Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM A SITUAÇÃO DA AGRICULTURA BRASILEIRA, PARTICULARMENTE COM A DO ESTADO DE MATO GROSSO. DIFICULDADES DOS AGRICULTORES DAQUELE ESTADO EM HONRAR OS COMPROMISSOS BANCARIOS. DESAFIOS DO SETOR PECUARIO DO ESTADO DE MATO GROSSO.

Autor
Carlos Bezerra (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MT)
Nome completo: Carlos Gomes Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • PREOCUPAÇÃO COM A SITUAÇÃO DA AGRICULTURA BRASILEIRA, PARTICULARMENTE COM A DO ESTADO DE MATO GROSSO. DIFICULDADES DOS AGRICULTORES DAQUELE ESTADO EM HONRAR OS COMPROMISSOS BANCARIOS. DESAFIOS DO SETOR PECUARIO DO ESTADO DE MATO GROSSO.
Publicação
Publicação no DSF de 13/06/1997 - Página 11400
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • ANALISE, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, AGROPECUARIA, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), AUMENTO, PRODUTIVIDADE, EXPORTAÇÃO, SOJA, REGISTRO, PROBLEMA, AGRICULTOR, DIFICULDADE, CUSTEIO, SAFRA.
  • CRITICA, PROCESSO, SEGURO AGRARIO, RENEGOCIAÇÃO, DIVIDA AGRARIA, FALTA, POLITICA AGRICOLA, GOVERNO, OBSTACULO, ACESSO, CREDITO AGRICOLA, AUMENTO, UTILIZAÇÃO, TECNOLOGIA, ESPECIFICAÇÃO, INCENTIVO, CULTIVO, ALGODÃO, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), MELHORIA, PECUARIA, GADO LEITEIRO, GADO DE CORTE, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, GARANTIA, PREÇO MINIMO.

O SR. CARLOS BEZERRA (PMDB-MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não é a primeira vez que divido com o Plenário as minhas preocupações com a situação da agricultura brasileira, particularmente a de Mato Grosso. Pelo visto, também não será a última, pois as autoridades não têm demonstrado o interesse necessário para resolver a questão. Essa atitude do Governo, em vez de nos fazer desanimar, mostra o quanto é necessário evidenciar as contradições da política agrícola do Governo Federal, se é que ele tem uma.

Sr. Presidente, o Mato Grosso tem tido um dos melhores desempenhos agrícolas do País nos últimos anos. Sendo um Estado cuja economia está centrada na agropecuária, tem-se esforçado para obter os melhores resultados possíveis, e muito se tem alcançado. Cidades têm nascido do nada, e algumas delas ainda nem estão no mapa, como Sapezal e Nova Mutum. Milhares de hectares de soja têm ocupado a cada ano o cerrado; tecnologias têm sido produzidas com o apoio das agricultores locais, como foi o caso da soja de cerrado, desenvolvida em parceria da Embrapa com plantadores locais. Desse esforço, tivemos como resultado o crescimento acentuado da produtividade, pois, se há 20 anos obtínhamos 22 sacas de soja por hectare contra 29 da média nacional, hoje produzimos 42, ao passo que a média nacional não passa de 39.

Mato Grosso tem contribuído significativamente para o superávit que o setor agrícola tem conseguido na balança comercial, principalmente com a soja, o principal item da pauta de exportações brasileiras. Para avaliarmos a contribuição de meu Estado, em 1997, o Brasil deve exportar 8 milhões de toneladas de grãos e mais de 9 milhões de toneladas de farelo de soja. Com certeza, os 7 milhões e meio de toneladas desse produto colhidas em Mato Grosso fazem diferença na balança. No entanto, os produtores mato-grossenses não têm colhido os frutos que deveriam do seu esforço. Por exemplo, não se beneficiaram com a alta do preço da soja, cuja saca alcançou entre R$13,00 e R$14,00 reais, porque haviam negociado a saca por R$8,00 antes da safra, para poderem comprar adubo, fertilizantes e defensivos.

Os plantadores tiveram a esperança de que os problemas das dívidas fossem resolvidas com a securitização. É bom que se diga que a securitização é mais uma farsa da política econômica brasileira. O patamar é tão alto que os agricultores não vão ter condições de honrar seus compromissos. Mais um ano, dois anos, e o Governo terá de renegociar novamente essas dívidas da securitização, cuja responsabilidade, aliás, é do Governo Federal, único responsável pela calamidade que atingiu o setor agrícola do País, com os planos do Governo Collor e do atual, que atingiram profundamente a economia do setor agrícola do País.

