Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM AO IV CENTENARIO DO FALECIMENTO DO BEATO PADRE JOSE DE ANCHIETA.

Autor
José Ignácio Ferreira (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: José Ignácio Ferreira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AO IV CENTENARIO DO FALECIMENTO DO BEATO PADRE JOSE DE ANCHIETA.
Aparteantes
Elcio Alvares, Gerson Camata, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 11/06/1997 - Página 11158
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, MORTE, VULTO HISTORICO, JOSE DE ANCHIETA, SACERDOTE, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, HISTORIA, BRASIL.

O SR. JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA ((PSDB-ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Padre Aleixo, representante da Comunidade dos Jesuítas, minhas senhoras e meus senhores, o Brasil miscigenado vem se tornando cada vez mais uma sociedade cosmopolita no mundo aberto em que vivemos. Ondas sucessivas de imigrantes, de início, para se estabelecerem em terras distantes, hoje, o intenso movimento de turistas, tudo contribui para os povos se aproximarem e se integrarem. Nem por isso deixam de existir marcas de épocas e gerações no conjunto das culturas e civilizações. O Brasil tem o traço inaugural ibero-lusitano e cristão católico. As demais presenças e influências somam-se à herança inicial.

Estamos agora, Sr. Presidente, comemorando outra etapa fundamental da nossa formação nacional, no quarto centenário de falecimento do jesuíta Padre José de Anchieta.

O grande historiador Capistrano de Abreu, um agnóstico, portanto insuspeito, certa vez concluiu como "instintivamente a simpatia voltava-se para os discípulos e companheiros de Nóbrega, Anchieta, Cadim, Vieira, Andreoni, os educadores da mocidade", os primeiros formadores do Brasil.

Hoje conseguimos vislumbrar com dificuldade, dada a distância do tempo e mudança de circunstâncias, os obstáculos enfrentados por aqueles iniciais missionários evangelizadores, através de selvas, animais ferozes, insetos incômodos, desentendimentos com índios com freqüência, levando a conflitos naqueles choques de culturas e civilizações. O testemunho de quem viu Anchieta no fim da vida bem que pode se aplicar a muitos daqueles missionários: "ia ainda Anchieta caminhando com a sua batina esfarrapada, descalço, corpo muito magro, dobrado ao peso dos anos e enfermidades, apoiado num longo bordão".

Outro agnóstico que conseguiu vencer o preconceito, Sílvio Romero, ilustre pensador e escritor, disse sua opinião final a respeito de Anchieta: "Alma arrebatada e poética, ele não era homem de recuar; encarava o seu ideal com entusiasmo. Um dia entrou para a Companhia de Jesus e foi o mais perfeito modelo de jesuíta no bom sentido da palavra. Um dia, partiu para o Brasil e fez-se um dos nossos, um fator de nossa civilização". Quatrocentos anos depois, prosseguimos nos lembrando, porque ele merece o culto íntimo da nossa lembrança.

José de Anchieta nasceu em 19 de março de 1534, no arquipélago espanhol das Canárias, em Tenerife. Era parente do próprio Santo Inácio de Loyola, através de um avô, basco imigrado àquelas ilhas, primo-irmão do pai de Santo Inácio. Aos 19 anos, Anchieta ingressava na Ordem por esse fundada. Mas na Universidade de Coimbra. Não em uma universidade espanhola. Talvez pelo fato da sua família materna ser em parte de origem cristã nova, isto é, judia convertida ao catolicismo em condições delicadas num período histórico de guerras religiosas. Portanto, a entrada de Anchieta, numa ordem religiosa, em outro país, não no seu, revela profunda convicção, uma autêntica vocação contra todos os preconceitos da época.

Os primeiros sacerdotes no Brasil haviam sido os franciscanos. Um deles, Frei Henrique de Coimbra, capelão da nau de Pedro Álvares Cabral, celebrou a primeira missa em plena praia alcançada pelas caravelas inaugurais da nossa nacionalidade. Contudo, foram jesuítas os primeiros evangelizadores no sentido de iniciais missionários, terras adentro - como o seu primeiro provincial, o Padre Manuel da Nóbrega.

