Discurso durante a 77ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

DESEMPREGO ALARMANTE NO BRASIL.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESEMPREGO.:
  • DESEMPREGO ALARMANTE NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 11/06/1997 - Página 11209
Assunto
Outros > DESEMPREGO.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, DESEMPREGO, EFEITO, GLOBALIZAÇÃO, ECONOMIA, REESTRUTURAÇÃO, PRODUÇÃO, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA PUBLICA, REFORMA ADMINISTRATIVA, ABERTURA, MERCADO INTERNO, ENTRADA, PAIS, MERCADORIA ESTRANGEIRA, VALORIZAÇÃO, TAXA DE CAMBIO, MOEDA, MANUTENÇÃO, POLITICA, CRESCIMENTO, COBRANÇA, TAXAS, JUROS.
  • BUSCA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, DESEMPREGO, ARTICULAÇÃO, SEGURO-DESEMPREGO, TREINAMENTO, APERFEIÇOAMENTO, INTERMEDIARIO, MÃO DE OBRA, MELHORIA, PREPARAÇÃO, TRABALHADOR, ABERTURA DE CREDITO, ASSISTENCIA TECNICA, MICROEMPRESA, PEQUENA EMPRESA, REDUÇÃO, JORNADA DE TRABALHO, EMPRESA PRIVADA.

         O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil está, sem dúvida alguma, colhendo inúmeros bons frutos decorrentes das reformas econômicas em curso e da abertura de suas fronteiras ao comércio internacional. É ocioso enumerar essas vantagens, mas peço licença para mencionar apenas duas das principais: a estabilidade da moeda e a queda dos preços de bens e serviços a patamares mais razoáveis.

         Entretanto, há os subprodutos nocivos dessas mudanças, para os quais devemos estar atentos, sob pena de condenarmos uma parcela significativa da população à exclusão e à miséria. E uma sociedade na qual uma parte dos indivíduos não tem acesso às condições mínimas necessárias a uma vida digna não pode pretender ser uma sociedade desenvolvida.

         Quero referir-me particularmente à questão do desemprego, um fenômeno, hoje, de proporções mundiais. Esse terrível flagelo social, que começou a se manifestar também nos países desenvolvidos nos últimos quinze anos, já atinge, no Planeta, perto de um bilhão de pessoas, quase uma China inteira. A Argentina tem desempregados cerca de vinte por cento da sua população economicamente ativa e a Espanha, que hoje tem uma taxa estimada em cerca de vinte e dois por cento, já andou por volta dos trinta por cento, apenas para citar dois casos mais agudos.

         O desemprego tornou-se a preocupação principal dos brasileiros, segundo uma pesquisa feita no ano passado pela Toledo & Associados para a revista IstoÉ. A pesquisa concluiu que quarenta e um por cento dos brasileiros têm o desemprego como o principal problema a cuja solução o Governo Federal deveria se dedicar, seguido, de longe, pelo controle da inflação e a reforma agrária, com doze por cento cada um. Tem-se aí um dado seguro sobre a extensão do incômodo que esse problema representa hoje na vida nacional.

         Os números demonstram que essas preocupações não são infundadas. Nossa população economicamente ativa cresceu de sessenta e dois milhões e meio, em 1986, para setenta e cinco milhões e setecentos mil, em 1996, numa taxa superior a vinte por cento. Nesse mesmo período, o número de empregados com carteiras assinadas aumentou apenas nove por cento. Acresça-se a isso o fato de que cerca de um milhão e seiscentos mil jovens ingressam a cada ano no mercado de trabalho e temos aí os elementos que fundamentam os temores dos brasileiros.

         A quantidade de desempregados é número sobre o qual há controvérsia, devido às diferenças entre os métodos utilizados nesses cálculos no Brasil. Para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), órgão governamental, de metodologia mais conservadora, a taxa média de desemprego aberto em 1996 foi de cinco vírgula quarenta e dois por cento, o quarto resultado mais alto desde 1983, quando esse indicador começou a ser estimado.

         Com isso, cerca de novecentas e trinta e oito mil pessoas estavam desempregadas ou procurando trabalho nas seis principais regiões metropolitanas do País, praças em que o IBGE faz a sua pesquisa. Se aplicarmos esse número à população economicamente ativa, teremos cerca de quatro milhões e cem mil desempregados em todo o País.

