai agravando os efeitos danosos no combate à inflação, atuando como um fator de desemprego na economia mundial, inclusive de países mais desenvolvidos.

Em suma, como declarou um importante publicitário "em vez de pronunciamentos públicos, o que se exige do Chefe da Nação é mais ação, particularmente na área social". Aliás, nesse sentido, já podemos saudar iniciativas promissoras, como, por exemplo, o apoio creditício e tributário às micro e pequenas empresas que representam hoje, diante justamente do avanço da tecnologia, o segmento produtivo que mais absorve mão-de-obra.

Nesse particular, a instituição do sistema simples na área tributária, trouxe um grande desafogo a essas empresas e levará também à diminuição da economia informal, com conseqüências benéficas de ordem fiscal para os três níveis de governo.

Fala-se muito no Comunidade Solidária, supervisionada pela nossa Primeira-Dama, D. Ruth Cardoso. Trata-se de programa prioritário mas, pelas informações que tenho, ainda é muito restrito, talvez por falta de maiores recursos financeiros para atender aos reclames dos setores mais carentes de nossa sociedade.

Na verdade, o que é inquestionável, a essa altura, é que o Brasil, segundo levantamentos estatísticos da ONU, apesar de estar entre as dez maiores economias do mundo, ostenta os piores índices de distribuição de renda do Terceiro Mundo. Tem uma das rendas per capita menores da América Latina e um salário mínimo cujo valor nos deixa muito mal perante o mundo civilizado. A propósito, em recentes comentários, as últimas pesquisas do Ibope, o seu Diretor-Executivo, Carlos Augusto Montenegro, chegou a afirmar que "com o aumento irrisório do salário mínimo as Classes D e E ficaram frustradas porque pararam de consumir".

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não sei se essa lamentável situação decorre apenas da atual política de cunho neoliberal, conjugada à ação de outros fatores de dimensão universal, como é o caso da crescente modernização tecnológica. Pela atual conjuntura nacional, acho que há aspectos negativos relevantes que influenciam bastante o desenrolar dos acontecimentos no âmbito de nossa política interna.

O fato é que, apesar de dispor inclusive de uma ampla base parlamentar nas duas Casas do Congresso Nacional, o Senhor Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, embora tenha conseguido vitórias expressivas no decorrer da reforma constitucional a que se propôs, particularmente no campo econômico, com a flexibilização dos monopólios estatais e, no campo político, com a aprovação da PEC relacionada com a reeleição para Presidente da República, Governadores e Prefeitos, malgrado às graves denúncias de corrupção na Câmara que precisam ser apuradas e punidas, doam em quem doer, vem encontrando grandes dificuldades na aprovação das reformas previdenciária, administrativa e tributária de fundamental importância para a solução dos nossos principais problemas político-administrativos.

Há de se perguntar se a demora na apreciação dessas matérias decorre do sentimento corporativista que ainda inspira parte dos Senadores, Deputados e também de Governadores e Prefeitos ou se ele não é muito mais fruto da frágil coordenação política do Governo. Nesse particular, ao que parece, o Senhor Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, não tem muita vocação para este trabalho, que é penoso e requer imensa paciência. Se é verdade, por que então Sua Excelência não entrega essa missão ao Sr. Ministro da Justiça, Senador Iris Rezende, empossado recentemente, como sempre foi da nossa melhor tradição republicana e presidencialista, o qual contaria com a colaboração do Ministro da Articulação Política e dos Líderes do Governo na Câmara, no Senado e no Congresso Nacional?

No presidencialismo, ao contrário do parlamentarismo, as ações de governo partem do Senhor Presidente da República, particularmente as iniciativas relacionadas com o próprio processo legislativo. Nesse sistema de governo, as principais proposições, sejam propostas de emenda à Constituição, projetos de lei complementar ou ordinária, são oriundas do Poder Executivo, que, sobretudo, naquelas de maior importância político-institucional ou político-administrativo, deve procurar abrir um diálogo com os partidos políticos que lhe dão sustentação parlamentar no Congresso, através dos seus respectivos líderes ou até mesmo presidentes, quando for o caso.

Fisiologismo à parte, ainda mais agora, quando essa prática política cada vez mais se desmoraliza aos olhos da opinião pública, o que se torna imperioso é o prévio exame das proposições mais complexas, para que possa fortalecer o apoio parlamentar. Muitas vezes, por conta do processo de intriga que contamina o ambiente político, em permanente conflito de interesses pessoais ou políticos, e distorcem, quase sempre, opiniões de líderes e de partidos, gera-se uma crise de natureza puramente artificial. Quantas vezes acontecem divergências que, longe de representar hostilidades ao Presidente da República, são apenas opiniões contrárias a esse ou aquele aspecto de uma proposição governamental? Por que, então, em vez de se partir para ameaças ou retaliações, não se tenta a negociação, já que o Parlamento é o lugar adequado para dirimir controvérsias?