Em 1553, chegava à Bahia uma outra leva deles, chefiada pelo Padre Luís da Grã, um dos sucessores de Nóbrega no provincialato. Trazidos na comitiva de Dom Duarte da Costa, segundo Governador-Geral do Brasil colonial. Logo no ano seguinte, o jovem Anchieta é transferido para Piratininga, uma aldeia de índios nas serras defronte de São Vicente, para participar ativamente da fundação do Colégio de São Paulo, em torno de cujo pátio irá surgir a megalópole que conhecemos. Na construção do colégio, tanto se destacará Anchieta, que veio a ser considerado o seu maior organizador e animador, por conseguinte o maior dos fundadores de São Paulo. Com justo orgulho, a cidade e o Estado de São Paulo comemoram sua glória.

Mas ela não se limitará a São Paulo!

Em 1565, Anchieta participa da fundação do Rio de Janeiro, ao lado do Governador-Geral Mem de Sá. O Governador veio especialmente da Bahia, ao lado do sobrinho Estácio de Sá, depois morto nos combates para expulsão dos franceses da Guanabara, a primeira afirmação da nascente nacionalidade brasileira. Anchieta ali deixa sua marca na co-fundação do Hospital da Misericórdia, do tipo das Santas Casas começadas em Portugal pela Rainha Leonora, esposa de Dom João II.

Outras guerras afligem os missionários: Anchieta oferece-se como refém aos tamoios para mediar a paz. Permanece três meses entre os índios, quando escreve poema em latim em homenagem à Virgem Maria: De Beata Virgina Dei Matre Maria. Poema escrito pela ponta do seu bordão nas areias da praia, decorando-o, verso por verso, para reproduzi-lo em livro quando libertado. Foi um dos primeiros missionários a aprender o tupi, a ponto de escrever A Arte da Gramática da Língua mais usada na Costa do Brasil, a primeira do idioma tupi-guarani, publicada em Coimbra, em 1595. Também escreveu numerosos autos de teatro e poemas em castelhano, língua materna, e português e tupi, línguas de adoção. Daí poder-se considerá-lo o primeiro escritor no Brasil e, por seu amor à nossa terra e ao nosso nascente povo, o primeiro escritor brasileiro, pelo sentimento e pelos temas abordados.

Sílvio Romero protestava, em fins do século passado, referindo-se a Anchieta: "A crítica mesquinha, que tem presidido a organização de nossas crônicas literárias, o tem excluído do seu quadro". Sílvio encarregou-se de liderar a reabilitação também literária de Anchieta: "O mais antigo vulto de nossa história intelectual é o Padre José de Anchieta". "O estilo é singelo e sóbrio, não tem artifícios; o padre fala com simplicidade de um coração honesto". Nas suas obras é "vivo o bafejo popular", vindo "desde a mais tenra infância, pelo sopro popular da poesia anônima, que nas ilhas Canárias e nos Açores, em seu tempo, medrava fortemente".

Sérgio Buarque de Holanda, já em nosso tempo, confirma: "Com Anchieta fica a glória de ter sido o autor da primeira peça escrita no Brasil. E mais, a de ter levado, à cena, personagens que falam a língua geral da costa", o tupi-guarani, em peças de teatro edificantes para a evangelização do gentio.

Sucedem-se até hoje os juízos literários favoráveis a Anchieta, procedentes das fontes mais diversas. Agora, a do atual professor da Universidade de São Paulo, Alfredo Bosi, diz sobre Anchieta: "Homem culto, educado em colégios da Companhia na Coimbra humanística dos meados do Século XVI". E formula mais um juízo moral da maior importância, "pelo zelo religioso e pela sensibilidade humana", "como exemplo de vida espiritual particularmente heróica nas condições adversas em que se exerceu".