         Já o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE) tem números maiores. Com uma metodologia que abrange também o desemprego oculto e o desalento, ou seja, o caso das pessoas que suspenderam a busca de emprego nos últimos trinta dias pelas dificuldades do mercado de trabalho, o DIEESE faz sua pesquisa em São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte e no Distrito Federal. A média encontrada em 1996 ficou em torno de quatorze por cento. Aplicado à população economicamente ativa, esse percentual fornece o número de dez milhões e meio de trabalhadores desempregados.

         Essas taxas não chegam a ser consideradas alarmantes pelos economistas em vista das de outros países, mas elas certamente são desesperadoras para os brasileiros que as compõem, ainda mais quando se sabe que, na Grande São Paulo, vinte e quatro e meio por cento dos desempregados haviam perdido seu emprego há mais de um ano, segundo dados do DIEESE. A pesquisa da Toledo & Associados, feita no ano passado, apontava um tempo médio de desemprego entre sete e oito meses, o que vai muito além da cobertura do seguro-desemprego.

         Além disso, há outros aspectos importantes a serem considerados no quadro do desemprego no País. Ele aumentou entre os homens, a uma taxa de quase quarenta e sete por cento, entre 1990 e 1995. Cresceu, também, particularmente entre os indivíduos entre vinte e cinco e trinta e nove anos de idade, entre os que têm experiência anterior de trabalho e entre os chefes de domicílio, ou seja, a chamada força de trabalho primária, segundo o DIEESE. O grave é que estão sendo desempregadas as pessoas na idade mais produtiva e as que têm maiores responsabilidades na manutenção familiar.

         Outra informação importante é que está mudando a oferta de emprego segundo os setores da economia. Enquanto ela encolhe no setor industrial, cresce nos setores de serviços e no comércio. A indústria fornecia vinte e três por cento dos empregos em 1983, segundo o IBGE. Passou para dezoito por cento no ano passado. A participação do setor de serviços cresceu de quarenta e sete para cinqüenta e dois por cento e a do comércio de treze para quinze por cento.

         A destruição de postos de trabalho na indústria se deve, principalmente, às mudanças tecnológicas e organizacionais nas empresas, de natureza defensiva, praticadas em face da concorrência externa, criada pela abertura do mercado nacional a produtos estrangeiros.

         Mas não são apenas os trabalhadores urbanos que sofrem com o quadro atual. No campo também há desemprego, como, por exemplo, em Pernambuco, nas áreas de plantio de cana-de-açúcar, onde cerca de setenta mil postos de trabalho desapareceram entre os anos oitenta e 1995. Em Goiás, enquanto a produção agrícola cresceu trinta e cinco por cento em cinco anos, o desemprego aumentou em quase quarenta por cento.

         Outro aspecto grave do problema está na precarização do emprego e na queda dos rendimentos. Partindo-se de um índice cem, na média de 1985, o total de rendimentos de todos os ocupados chegou a cinqüenta e cinco vírgula dois em dezembro de 1995, uma queda de quarenta e quatro vírgula oito por cento. Nessa mesma década, o valor real dos salários caiu em quase cinqüenta por cento, segundo dados apresentados por Pedro Paulo Martone Branco, da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE), de São Paulo.

         Preocupante é, também, a decadência na qualidade dos empregos nesta última década. Cresceram o trabalho assalariado sem carteira assinada e outras formas de ocupação extremamente precárias, com baixos rendimentos e altíssima rotatividade, decorrentes da baixa qualificação exigida.

         Apenas para dar uma idéia dessa situação, somente quarenta e sete por cento da população ocupada trabalham com carteira assinada, perto de vinte e cinco por cento estão empregados sem contrato de trabalho e quase um quarto trabalham por conta própria, segundo dados do IBGE.

         Cabe indagar, Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, quais são as causas do desemprego no Brasil. Além do pequeno crescimento econômico, unanimidade entre os economistas, para Martone Branco, a política de juros internos altos, a persistência da sobrevalorização cambial e a abertura do mercado estão entre os principais responsáveis pelo aumento do desemprego, tão importantes quanto as novas tecnologias, a globalização e a reestruturação produtiva.

         André Urani, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho, concorda e afirma que o que força a manutenção da taxa de juros em patamares elevados e a sobrevalorização do câmbio é a dificuldade de se realizar um ajuste fiscal mais profundo. Com isso, reduzem-se a lucratividade e, por conseguinte, os empregos.