Agora mesmo, quando se aprecia no Senado e na Câmara dos Deputados, respectivamente, as reformas previdenciária e administrativa, os pontos mais controvertidos são de natureza técnica, não colocando, portanto, os Senadores ou Deputados do esquema de sustentação parlamentar, em oposição ao Governo. Trata-se de posições que, do ponto de vista doutrinário, merecem respeito e, por serem controvertidas, devem ser objeto de negociação.

Na reforma previdenciária, por exemplo, discutem-se dois aspectos mais conflitantes. O primeiro, relacionado com a concessão de aposentadorias, que passariam a depender dos limites de idade do homem e da mulher e do tempo de contribuição, mudando-se, assim, os atuais critérios pelos quais a aposentadoria seria por idade ou por tempo de serviço. Nesse particular, informa-se que o Senador Beni Veras, Relator da matéria na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, estuda regras de transição, que, naturalmente, deverão levar em conta os direitos adquiridos e as expectativas de direito de quem falta, por exemplo, apenas cinco anos para aposentar-se. Do mesmo modo, acontece na reforma administrativa em andamento na Câmara dos Deputados. Os aspectos principais em questão, ali, são a queda da estabilidade do funcionário e a ameaça de supressão da paridade entre ativos e inativos, ponto que também constava da Reforma Previdenciária e que agora já não deveria ser mais objeto de apreciação pela Câmara na Reforma Administrativa, porque é questão vencida no Congresso Nacional.

O que se discute, num como no outro caso, é o seguinte:

Quanto à estabilidade, estabelecem-se nas Disposições Transitórias algumas regras visando ao cumprimento do limite de 60% sobre a receita líquida da União, dos Estados e Distrito Federal, no custeio da folha de pessoal.

Em primeiro lugar, exige-se que hoje, nos três níveis de governo, haja não só a extinção de dois terços dos cargos em comissão, como também a demissão dos não-estáveis, quando se sabe que nem uma coisa nem outra depende de prévia autorização do Congresso Nacional, pois tanto o Presidente da República, como os Governadores e Prefeitos, têm a necessária competência para tomar essas iniciativas.

Em segundo lugar, se as medidas estabelecidas no item anterior não resolverem o problema da extrapolação do limite fixado na Lei Rita Camata, então viriam, em seguida, outras providências complementares, quais sejam, a demissão de funcionários estáveis considerados ineficientes ou de funcionários excedentes.

Nesses dois últimos itens, o que se pretende em alguns setores da Câmara é uma outra redação, estabelecendo-se que, nas duas hipóteses, tudo se faça na forma de lei complementar. Enfim, o que se pleiteia é que a norma constitucional não seja auto-aplicável, estabelecendo-se previamente os critérios a serem atendidos, no inquérito administrativo regular, com amplo direito de defesa.

O Sr. Jader Barbalho - Permite V. Exª um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouço V. Exª com prazer, nobre Líder, Senador Jader Barbalho.