Por tantos motivos, José Guilherme Merquior intitulou a sua História da Literatura Brasileira com "De Anchieta a Euclides (da Cunha)", como principais marcos do seu texto. Em meio a tão atribuladas e importantes missões, Anchieta só é ordenado sacerdote em 1577, mas, já, em 1578, se vê nomeado Provincial da Companhia de Jesus no Brasil. Dispensam-no das funções em 1585, quando segue ao Espírito Santo para retomar, até 1597, a atividade missionária direta. De volta às selvas, por rios e montanhas, entre índios, enfermidades tropicais e perigos vários, Anchieta percorre grande parte do território do Espírito Santo a pé, como o fizera em São Paulo, por humildade, dispensando ir a cavalo. Tornou-se conhecido de todos, aos quais procurava indistintamente ajudar, tanto do ponto de vista espiritual quanto do ponto de vista material. Sucessivas obras de benemerência, caridade e amor ao próximo deixava ele ao longo de suas pegadas, a ponto de receber, em vida, a fama de santo, de homem justo, fiel aos mandamentos da Lei de Deus em grau superlativo, grau heróico, consagrado por numerosíssimos testemunhos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a fama de santidade de Anchieta logo fez com que seus restos mortais fossem dispersos pelo Espírito Santo, Bahia e Portugal. Falecido em 9 de junho de 1597, há 400 anos, no ano seguinte já aparece a sua primeira biografia: Breve Relação da Vida e Morte do Padre José de Anchieta, de autoria do companheiro de Ordem religiosa, Quirício Caxa. Em seguida: Vida do Padre José de Anchieta - Taumaturgo do Novo Mundo, em 1672, pelo também jesuíta Simão de Vasconcelos.

A cidade onde morreu denominou-se Benevente, após o nome indígena de Reritiba, e finalmente Anchieta.

O Sr. Gerson Camata - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA - V. Exª tem o aparte.

O Sr. Gerson Camata - Senador José Ignácio, vejo o entusiasmo e o ardor com que V. Exª fala sobre o beato Padre Anchieta, uma das biografias mais bonitas do começo do Brasil. V. Exª cita intelectuais e autores que o têm não só como um santo, mas como um grande empreendedor, escritor e poeta. Mas ele é, acima de tudo, um fundador de cidades, quer dizer, o Anchieta não era aquela santidade contemplativa, aquela santidade quase que absorta em si, voltada para dentro numa atitude refletida do ser humano; ele era um santo explosivo, realizador e que não se continha dentro de si mesmo. A história vai dizendo como ele vai correndo o litoral do Brasil e vai semeando cidades e trazendo à civilização. V. Exª se referiu a primeira gramática da língua tupi-guarani. Quando da visita do Presidente Fernando Henrique a Roma, o Itamaraty detectou que em Lisboa estava a venda uma das primeiras edições dessa gramática. Era o sonho do Presidente da República dar de presente a Sua Santidade exatamente um exemplar dessa gramática, mas a cotação da gramática na Europa estava um pouco alta e o Presidente se decidiu, então, por uma gravura do Século XVI. Essa foi uma maneira muito hábil que o Presidente Fernando Henrique encontrou para falar sobre o assunto, pois, na hora em que ofertasse a gravura, o Papa certamente faria algum comentário, ocasião em que o Presidente poderia sugerir da esperança do Brasil que, com a visita do Papa, que se realizará este ano, os brasileiros pudessem ter a honra do seu primeiro santo - espanhol de nascimento, mas praticamente tornou-se santo no Brasil. Logo depois da visita a Sua Santidade, num almoço oferecido pelo Governo brasileiro, estavam lá vários cardeais do Vaticano, inclusive o Cardeal Gantin, que, surpreendentemente, nos revelou que a causa da santificação está no seu final e que a visita do Papa ao Brasil, que vem para um ato em torno da família, não se coadunava muito com a proclamação de um santo que não teve família, porque foi um sacerdote. Mas achava que, no próximo ano, o Brasil teria a possibilidade de venerar nos altares o seu primeiro santo. Essas comemorações dos 400 anos obrigam-nos, e o discurso de V. Exª vai por esse caminho, a meditar e refletir sobre essa grande figura da história do Brasil. Quatrocentos anos depois está o Senado brasileiro, a Prefeitura de São Paulo, o Governo do Espírito Santo, a Prefeitura de Anchieta - onde o Senador Elcio Alvares esteve ontem - falando na vida, atuação e trabalho que esse homem realizou no começo do Brasil. E, aliás, traz-nos uma meditação também de como teria sido o Brasil se não tivéssemos, no início, esses santos e uma atuação da Companhia de Jesus que, efetivamente, ao longo de todo o litoral, começou o grande trabalho de transformação deste País, muito mais do que puderam os portugueses fazer, politicamente, logo nos primeiros séculos. Cumprimento V. Exª, acho que o Brasil caminha para refletir mais e se mirar no exemplo dessa grande figura da História do Brasil, da Companhia de Jesus e do Cristianismo no mundo.