         Mas ele acrescenta ainda outras causas, além das mencionadas por Martone Branco: a estabilização da moeda e a automação, que reduzem empregos no setor bancário; a privatização, que enxuga o quadro de pessoal das estatais privatizadas, e a reforma administrativa, que está tirando muitos funcionários do setor público.

         Em vez de esperar pelo aumento do crescimento econômico e de novos investimentos, que já estão a caminho, parece urgente, portanto, Sr. Presidente, buscar soluções para esse problema, sem sacrificar, contudo, as bases de sustentação do Plano Real.

         Algumas já estão sendo alvitradas pelos especialistas na matéria. Na opinião de André Urani, por exemplo, a articulação entre seguro-desemprego, o retreinamento e aperfeiçoamento da estrutura de intermediação de mão-de-obra podem constituir uma boa resposta ao desemprego.

         O seguro garante a sobrevivência enquanto o desempregado, cuja especialização não é mais demandada, pode ser retreinado. Terminada essa etapa, o Sistema Nacional de Emprego (SINE), desde que convenientemente aperfeiçoado, pode ajudar na recolocação do trabalhador no mercado de trabalho.

         Urani lembra, também, que no caso do desempregado que deseja se transformar em microempresário -- o que é um caminho natural para muitos deles -- é fundamental, além do seguro-desemprego e do retreinamento, fornecer crédito e assistência técnica.

         Esse é um setor, aliás, em que o Governo pode realizar um outro tipo de intervenção. Descapitalizadas, a pequena e a microempresa enfrentam o fantasma da inadimplência, em razão do aumento das taxas de juros. Cerca de quatrocentas mil empresas -- de sete a oito por cento delas -- devem aos bancos um montante estimado em sete bilhões de reais.

         Responsáveis, segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), por quarenta e dois por cento da massa salarial e por cerca de sessenta por cento dos empregos oferecidos no País, essas empresas não conseguem dinheiro novo que impulsione seus negócios para frente, elemento vital no combate ao desemprego. A renegociação dessas dívidas, apoiada pelo Governo Federal, deve ser, certamente, uma boa saída para o problema.

         Urani sugere, ainda, outras medidas, como, por exemplo, a diminuição da rotatividade no emprego, com maior preparação dos trabalhadores, no intuito de aumentar a eficiência e a produtividade. Propõe, também, a redução e a flexibilização da jornada de trabalho.

         A flexibilização da jornada, em sua opinião, pode vir acompanhada da flexibilização dos encargos, conforme a proposta feita na França, pelo ex-Primeiro-Ministro Michel Rocard. Estes cresceriam junto com a jornada, sem limites. A partir de um certo ponto, acaba se tornando mais vantajoso contratar dois trabalhadores em vez de um só.

         O incentivo à escolaridade, por meio de programas de renda mínima, como os já experimentados no Distrito Federal, Campinas, Ribeirão Preto, Volta Redonda e Petrópolis, pode ser outro mecanismo de retardamento da entrada dos jovens no mercado de trabalho, na opinião de Urani. Ele aponta, ainda, a reforma agrária como outro caminho para a redução do desemprego.

         Mas nem todas as soluções são pacíficas. A redução de impostos e encargos em troca da diminuição da jornada de trabalho, como se começou a discutir na última semana, por exemplo, está causando divergências entre os especialistas em economia do trabalho. O professor Edward Amadeo, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, vê sentido na proposta, mas não acredita que o Governo se disponha a abrir mão de receitas, quando o déficit público é um de seus maiores problemas.

         Edmir Garcez, da Garcez & Associados, argumenta que a perda de receita seria compensada pelo aumento de consumo dos novos assalariados. Já Antonio José Corrêa, do DIEESE, acha a proposta interessante, mas ressalva a necessidade de não se retirar recursos dos fundos sociais e da própria Previdência e de limitar as horas extras, para gerar novos empregos.

         De qualquer maneira, algo começa a ser feito na busca de soluções para esse grave problema social, que avilta e degrada o ser humano. O próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso se manifestou favoravelmente à redução da jornada de trabalho, afirmando que existe disposição de seu Governo em ajudar.

         Esse talvez seja um primeiro passo. A manifestação do Presidente estimula as iniciativas de empresários e trabalhadores à negociação e tanto o próprio Governo como o Congresso Nacional podem e devem dar contribuições ao melhor equacionamento dessa questão. Precisamos estar atentos para esse problema que, eu repito, é grave, antes que ele se amplie e sacrifique ainda mais brasileiros.

         Era o que eu tinha a dizer. Muito obrigado. 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/06/1997 - Página 11209