O Sr. Jader Barbalho - Senador Humberto Lucena, desejo cumprimentar V. Exª pela análise que faz do momento brasileiro, pelas considerações que V. Exª acaba de tecer sobre a estabilidade econômica que se busca ver consolidada, as reformas que o Presidente da República pôde realizar na área econômica nesses dois anos, com a colaboração do Congresso, que não foram pequenas. Creio que nenhum Governo, na história do Brasil, conseguiu reformar itens tão importantes da vida brasileira como o Presidente Fernando Henrique, que pôde contar com a colaboração do Congresso Nacional. Aí está a queda do monopólio do petróleo, das telecomunicações, o conceito de empresa brasileira, para citar alguns dos itens da maior importância e que eram considerados tabus, o que demonstra, portanto, a elevada colaboração do Congresso Nacional, seja da Câmara dos Deputados, seja do Senado Federal. Quero cumprimentar V. Exª não só pela análise, mas pelas observações que faz relativas às duas emendas que estão pendentes de apreciação: a emenda da reforma administrativa, em tramitação na Câmara, e a emenda da Previdência Social, que está tramitando no Senado. Em qualquer parte do mundo, Senador Humberto Lucena, ambas as questões seriam profundamente controvertidas para apreciação por parte do Parlamento. Há inclusive países considerados politicamente mais avançados que o Brasil, que lutam anos e anos para conseguir reformar seu sistema previdenciário e não conseguem. Da mesma forma em relação à reforma administrativa. Penso que nesta questão há um dado a ser levado em conta: a questão do direito adquirido, o instituto da estabilidade. Fico a imaginar, Senador Humberto Lucena, que se fragilizarmos as instituições e os institutos jurídicos, qual será a garantia de que a geração futura, daqui a vinte anos, respeitará o que nós estamos consolidando hoje? É mister que se leve em conta que o País precisa se modernizar, mas a sociedade brasileira, estruturada na lei, não pode fragilizar seus institutos jurídicos. Direito adquirido é direito adquirido ontem, hoje, e deverá sê-lo amanhã. O direito adquirido é um dos pilares da sociedade juridicamente organizada, assim também é o caso da estabilidade. O funcionário público passa no concurso, cumpre o estágio probatório, e poderemos nós, a essa altura, dizer que não vale? Neste País vale regra de futebol, como é que não vale regra constitucional? Como não vale direito adquirido? Como é que não se respeita instituto jurídico, em nome da modernidade, em nome do avanço da administração pública? No mínimo, Senador Humberto Lucena - e V. Exª assinala com muita precisão -, são respeitáveis os questionamentos, a controvérsia que se estabelece em razão de temas tão polêmicos. No caso da Previdência Social, penso que se deve mudar; no caso da estabilidade, também concordo que esta deve ficar restrita a algumas categorias do funcionalismo público. Mas é preciso que se estabeleça uma linha divisória, para que, nesses dois casos e em outros tantos, o direito adquirido possa vir a ser respeitado não só hoje, mas também no futuro. Desejo cumprimentar V. Exª, em nome da Liderança do PMDB e dos nossos companheiros, pela análise serena e consistente que V. Exª faz neste momento de que esses dois casos não podem ser apreciados com a simplicidade que alguns encontram para achar que é possível avançar nesse aspecto em termos de administração pública, sem levar em conta que, no caso, não estaremos respeitando o direito adquirido, abrindo um precedente gravíssimo em relação às instituições jurídicas do País.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Agradeço a V. Exª por suas palavras, que vêm ao encontro das convicções que estou procurando defender neste instante, colocando-me, como V. Exª, plenamente ao lado das duas reformas, a da Previdência e a Administrativa, que são fundamentais para a reforma do Estado. Mas penso que isso deve-se dar sem agressões aos direitos daqueles que já conseguiram incorporar ao seu patrimônio, alguns benefícios que hoje são fundamentais para a sua sustentação e a da sua família. Não é tão simples assim. Seria o caso, por exemplo, de estarmos apreciando, aqui, uma proposta de emenda constitucional que visasse extinguir a vitaliciedade dos Magistrados ou a imunidade dos Parlamentares. Portanto, do meu ponto de vista, a estabilidade está para o Serviço Público como essas garantias estão apara o Poder Judiciário e para o Poder Legislativo.

Se não tivermos cuidado, ao votar essas questões, vamos abrir caminho no Brasil - e nós que temos maior experiência política sabemos disso -, nos Estados e municípios, para toda sorte de perseguições numa fase obscurantista sem precedentes no País. Não digo no Governo Federal, que é mais isento, mas nos Governos de Estado e, sobretudo, nos Governos Municipais contra os seus adversários políticos. Será uma política de terra arrasada.

O Sr. Ney Suassuna - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouço V. Exª, nobre Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna - Nobre Senador Humberto Lucena, solidarizo-me com V. Exª e também o parabenizo, porque não só V. Exª está trazendo aqui ao Plenário um tema importante, como apresentou subsídios ao próprio Governo. Tive a honra de acompanhar V. Exª, juntamente com os Deputados da Paraíba, onde V. Exª discutiu longamente esses posicionamentos, mostrando que há soluções, não tão traumáticas, que podem ser efetivadas sem que haja uma quebra do Direito. V. Exª, naquela ocasião, abordou a questão da paridade entre o ativo e o inativo, o problema do direito adquirido e da estabilidade. Então, acredito que, se todos os Parlamentares estivessem fazendo como V. Exª, com certeza, esse assunto estaria melhor digerido e não estaríamos tendo as assombrações que estamos tendo, porque ainda não discutimos com a profundidade que merece. Está trazendo V. Exª uma grande contribuição não só em discutir, aqui, mas em levar proposta concreta ao Governo com toda a ponderação, habilidade, inteligência e a experiência que V. Exª tem no campo político deste País.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Agradeço a V. Exª. Naquele dia, V. Exª acompanhou-me no encontro com o Ministro Luiz Carlos Santos quando tivemos a ocasião de discutir esses temas, esclarecendo S. Exª para um certo incômodo em relação a votos da Bancada do PMDB, da Paraíba, na Câmara dos Deputados, em relação à reforma administrativa os quais não se tratavam de uma hostilidade política ao Governo. Tratavam-se de matérias eminentemente técnicas que precisavam ser encaradas, refletidas e por que não, negociadas?

