Discurso no Senado Federal

ARTIGO DO SEMANARIO THE ECONOMIST, QUE ANALISA AS VANTAGENS GOVERNAMENTAIS DO REGIME PARLAMENTARISTA NO CONTRAPONTO COM O PRESIDENCIALISMO AMERICANO. VANTAGENS DO REGIME PARLAMENTARISTA PARA O BRASIL, DIANTE DO RECENTE ESCANDALO DA COMPRA DE VOTOS PRO-REELEIÇÃO. APELO AO SENADO EM FAVOR DA DISCUSSÃO DA OPÇÃO PARLAMENTARISTA.

Autor
Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SISTEMA DE GOVERNO.:
  • ARTIGO DO SEMANARIO THE ECONOMIST, QUE ANALISA AS VANTAGENS GOVERNAMENTAIS DO REGIME PARLAMENTARISTA NO CONTRAPONTO COM O PRESIDENCIALISMO AMERICANO. VANTAGENS DO REGIME PARLAMENTARISTA PARA O BRASIL, DIANTE DO RECENTE ESCANDALO DA COMPRA DE VOTOS PRO-REELEIÇÃO. APELO AO SENADO EM FAVOR DA DISCUSSÃO DA OPÇÃO PARLAMENTARISTA.
Publicação
Publicação no DSF de 14/06/1997 - Página 11451
Assunto
Outros > SISTEMA DE GOVERNO.
Indexação
  • LEITURA, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, COMPARAÇÃO, SISTEMA DE GOVERNO, PAIS ESTRANGEIRO, INGLATERRA, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), SUPERIORIDADE, VANTAGENS, PARLAMENTARISMO, RELAÇÃO, PRESIDENCIALISMO, AMBITO, POSSIBILIDADE, ATUAÇÃO, GOVERNO.
  • ACUSAÇÃO, SISTEMA, PRESIDENCIALISMO, BRASIL, PROVOCAÇÃO, CRISE, GOVERNO, ESPECIFICAÇÃO, VENDA, VOTO, REELEIÇÃO.
  • DEFESA, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), REELEIÇÃO, NECESSIDADE, REFORMA POLITICA, AMBITO, POLITICA PARTIDARIA, LEGISLAÇÃO ELEITORAL, CONVITE, ORADOR, DEBATE, PARLAMENTARISMO.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente - e nem posso dizer Srs. Senadores, porque, além de mim e de V. Exª, só se encontra em plenário o nobre Senador Gilvam Borges; mas, enfim, falo para a TV Senado e para os Anais da Casa -, Sr. Senador, a imprensa mundial enfatizou a rapidez com que se processou a "troca de guarda" no governo britânico conseqüente à esmagadora vitória trabalhista no pleito de 1º de maio último.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Senador Jefferson Péres, em favor da exatidão dos registros, peço a V. Exª que não seja injusto com o Senador Francelino Pereira.

O SR. JEFFERSON PÉRES - S. Exª adentrou o plenário um pouco depois de eu haver iniciado o meu pronunciamento, mas, com muita satisfação, registro a presença do ilustre colega Francelino Pereira.

Três dias depois do anúncio dos resultados, o novo gabinete, comandado por Tony Blair, já demonstrava tão pleno e tranqüilo domínio de uma máquina administrativa controlada pelos conservadores havia 18 longos anos, que Gordon Brown, o Ministro do Tesouro, pôde anunciar a importante decisão de conceder independência ao banco central, o Bank of England.

Assim é o parlamentarismo. A despeito do extenso jejum de poder, o Partido Trabalhista não teve dificuldade nenhuma em se assenhorear de todos os detalhes da administração pública em razão da notável instituição do shadow cabinet, mediante o qual a oposição acompanha, monitora e critica o desempenho governamental, dia a dia. A transparência do procedimento garante o acesso a todos os dados e informações relevantes para a formulação de uma plataforma baseada em políticas alternativas consistentes e realistas. E a rotatividade do poder é administrada sem traumas, sem sustos, sem incertezas para quaisquer dos agentes sócio-econômicos.

O semanário The Economist, prestigioso baluarte da mídia conservadora, em artigo recente, analisou as vantagens governativas do regime de gabinete no contraponto com o presidencialismo americano. Graças à coerência partidária exigida por um processo de formação do poder que se dá todo ele no interior do parlamento, a existência de maiorias sólidas e claras que sustentam a governabilidade é um problema resolvido de antemão, ao passo que, no presidencialismo, esta tende a ser uma questão a desafiar com freqüência os dotes retóricos e demais recursos de persuasão manejados pelos chefes do governo. Conforme o articulista,

      ...o resultado da eleição geral de 1997 coloca o Sr. Blair numa posição de poder com a qual o Presidente Bill Clinton poderia apenas sonhar. [Blair] tem maioria de 179 [votos] na Câmara dos Comuns. Os rebeldes podem ser manejados à vontade. A oposição jamais vencerá uma votação importante. Um desastre como aquele que destruiu a reforma do sistema de saúde no primeiro mandato do Sr. Clinton não poderia acontecer na Grã-Bretanha. Para o bem ou para o mal, o Governo pode decretar a legislação que quiser.