O SR. JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA - Agradeço o aparte de V. Exª, eminente Senador Gerson Camata, e o incorporo com muita satisfação, pelo seu brilho, pela sua substância, ao discurso que estou fazendo.

O Sr. Elcio Alvares - Permite V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA - Com muito prazer, nobre Senador Elcio Alvares.

O Sr. Elcio Alvares - Senador José Ignácio Ferreira, o seu discurso hoje complementa, com muito brilhantismo, todas as solenidades que foram realizadas no Espírito Santo em homenagem ao grande Padre José de Anchieta. Diria mesmo que o seu pronunciamento, numa sessão solene como esta, é a manifestação de todos àqueles que, de uma forma ou de outra, trouxeram, nesses dias comemorativos do Município de Anchieta, brilho e apoio, inclusive à santificação do Padre José de Anchieta. V. Exª, com a sua capacidade intelectual, com o seu cuidado de sempre, soube apreender muito bem que nós precisávamos exatamente, para coroar toda a festividade em torno de Anchieta, de um pronunciamento deste porte, ainda mais que, prazerosamente, tanto eu quanto o Senador Gerson Camata, damos a V. Exª a responsabilidade, para nós profundamente honrosa, de representar a Bancada do Senado num pronunciamento de tanta importância para nós. Mas gostaria, Senador José Ignácio, de fazer um registro - que neste momento incluo no seu pronunciamento - por entender que foi realmente a manifestação mais bonita de religiosidade que vi no dia de ontem no Município de Anchieta. Nós tivemos uma missa solene celebrada pelo Cardeal primaz do Brasil, Dom Lucas Moreira Neves. Com o povo tomando literalmente todo a Igreja de Anchieta, Dom Lucas teve a oportunidade de realizar, como sempre faz, uma das mais belas orações que já tive oportunidade de ouvir, concluindo, com o entusiasmo da multidão que lá se encontrava, com uma frase que ecoou em nossos corações, dizendo que muito em breve nós poderemos gritar, ali em Anchieta, aclamar em Anchieta o São José do Brasil, o que teve uma repercussão, evidentemente, de muita emoção entre todos nós. A Igreja de Anchieta, hoje, é um ponto de referência que considero fundamental para todos que vão ao Espírito Santo. Ela foi inteiramente reconstituída, teve recuperado o altar principal e surgiram pinturas belíssimas do século XVII. A cela de Anchieta é um lugar onde alguma coisa nos toca profundamente pelo lado espiritual. Àqueles que não conhecem a cela de Anchieta, de lá, na Igreja, divisamos o rio Benevente. É uma visão de quietude, de paz, de fé, e ali está, exatamente, o osso de uma parte da sua perna, fazendo com que milhares e milhares de pessoas que vêem no Padre Anchieta a sua santificação vão ali levar a sua homenagem. Ontem, Senador José Ignácio, eminente Presidente e eminentes colegas, nós tivemos uma manifestação de fé incomum no Município de Anchieta. O Prefeito Moacir Carone Assad esmerou-se e diria mesmo que, das comemorações de Anchieta no Brasil, a mais bonita, a mais expressiva de todas competiu ao Espírito Santo, através do Município de Anchieta. Lamentavelmente, não tivemos a presença do Ministro da Cultura, o que foi uma pena, já que S. Exº teve outra solenidade; ontem, S. Exª era aguardado com muito entusiasmo, principalmente por aqueles artistas que recuperaram a Igreja. Mas Dom Lucas Moreira Neves, como sempre faz - acompanhado de Dom Silvestre Scandian e de todos os bispos do Espírito