Discurso no Senado Federal

CRITICANDO A EXTINÇÃO DO INSTITUTO NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO E NUTRICÃO (INAN), LIGADO AO MINISTERIO DA SAUDE, QUE TRATA DA POLITICA DE NUTRIÇÃO E ALIMENTAÇÃO DO PAIS. ENFATIZANDO A IMPORTANCIA DA CRIAÇÃO DA SECRETARIA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO E E NUTRIÇÃO.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE. REFORMA ADMINISTRATIVA.:
  • CRITICANDO A EXTINÇÃO DO INSTITUTO NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO E NUTRICÃO (INAN), LIGADO AO MINISTERIO DA SAUDE, QUE TRATA DA POLITICA DE NUTRIÇÃO E ALIMENTAÇÃO DO PAIS. ENFATIZANDO A IMPORTANCIA DA CRIAÇÃO DA SECRETARIA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO E E NUTRIÇÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 13/06/1997 - Página 11403
Assunto
Outros > SAUDE. REFORMA ADMINISTRATIVA.
Indexação
  • ANALISE, PROBLEMA, DESNUTRIÇÃO, BRASIL, CRITICA, GOVERNO, AUSENCIA, RECURSOS, EXTINÇÃO, INSTITUTO NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO (INAN).
  • NECESSIDADE, POLITICA NACIONAL, SEGURANÇA, ALIMENTAÇÃO, SUGESTÃO, CRIAÇÃO, SECRETARIA, VINCULAÇÃO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, COLABORAÇÃO, Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA), APROVEITAMENTO, EXPERIENCIA, SERVIDOR, INSTITUTO NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO (INAN).
  • CRITICA, REFORMA ADMINISTRATIVA, GOVERNO, DEFESA, VALORIZAÇÃO, FUNCIONARIO PUBLICO.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao mesmo tempo em que cresce no mundo a capacidade técnica e a produtividade agrícola, paradoxalmente aumenta o pesadelo da fome e da subnutrição, sobretudo nos países em desenvolvimento. A FAO estima que, atualmente, 800 milhões de pessoas passam fome em todo o mundo.

A partir de 1990, as Nações Unidas propuseram um Plano de Metas na área de alimentação e nutrição para a década, e os governos brasileiros ratificaram a adesão ao Plano de Metas Internacionais, segundo o qual ter-se-ia que reduzir em 50% a prevalência de desnutrição moderada e grave em crianças; atingir o controle do bócio endêmico e da deficiência da vitamina A; diminuir em 30% a ocorrência de anemia em mulheres no período reprodutivo; baixar para menos de 10% a incidência de baixo peso ao nascer (BPN menor que 2.500 gramas); promover medidas para que todas as mães possam, em princípio, amamentar seus filhos nos seis primeiros meses de vida; assegurar a vigilância do crescimento e desenvolvimento das crianças; possibilitar que todas as famílias tenham acesso aos alimentos básicos (segurança alimentar).

O alcance dessas metas, ratificadas pela Conferência Internacional de Nutrição, realização em Roma no ano passado, é plenamente possível.

Um estudo realizado pelo Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (INAN) sobre os problemas e intervenções na área de alimentação e nutrição aponta que:

* o bócio ainda é a principal causa de idiotia evitável no mundo, podendo ser prevenido a um custo de 0,25 centavos por pessoa, ao ano.

* a deficiência da vitamina A, causadora da cegueira, é responsável pelo agravamento dos casos de diarréia, pode ser controlada com gastos abaixo de 20 centavos por beneficiário.

* as anemias, em mulheres no período reprodutivo, podem ser tratadas ou prevenidas, satisfatoriamente, a um custo estimado em 30 centavos ao ano.

* o aleitamento materno, nos dois primeiros meses de vida, pode reduzir em mais de vinte vezes o risco de morte por diarréia, infecções respiratórias agudas e outras infecções.

* a simples oferta ou acesso à água de boa qualidade e a destinação adequada dos dejetos pode reduzir em 30% o risco de desnutrição e morte por diarréia.

Por que faço esse levantamento de dados? Porque os dados apontados aqui não justificam que não haja recursos para esse atendimento. Os acordos assinados pelo Governo brasileiro há muito não têm sido cumpridos.