Lembra-se V. Exª quando falei, por exemplo, sobre a reforma administrativa que a questão da demissão por ineficiência e por excedente de quadro dos funcionários estáveis poderia passar por uma lei complementar que fixasse critérios. Do contrário, quem vai apontar quais os funcionários eficientes ou excedentes? É o seu Chefe? Daí, viria aquele cenário a que me referi para a perseguição política dos adversários.

Por outro lado, da mesma maneira no que tange a equiparação de ativos e inativos, fiz sentir a necessidade de preservarmos os direitos adquiridos de quem já é aposentado e dos que têm, pelo menos, uma expectativa de direito de cinco anos para se aposentar.

O Sr. Josaphat Marinho - Senador Humberto Lucena, V. Exª me permite um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Com muita honra, nobre Senador Josaphat Marinho.

O Sr. Josaphat Marinho - Apenas para assinalar, em apoio ao que V. Exª está sustentando: as reformas da previdência e administrativa teriam sido enormemente facilitadas se um dispositivo nelas declarasse que vigorariam a partir de sua promulgação, vale dizer: respeitados os direitos adquiridos. Toda complicação resulta da tentativa de retroagir para alterar situações definitivamente consolidadas.

O SR. HUMBERTO LUCENA - V. Exª tem toda razão. Ao que me parece, o Relator Beni Veras está tentando fazer isso, quando S. Exª insiste na transição. Espero que essa transição venha justamente a ser aquilo que, em outras palavras, acaba de dizer V. Exª em seu aparte.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em suma, a economia vai bem, apesar dos seus altos e baixos, haja vista os déficits crescentes da nossa balança comercial e das demais contas externas, que, em conjunto, já atingiram o déficit equivalente a 3,9% do PIB (Produto Interno Bruto) no mês de abril último, o que demonstra uma dependência nossa muito forte do capital externo. Se bem que essa situação, que é conseqüência talvez da rápida e ampla abertura econômica, já está em fase de reajuste com as novas restrições às importações e os incentivos fiscais às exportações.

A sociedade vai mal, talvez por conta do alto preço que se tem de pagar pelo combate à inflação. E, quando digo a sociedade, refiro-me, sobretudo, à classe média, que é quem comanda a opinião pública. Acredito que o Governo está atento a essa questão e, naturalmente, procura meios e modos de atenuar a situação, como é o caso, por exemplo, do anunciado programa de financiamento da casa própria para a classe média, por intermédio da Caixa Econômica Federal. Se bem que é preciso muita cautela quando se apregoa a extinção do Sistema Financeiro de Habitação, pois o risco é o encarecimento maior das transações, o que tornaria impraticável o pretendido benefício de natureza social. E, finalmente, a política propriamente dita, aí compreendido o relacionamento do Governo com o Congresso e com os partidos que o apóiam ou que lhe fazem oposição, vai mais ou menos, mais para menos do que para mais, pelas razões já expostas neste pronunciamento.

Será que esses aspectos negativos de natureza econômica, social e política, na atual conjuntura, não são decorrentes do hibridismo da coligação da social democracia com o neoliberalismo? Pois, enquanto a social democracia preconiza o regime de liberdade como prioridade para o social, admitindo, aqui e ali, uma certa intervenção do Estado na economia e mesmo uma maior presença deste nas regiões menos desenvolvidas, como por exemplo, no Brasil, o Nordeste e o Norte, como forma de alavancar o desenvolvimento regional, o liberalismo e, por que não dizer, também o neoliberalismo, arrima-se tão-somente nas forças do mercado e preconiza a idéia do Estado Mínimo que, no Brasil, se pode existir no Sudeste, jamais seria possível no Centro-Oeste, no Nordeste e no Norte.

Daí por que, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho para mim, salvo melhor juízo, que a grande e definitiva reforma política que se faria no Brasil, com vistas à consolidação democrática, teria muito a ver com a estratificação ideológica de nossa vida partidária, o que nos levaria, a médio prazo, por meio de fusões e incorporações, a partidos que representassem a socialdemocracia, o liberalismo, o trabalhismo, o socialismo e as demais matizes de Esquerda.

Aí teríamos, então, um perfil do pensamento político brasileiro, pelos seus partidos representativos, que, por sua vez, se revezariam no poder pelo voto popular, mas fugindo, tanto quanto possível, das coligações heterogêneas tão perniciosas ao regime democrático e, portanto, ao seu prestígio popular.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/06/1997 - Página 11186