Santo, à manifestação estiveram presentes vários padres daquele Estado -, transmitiu durante três horas um espetáculo que confesso ficou inesquecível no meu pensamento. Portanto, o Espírito Santo, ontem, coroou o ciclo das suas manifestações religiosas, festivas a esse inolvidável jesuíta, que marcou a nossa Terra, não só pela manifestação intelectual do eminente poeta que foi, o teatrólogo, o catequista admirável. Em todo lugar, era como se fosse um milagre, se respirava a imagem e a presença de José de Anchieta. Por isso, Senador José Ignácio, aquele momento de fé, de religiosidade do povo do Espírito Santo, que foi uma demonstração incomum - e torno a repetir, talvez o espetáculo mais bonito que tivemos nas comemorações alusivas aos 400 anos da morte de Anchieta - realmente, é com muito orgulho que temos a satisfação de dizer que Anchieta, ali, fechou os olhos para a cena terrena, mas abriu os seus olhos para a face de Deus, para se converter, inesquecivelmente, numa das figuras mais respeitadas, admiradas e celebradas no nosso Estado. Portanto, para encerrar, quero dizer que o seu pronunciamento representa o coroamento de toda essa manifestação, a alegria do povo, a satisfação imensa dos religiosos. A manifestação de fé encontra agora, no seu pronunciamento - e de uma maneira também que incorporo como se fosse parte da solenidade do nosso Estado, esta sessão do Senado -, ela se incrusta exatamente naquele espírito que ontem dominou o Município de Anchieta. Deixo meus cumprimentos ao Prefeito Moacir Carone Assad, que foi inexcedível, foi dedicadíssimo, e deixo meus cumprimentos também a todos aqueles que, de uma forma ou de outra, colaboraram para o êxito das celebrações que tiveram ontem o seu desfecho, principalmente na Igreja Católica do Espírito Santo, que tem à frente essa admirável pessoa que é Dom Silvestre Scandian, e que ontem teve a suprema honra de receber na terra de Anchieta a presença do Cardeal Primaz do Brasil, Dom Lucas Moreira Neves. Portanto, a V. Exª meus cumprimentos, na certeza de que esse discurso fará parte de todos aqueles documentos que cercaram, com muito brilhantismo, a comemoração dos 400 anos da morte de José de Anchieta.

O SR. JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA - Muito obrigado a V. Exª, eminente Senador Elcio Alvares. Saiba V. Exª que faço este pronunciamento traduzindo o pensamento da Bancada do Espírito Santo no Senado Federal.

Agradeço a V. Exª os esclarecimentos tão ricos de informações acerca das comemorações que ontem tiveram o seu desfecho no Estado do Espírito Santo, com tão importantes figuras, como o Prefeito de Anchieta, Moacir Carone Assad, o Arcebispo de Vitória, Dom Silvestre Scandian e o Cardial Primaz do Brasil, Dom Lucas Moreira Neves.

A cidade, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, onde morreu denominou-se Benevente, lá no meu Estado, após o nome indígena de Reritiba, e, finalmente, hoje, é a cidade de Anchieta, um belo lugar, banhado pelo Atlântico, no sudeste do meu Estado do Espírito Santo, povoado por gente altiva, trabalhadora, orgulhosa por haver perenizado - com o próprio nome - a memória do maior dos seus vultos históricos.

Seu nome está também no atual colégio jesuíta de Porto Alegre. Antes, no de Nova Friburgo, e em ruas, praças, avenidas do Brasil inteiro, espontaneamente, por decisões puramente locais, o que comprova o seu grande prestígio popular.