Estamos retratando essa situação num momento em que o Governo realiza a reforma administrativa e extingue órgãos como o INAN, instituto que trata exatamente da política de nutrição e alimentação em nosso País.

A despeito dessa realidade, no ano escolhido pelo Governo Federal como Ano da Saúde no Brasil, o próprio Governo acaba de extinguir o organismo responsável pela política de nutrição e alimentação, o INAN - Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição -, ligado ao Ministério da Saúde.

Contraditoriamente, o combate à fome foi incorporado pelo Governo Fernando Henrique Cardoso como prioridade nacional. Manifestação concreta dessa prioridade foi a instituição do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), e a criação do "Plano de Combate à Fome e à Miséria", o qual explicita, como objetivos básicos, os de:

      - enfrentar as causas que levam mais de uma quinta parte da população brasileira a sobreviver em condições indignas de fome e de miséria; e

      - deflagrar um movimento nacional que possibilite a imediata adoção de providências indispensáveis para a erradicação da fome e da miséria.

O Plano de Combate à Fome e à Miséria assenta-se nos princípios da solidariedade, da parceria e descentralização, refletindo a preocupação em políticas necessárias de retomada do crescimento, do combate à redução do poder aquisitivo dos salários, e propõe o desenvolvimento de ações por áreas ministeriais, numa demonstração tácita do empenho governamental com a magnitude da questão.

No entanto, quando o Governo Federal muda os rumos, temos o dever de chamar a atenção de Sua Excelência para a distribuição de alimentos aos mais necessitados, medida que aliviaria o sofrimento de um grande número de brasileiros.

Sabemos que a erradicação legítima, definitiva e completa da fome e da miséria depende da superação das inferioridades sociais e dos contrastes econômicos. Mesmo assim, o Governo não pode abrir mão de algumas medidas que até consideramos paliativas.

O momento atual é rico em iniciativas, tanto da sociedade civil quanto do Governo, no sentido da divulgação pelos meios de comunicação de massa, das denúncias e da pressão da opinião pública contra a fome, contra a miséria e pela vida. No entanto, causa-me preocupação o encaminhamento dado às questões da reforma administrativa que está ocorrendo no Ministério da Saúde, com a recente extinção do Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (INAN), autarquia cujos limites de intervenção são restritivos diante da amplitude da questão.

Gostaria aqui de colocar que as questões alimentares e nutricionais de um país são, obviamente, questões complexas que exigem efetivas e profundas mudanças estruturais na organização política, econômica e social do País, implicando, inevitavelmente, a prioridade do compromisso com a maioria, em detrimento do favorecimento das elites.

A questão da segurança alimentar é o maior dos problemas brasileiros atuais e não pode ser confundido como sinônimo de socorro alimentar, mas interpretado como acesso assegurado de cada família à quantidade necessária de alimentos para garantir os requerimentos nutricionais de todos os seus integrantes e assegurar-lhes vida saudável. Portanto, conclui-se que há necessidade de um enfoque global sobre a questão da segurança alimentar, garantindo-se uma política própria para o setor. Nesta, devem estar contempladas: a contenção da inflação, a retomada do crescimento, a melhoria das condições sanitárias, as medidas de correção do déficit público, a redefinição do papel do Estado, a educação, a redistribuição da renda, a interiorização do desenvolvimento e o descongestionamento das áreas urbanas, entre outros tantos que eu poderia aqui elencar.

Dessa forma, vemos essa questão como irreversível. A extinção do Instituto e a reforma administrativa do Ministério da Saúde, no que diz respeito ao INAN, parece-me que é irreversível, mas nós, com a preocupação que temos com essa situação, temos que sugerir ao Presidente Fernando Henrique Cardoso a criação de uma Secretaria Nacional de Alimentação e Nutrição que deve subordinar-se à Presidência da República, configurando uma relação com os Ministérios envolvidos na problemática e com o Conselho Nacional de Segurança Alimentar - Consea.