Os plantadores tiveram a esperança de que os problemas das dívidas fossem resolvidos com a securitização. Mas isso não aconteceu, e o crédito continua difícil e escasso. Em primeiro lugar, deve-se considerar que o limite de securitização das dívidas, de R$200 mil, é muito baixo para as proporções das propriedades no Estado, onde as consideradas pequenas ocupam, em média, mil hectares.

Eis aqui outro absurdo que este País vem cometendo há 400 anos. Este País é um continente. Toma-se uma medida única para todo o Brasil, que vale do Rio Grande do Sul ao Acre, quando as realidades são diferentes.

No meu Estado, oitenta por cento dos produtores foram atingidos pela securitização. No entanto, eles representam apenas 20% da produção, e os 20% não atingidos representam 80% da produção agrícola do Estado.

Em segundo lugar, os agricultores comprometeram suas garantias com a securitização e não têm novas para dar aos agentes financeiros. Conclusão: continuam sem acesso ao crédito.

Fazer o crédito chegar aos produtores é fundamental. E aqui cabe analisarmos as possibilidades de custeio da safra 1997/1998. As fontes de custeio são os recursos das exigibilidades bancárias e aqueles captados no mercado externo. O volume dessas duas fontes é razoável e seria suficiente para financiar boa parte da safra, se não fossem os problemas que tais fontes apresentam.

Esperava-se maior oferta de crédito agrícola com dinheiro das exigibilidades com o advento da CPMF, que fez aumentar de R$14 bilhões para R$22 bilhões os depósitos à vista. No entanto, os 25% proporcionais não têm sido ofertados pelas instituições financeiras. Além disso, o custo desse dinheiro ainda é muito alto, pois as taxas de juros prefixadas têm girado em torno de 12% anuais para um custo de administração que não chega a 3% no mesmo período. Já os recursos externos têm entrado com alguma generosidade: de cerca de US$1 bilhão em 1995, aumentaram para quase US$5 bilhões em 1996, e devem continuar no mesmo patamar este ano. Ocorre que seu custo também é muito caro: cerca de 20% ao ano, incluída a variação cambial, numa economia que tem inflação de menos de 10%, e com tendência a baixar.

Para solucionar essa questão do crédito seriam necessárias várias ações concertadas do Governo Federal, que apontassem uma vontade política de mudar o atual quadro. Em primeiro lugar, é preciso fazer chegar dinheiro novo aos agricultores. Isso poderia ser feito se os bancos aceitassem a penhora da safra como garantia. Em seguida, é necessário baixar o custo do financiamento, tanto dos recursos oriundos das exigibilidades quanto daqueles vindos do exterior. As taxas pagas pelo dinheiro das exigibilidades bancárias poderiam ser de 3% para os miniprodutores e de até 6% para médios e grandes. Para completar, deve-se permitir que cooperativas e similares captem recursos externos para baratear o custo do agricultor.

Embora o crédito seja um insumo dos mais importantes, o fator tecnologia é fundamental para uma agricultura que precisa de ganhos de escala para se tornar rentável. Como sabem V. Exªs, Srªs e Srs. Senadores, por estar longe dos centros consumidores e dos portos, Mato Grosso precisa de uma agricultura altamente rentável. Até o momento, boa parte do financiamento foi feita às expensas dos próprios agricultores pioneiros, que já trouxeram de seus Estados de origem as técnicas de plantio, fator que permitiu a rápida expansão da soja no cerrado. Mas é hora de o Governo Federal atuar com mais afinco, sob pena de os agricultores perderem as condições de plantar com rentabilidade.

Observo, com satisfação, que uma medida defendida por mim há muito tempo acaba de ser tomada pelo Governo Estadual: trata-se de um audacioso programa de incentivo ao plantio do algodão, lançado recentemente, estabelecendo como meta transformar o Estado no maior produtor nacional, substituindo a necessidade de o País importar o produto. Várias indústrias têxteis já manifestaram interesse em se instalar em Mato Grosso, que, no entanto, só será concretizado se a plantação der os resultados esperados.

Rondonópolis, no sul do Estado, é hoje o maior produtor de algodão do cerrado. Essa região será o grande pólo têxtil do País e em curto espaço de tempo. A agricultura mecanizada do algodão no cerrado é uma realidade, e a produtividade é uma das maiores do mundo. Portanto, essa lavoura está totalmente inviabilizada. Basta um apoio mínimo do Governo Federal para que o Brasil resolva definitivamente a questão da indústria têxtil e da produção do algodão com grande rentabilidade no País.

Vê-se que algumas medidas, como a redução do ICMS, já foram tomadas para incentivar a vinda de produtores de outros Estados. Mas nenhum agricultor correrá riscos se não tiver a garantia de financiamento para a produção, pois somente com o uso maciço da mecanização será possível obter rentabilidade.