O percurso da canonização foi iniciado em 1617. Declarado Venerável em 1736, Beato em 1980, só faltando a final etapa da proclamação como santo.

O Brasil precisa mobilizar-se para essa consagração, que se projeta em Portugal e na Espanha. Não existe nenhuma canonização de brasileiro nato ou adotivo. Mais um sinal de desinteresse pela nossa projeção internacional. Da mesma forma que nunca foi concedido o Prêmio Nobel a uma escritor brasileiro. Portugal, porém, tem vários santos e um Prêmio Nobel de Medicina, o de 1949, a Egas Moniz, por cirurgia cerebral então pioneira. O Chile tem dois Prêmios Nobel de Literatura: Gabriela Mistral e Pablo Neruda. A Colômbia, a Guatemala e o México, um cada um: a Gabriel Garcia Marquez, Miguel Ângel Astúrias e Octávio Paz. Quando nós, brasileiros, enfim perceberemos a importância da repercussão destas consagrações? Vários escritores brasileiros já faleceram merecendo, sem dúvida, o Prêmio Nobel, sem nunca o terem recebido.

No quarto centenário de nascimento de Anchieta, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro do Rio de Janeiro comemorou-o em conferência de Afonso Celso, Pedro Calmon, Jorge de Lima e do jesuíta Leonel Franca, entre outros. No terceiro centenário de falecimento, a iniciativa coube a São Paulo, através de Eduardo Prado, com a colaboração de Joaquim Nabuco e mais alguns grandes representantes da cultura brasileira.

Neste ano, o Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus em Belo Horizonte comemorará o seu ilustre filho com um simpósio, também evocador de outro grande jesuíta, o luso-brasileiro Antônio Vieira, que ora tem o tricentenário de falecimento. Com uma série de conferências, para as quais estão convidados professores universitários de Minas Gerais, Brasília, Goiânia, Recife e mesmo do exterior, de Portugal e da Argentina.

O Sr. Pedro Simon - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA - V. Exª tem o aparte, eminente Senador Pedro Simon, com muita honra.