Entre as competências dessa Secretaria Nacional, destacamos, prioritariamente, o enfrentamento da pauta número um da estratégia nacional, que é a formulação da Política Nacional de Alimentação e Nutrição, que coloque a segurança alimentar de nossa população na linha de frente da estratégia nacional. Das competências legítimas do extinto INAN, a nova Secretaria deve assumir a responsabilidade pela elaboração do novo Programa Nacional de Alimentação e Nutrição, capaz de contemplar e intervir sobre a gravidade da desigualdade supramencionada. Esse programa, pelos avanços do momento atual, deverá ser o resultado de uma mesa de negociação coletiva que envolva o Governo, o Congresso Nacional e a sociedade civil, incluindo tanto as ações dos diferentes Ministérios envolvidos com a questão alimentar quanto os demais setores relacionados à produção, disponibilidade, consumo de alimentos, poder aquisitivo e cultura alimentar da população.

É chegada a hora de colocar um ponto final nesse modelo gerador de misérias em que metade da população não tem renda que lhe permita acesso a uma quantidade adequada de alimento ou lhe possibilite condições para exercer o direito à cidadania.

É fundamental a construção de uma consciência política, social e administrativa que possa resgatar os compromissos assumidos pelo Brasil em acordos internacionais, bem como a consolidação de uma consciência governamental e coletiva sobre os programas para a área de alimentação e nutrição. Se esse papel mínimo não for assumido, o futuro das próximas gerações brasileiras estará seriamente comprometido. Para tanto, estamos conclamando todos no sentido de considerar que a questão alimentar é o principal problema que caracteriza a realidade brasileira. E a criação da Secretaria Nacional de Alimentação e Nutrição, depois de extinto o Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição, possibilitará que se assegure o encaminhamento definitivo para a solução da questão.

Não estou aqui defendendo que o Governo não deva enxugar determinados órgãos existentes, mas o INAN é fundamental. Também não estou defendendo ociosidade de servidor público porque sei que esse órgão sempre funcionou com servidores de qualidade. Convivemos com a má distribuição de renda e não podemos simplesmente abandonar esses servidores e aceitar a idéia de que o Governo diminua seus gastos na área social, que reduza também investimentos na saúde, na educação. O Governo Federal ainda não se manifestou no sentido de colocar outra entidade no lugar dos órgãos que o Governo vem fechando e extinguindo; não temos conhecimento disso, pelo menos no caso do INAN. O que o Governo colocou no lugar? O que ofereceu de imediato nesse contexto? As políticas que estão sendo implementadas na área social são totalmente desconhecidas; sabemos apenas que existe o Programa Comunidade Solidária, mas poucos têm acesso aos projetos desse programa. Então não temos como buscar um órgão que possa fiscalizar e controlar essas ações. Não há conhecimento mesmo do que foi criado no lugar.

Outra questão que me chama a atenção é que os funcionários que trabalham nesses órgãos adquiriram certa experiência; o Governo Federal investiu muito no preparo e na qualificação desses servidores. No entanto, quando esses órgãos são extintos não sabemos o que é feito desses funcionários, que ficam à deriva. Eles poderiam estar dando grande contribuição para que o próprio Governo reúna, nas suas condições, junto aos seus Ministérios, uma política mais arrojada. O Governo não tem tido critérios de avaliação de qualidade na reforma administrativa quando quer dispensar e acabar com a estabilidade do servidor. Ao contrário, penso que esses servidores deveriam ser mais bem aproveitados, e melhores seriam os serviços prestados à população.

Os servidores vêm perseguindo planos de cargos e salários para o seu aperfeiçoamento, para a mudança de sua imagem. É necessário mudar-se a imagem de "faz-de-conta" dos servidores; devemos levar em consideração que eles sustentaram, até então, todas as iniciativas de Governo, seja do Governo de centro social democrata ou neoliberal, não importa. O servidor é apartidário, cumpre o seu papel, tem uma qualificação e não é possível que o responsabilizemos pelo desmando e pelo abandono que a máquina administrativa sofre, porque essa é muito mais conseqüência da administração do que dos trabalhadores.

Poderíamos exemplificar com muitas outras situações, mas o farei na próxima semana, quando pretendo tratar da reforma administrativa. Vou falar sobre o papel que ela vai desempenhar no que diz respeito ao desemprego, à má qualidade da prestação de serviços em virtude da terceirização, além de abordar diferentes aspectos da questão.

Neste momento, enfatizo a importância da criação da Secretaria Nacional de Alimentação e Nutrição. Só essa Secretaria poderá oferecer condições para que o Governo assegure o encaminhamento dos trabalhos lá executados.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/06/1997 - Página 11403