Veja-se o exemplo dos pequenos produtores que estão deixando de produzir, porque a mão-de-obra está cada vez mais cara e mais rara. A tecnologia já está sendo fornecida pela Embrapa, que desenvolveu uma nova semente, mas as metas estabelecidas de se transformar o Mato Grosso no maior produtor de algodão do País não serão alcançadas, se não houver oferta de crédito.

Outro projeto correto é o de aumentar o uso do calcário nas lavouras, que ainda é muito baixo em relação aos fertilizantes. Mas, da mesma forma, é necessário dar continuidade ao projeto, assegurando-se de fato, os recursos comprometidos.

No setor pecuário, o Estado de Mato Grosso tem dois grandes desafios: aumentar a produtividade de sua bacia leiteira e recuperar a rentabilidade do gado de corte. Para um rebanho de 11 milhões de cabeças de gado, são produzidos cerca de 120 litros de leite por habitante, o que é pouco, segundo os padrões da FAO. Já o boi gordo sofreu nos últimos anos uma baixa muito grande no preço, ao mesmo tempo em que aumentaram os custos. Em 1994, era possível vender uma arroba a mais de R$38,00; em novembro de 1995, chegou a pouco mais de R$22,00 e, em maio deste ano, a mesma quantidade não chegava a R$25,00. Como agravante, no mesmo período, aumentaram os custos de fertilizantes, mineralização e defensivos em cerca de 40%.

Enquanto aqui, Srs. Senadores, um rolo de arame liso custa cinqüenta e poucos reais, nos Estados Unidos custa oito dólares - só para ter um dado de comparação; enquanto um vermífugo de primeira linha custa de vinte e cinco a trinta dólares meio litro, aqui custa cento e poucos, centro e trinta reais, cento e vinte e cinco reais, um custo elevadíssimo.

Também a reposição, que antes do real era na proporção de cinco bezerros para um boi gordo, baixou para três por um. Eis o que aconteceu: com a estabilização da economia, diminuiu a rentabilidade dos pecuaristas. Agora, eles têm como opções aumentar a produtividade ou se afastarem do mercado. Para aumentar a produtividade precisam de novas tecnologias de manejo de pasto, melhoria genética e nutrição de seus rebanhos. A pergunta é: quais produtores poderão fazer isso às suas próprias expensas?

Para reduzir os custos de produção é preciso baixar os preços dos insumos, pois o Brasil paga 30% a mais pelos fungicidas e inseticidas, e os herbicidas chegam a custar 150% a mais que na Argentina. O ideal é que sejam reduzidos os impostos dos fertilizantes de 6% para 2%, independentemente de cotas; quanto aos defensivos, enquanto não se reduzem as tarifas e se revisam os critérios de registro, que se libere a compra de produtos comercializados em outros países do Mercosul.

Dentro do fator tecnologia, dada a intensificação no uso de defensivos agrícolas, novas medidas precisam ser tomadas para se evitar a contaminação de pessoas e do meio ambiente pela incorreta disposição das embalagens vazias. Mais de quatro milhões de embalagens vazias têm sido espalhadas pelas lavouras por falta de orientação técnica. Há uma legislação estadual responsabilizando os fabricantes pelo recolhimento, mas que não vem sendo cumprida, o que reclama uma legislação federal mais coercitiva, uma vez que somente a União poderá ter força suficiente perante os grandes fabricantes e distribuidores. Enquanto isso não ocorrer, 300 mil trabalhadores do campo continuarão sendo envenenados a cada ano.

Além de assegurar crédito novo, barato e sem as limitações atuais e de repassar tecnologias, o Governo precisa recuperar a credibilidade da política de preços mínimos, estabelecendo valores compatíveis com o mercado atual, ponderando os custos de produção e a paridade com as importações. E o mais importante: honrar os compromissos assumidos quando for a hora da colheita.

Todas essas contradições apontadas na produção agrícola poderiam ser minimizadas ou mesmo evitadas se houvesse uma política agrícola consistente no País, o que não temos há muitos anos. Para restabelecê-la, é preciso que o Conselho Nacional de Política Agrícola, no qual os representantes dos produtores têm assento, retome suas prerrogativas de orientar o plano de safra, propor reajustamentos e opinar sobre a pauta de produtos e garantia de preços mínimos.

Como vêem, Srªs e Srs. Senadores, Mato Grosso tem possibilidades de incrementar em muito sua produção e colaborar com o desenvolvimento do País, necessitando apenas que, em nível federal, sejam tomadas as corretas medidas, o que espero se faça com a máxima urgência.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/06/1997 - Página 11400