O Sr. Pedro Simon - Em primeiro lugar, quero dizer da importância do pronunciamento de V. Exª e da importância deste momento do Senado Federal, que presta as suas homenagens aos 400 anos do grande Padre Anchieta. Quando estudei História do Brasil -digo isto a V. Exª de coração-, desde o Primário, uma das primeiras figuras que aprendemos a amar, a respeitar, e pela qual aprendemos a ter carinho é o Padre Anchieta. O Padre Nóbrega era o chefe, o que mandava, o comandante; mas o homem que tinha a beleza, que escrevia poesias na areia, que tinha grandeza, que era amado e amava, este era o Padre Anchieta. Não há dúvida alguma de que o culto que prestamos a Anchieta é espontâneo. Como diz muito bem V. Exª, quatrocentos anos depois da sua morte, não há associação pró-culto de Anchieta, não há absolutamente nada; todas as crianças que passam por uma escola e que estudam História aprendem a amar Anchieta. Por isso, nada mais justo e compreensível que o Brasil inteiro, e, dentro do Brasil, o Senado, e, no Senado, pelo brilho e respeitabilidade, V. Exª, neste momento, preste as homenagens a Anchieta. Quero destacar o ponto de seu pronunciamento em que V. Exª diz que não consegue entender como um país como o Brasil, com a projeção que atingiu, não tenha ainda figuras com destaque e respeito internacional, seja pelo Vaticano, seja pelo Prêmio Nobel. Deixo o Prêmio Nobel para uma outra discussão e fico com o Vaticano. Não estou querendo dizer - temos que ter muito cuidado - que o Brasil está chateado, porque não tem um santo e acha que deveria ter. Com toda a sinceridade, primeiro, o Brasil é a maior nação católica do mundo; segundo, o catolicismo tem identidade com o Brasil desde o seu descobrimento; terceiro, são muitas as figuras que conhecemos que foram praticamente santas em vida. De repente, verificamos que há casos de santificação na África, na Ásia, na América Latina, na América do Sul, mas, em relação ao Brasil, há eu diria quase uma espécie de desconsideração. Por que, por exemplo, há tantos cardeais e bispos nos Estados Unidos, um país, é claro, economicamente muito mais rico, mas com um número de católicos muito menor do que o nosso País? Qual é o motivo disso? Será que a Igreja age em função do poder econômico? O Presidente Fernando Henrique disse ao Papa que olhasse para a História do Brasil. Se o Brasil não tem santos, não tem e pronto. Mas dói ouvir coisas do tipo: "É uma pena dizer, mas vocês só têm caras que jogam futebol. Santidade não existe lá." Seria plenamente justificável que o Vaticano fizesse uma revisão da análise dessas questões. E não há melhor dia nem melhor oportunidade do que esta, em que V. Exª presta, da tribuna, uma homenagem a um homem como o Padre Anchieta, cuja bondade, ternura e grandeza de espírito são universais. Não é o caso do Padre Nóbrega, que já tinha mais malícia - os jesuítas têm grandes qualidades, mas deixam também grandes interrogações. Não é por nada que se diz que o chefe nacional dos jesuítas no mundo é o Papa Negro, que tem um poder paralelo ao do Papa. Os jesuítas travaram grandes debates na Península Ibérica, de onde foram expulsos, e têm também coisas positivas. Nobre Senador, eu o aconselharia a, um dia, fazer uma visita e tomar conhecimento do que foram as províncias dos Sete Povos das Missões onde os jesuítas, com os indígenas guaranis, fizeram uma civilização que Portugal e Espanha se uniram para destruir, para queimar, para tentar derrubar e não deixar pedra sobre pedra, porque era uma civilização que, à época - conta-se - não existia em nenhum outro lugar do mundo com a mesma convivência social. Naquelas missões, as pessoas viviam num regime mais ou menos idêntico ao dos primeiros cristãos, em que todos trabalhavam, todos produziam, e os jesuítas ensinavam a plantar e a colher, ensinavam a arte de fazer estátuas, de fazer artesanato. E todos tinham direito a um teto. Tudo o que produziam guardavam num determinado local e ali recebiam proporcionalmente às suas necessidades. Naquela época havia um solidarismo cristão, digamos assim, e até hoje não se encontra algo de tal similitude no mundo. Tanto que aquilo assustou portugueses e espanhóis, que pararam e se uniram para destruir o que estava sendo feito. Ali tinha muito da história de Anchieta, tinha muito da história do que eles queriam, do que eles imaginavam e sonhavam. Com muita modéstia, trago, de novo, o meu endosso à referência feita pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso ao Papa. E por que não um brasileiro? E por que não um que nem brasileiro é, mas é brasileiro por adoção? O Padre Anchieta ou a Madre Paulina? Afinal, são tantos os nomes que estão aí que penso que merecíamos isso, com toda a sinceridade. Ou então que digam, com todas as letras: "Estamos procurando aí, mas vocês não têm ninguém. Os Estados Unidos têm, outros países têm, mas o Brasil não tem ninguém! O que me parece muito difícil. Por isso, felicito V. Exª, que saiu do tom da exaltação de Anchieta e entrou num outro tom, que também é muito importante. Não dá para entender. Concordo também com V. Exª com relação ao Prêmio Nobel. Mas é outra questão, que se analisa numa outra situação. Mas, aqui, não. Podemos não ser o País de maior cultura, nem o que tem os maiores físicos, os maiores químicos. Mas a maior Nação cristã católica do mundo está no Brasil. Parece-me que V. Exª está absolutamente correto quando faz a pergunta. Meus cumprimentos a V. Exª.

O SR. JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA - Muito obrigado a V. Exª, Senador Pedro Simon, que, como sempre, se manifesta com muita densidade. Incorporo o seu aparte, muito satisfeito, porque ele enriquece o pronunciamento que estamos fazendo desta tribuna.

Prossigo, Sr. Presidente:

O evento será encerrado com conferência por Dom Luciano Mendes de Almeida, Arcebispo de Mariana e ex-Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a CNBB.

O Estado do Espírito Santo - em colaboração com o Estado de São Paulo, Prefeitura do Município capixaba de Anchieta, Funarte (Fundação Nacional de Arte), Universidade Federal do Espírito Santo e Universidade de São Paulo - ora organiza a exposição itinerante "Nos Passos de Anchieta", mais a apresentação do auto anchietano intitulado "Na Vila de Vitória", peça com referência ao contexto político de fins do século XVI, quando do falecimento do donatário da capitania espírito-santense, Vasco Fernandes Coutinho. Sua esposa, ao assumir o poder, provocou debates sobre sua legitimidade, pois eram tempos da União Ibérica, união das Coroas de Portugal e Espanha. Houve, então, discussões entre os adeptos dos dois lados, o que demonstra também a conciliadora vocação política de Anchieta em tão difícil tema da época.

A peça será levada ao ar livre na Praça da Matriz da cidade de Anchieta, no meu Estado do Espírito Santo. Em seguida, ocorrerá o Simpósio Anchieta em parceria com o Departamento de História da Universidade Federal do Espírito Santo, tendo como tema central "O Homem e o Mito Anchieta e a Experiência dos Jesuítas". Para o evento, virão três professores da Universidade de La Laguna, Tenerife, pátria de Anchieta, mais outros da Universidade de Coimbra, Universidade de São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Universidade Federal da Bahia e Universidade Federal do Espírito Santo.

A exposição "Nos Passos de Anchieta" exibe quadros de artistas capixabas do alto nível de Atílio Colnago, Celso Adolfo, Elídio Malaquias, Fátima Nader, Hilal Sami, Jean Jeveaux, Júlio Tigre, Lando, Rômulo Cardozo, Rosana Paste, Rosindo Torres e Tânia Calazans, ao lado de nordestinos, mineiros, cariocas e paulistas. Caberá ao Professor José Antônio Carvalho, do Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo, falar sobre a arquitetura jesuíta espírito-santense.

Faço um destaque especial também, Sr. Presidente, para a solenidade promovida pela Academia Espírito-Santense de Letras, presidida pelo ilustre Desembargador Rômulo Salles de Sá, da qual tenho a honra de ser membro, oportunidade em que a acadêmica Anna Bernardes da Silveira pronunciou uma importante palestra sobre o extraordinário vulto, citando os sacrifícios a ele impostos para levar a mensagem de Deus aos índios de Reritiba.

Anteriormente, o Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, em parceria com a Academia Espírito-Santense de Letras, havia realizado, sobre o mesmo tema, um concorridíssimo ciclo de palestras no meu Estado, o Espírito Santo.

Outros eventos estão a cargo da Assembléia Legislativa estadual e das Prefeitura de Vitória e Anchieta em especial; além, naturalmente, das comemorações em São Paulo e no Rio de Janeiro com fundações tão associadas à memória do grande beato que, um dia, talvez muito próximo, haverá de ser canonizado como o primeiro santo do Brasil.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, o Congresso Nacional, através do Senado Federal, não poderia omitir-se dessas comemorações. O Poder Legislativo sempre esteve presente nos grandes acontecimentos do País.

A representação do Espírito Santo, os Senadores Elcio Alvares e Gerson Camata, pela minha palavra, também marca a recordação de tanta importância nos Anais desta Casa. Sinto-me feliz, com um santo orgulho, por participar da perpetuação da memória do maior dos espírito-santenses, porque o primeiro na história e na recordação do seu povo, o nosso povo, parte da fundamental consciência da nacionalidade brasileira.

Os séculos continuarão incluindo Anchieta entre os heróis brasileiros da paz, do amor, da caridade, da solidariedade humana. E por tudo isso é que, com razão, se pode continuar proclamando José de Anchieta o Apóstolo do Brasil.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/06/1997 - Página 11158