E prossegue a comparação:

      O Sr. Clinton venceu sem jamais equacionar as divisões organizacionais e ideológicas do Partido Democrata, as quais ainda o atormentam. Já o Sr. Blair usou sua vitória na disputa pela liderança interna, em 1994, para reformular seu partido, conquistando novos membros, livrando-se da bagagem ideológica e modernizando a máquina partidária. A maioria dos novos membros do Parlamento sabe disso; na verdade, muitos deles devem sua eleição ao Sr. Blair pessoalmente.

Concluindo, o articulista prevê:

      O Governo do Sr. Blair pode ser bem ou mal sucedido. Isso depende da maior ou menor capacidade de suas políticas para realizar aquilo que prometeu; das habilidades de seus ministros; das qualidades de sua bancada parlamentar; e da perícia do primeiro-ministro enquanto comunicador. O que está fora de questão, no entanto, mas permanece em dúvida no caso do Sr. Clinton, é que [o chefe de governo britânico] tem poder para dar certo. Mandato popular; hegemonia partidária; maioria parlamentar: eis o tripé sobre o qual o Sr. Blair pode apoiar-se com total segurança. O Presidente Clinton lidera a mais poderosa nação da Terra, mas o Premiê Blair, por enquanto, comanda um governo com um poder muito maior do que este ou qualquer presidente americano jamais terá.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estas reflexões foram provocadas pela mais recente crise em que se enredou o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, com a revelação do grotesco episódio da compra e venda de votos parlamentares pró-reeleição. Ora, mais de um século de República permite-nos asseverar, com o rigor de um axioma matemático, que o presidencialismo no Brasil foi, é e sempre será uma fábrica de crises e escândalos que volta e meia paralisam o processo decisório governamental, comprometendo a capacidade administrativa de atender às prioridades nacionais e cuidar do progresso e do bem-estar do povo.

Desgraçadamente, o vezo autoritário, centralizador e patrimonialista de nossa cultura política sempre se valeu de um arremedo perverso do sistema presidencialista americano para manter o Congresso e os partidos políticos na humilhante posição de vassalos do Executivo, no máximo de trampolim para que sucessivas gerações de oportunistas nas repúblicas de sempre conquistem cargos, vantagens escusas, posições de poder e nada mais!

Vozes honradas e lúcidas em prol do parlamentarismo, como as de Raul Pilla, no passado, e de Franco Montoro, no presente, estiveram e parecem continuar fadadas a pregar neste "deserto de homens e idéias", como Osvaldo Aranha um dia definiu o Brasil.

A persistente coalizão entre oligarquias conservadoras e aquilo que Raymundo Faoro denominou de estamento burocrático até hoje impede que a alternativa parlamentarista seja tentada a sério entre nós. Desmoralizada pelo plebiscito de 06 de janeiro de 1963, surrada por nova consulta popular em 12 de abril de 1993 - aliás, Sr. Presidente, surrada porque líderes de partido, inclusive de Esquerda, por oportunismo, que julgavam naquela altura que seriam imbatíveis para à Presidência da República contra as suas próprias convicções, fizeram campanhas a favor do Presidencialismo -, tudo levaria a crer no fracasso definitivo e no descrédito inapelável dessa solução no Brasil, não obstante ser ela adotada, com as óbvias adaptações nacionais, pela maioria esmagadora dos principais países do Globo, da Escandinávia ao Japão. No entanto, como por milagre de sobrevivência política, a proposta parlamentarista ressurge no horizonte brasileiro alimentada pelo caldo de cultura da decomposição institucional. Parafraseando o grande Alexis de Tocqueville ao avaliar a herança de crônica instabilidade legada pela Revolução Francesa, também em nosso País vivenciamos sempre a mesma crise; a crise chamada presidencialismo.

Sr. Presidente, quando atentamos, de um lado, para as danosas conseqüências desse enxerto descabido do instituto das medidas provisórias em nossa ordem constitucional de 1988 e, de outro, para os sentimentos de incerteza decorrentes do último escândalo, imediatamente registrados pelos mercados financeiros aqui e lá fora, chegamos a uma conclusão aparentemente paradoxal. O presidencialismo afigura-se-nos um frágil sistema forte. Frágil para empreender o que é economicamente necessário e socialmente justo; forte para perpetrar o que é politicamente nocivo e moralmente condenável. Essa contradição que, como acabo de afirmar, tende a debilitar a credibilidade e a legitimidade do presidencialismo, evidencia-se a cada tropeço ético toda vez que o Executivo falha em sua missão de fornecer liderança à sociedade brasileira, ou seja, quase sempre.

Por essa razão, tão logo a opinião pública se deu conta da seriedade dos estragos produzidos no até então impecável revestimento de teflon da imagem governamental pelas gravações do "Senhor X", imediatamente um novo alento animou os entusiastas do regime de gabinete em todos os partidos e quadrantes do espectro político-ideológico. Velhos estandartes parlamentaristas estão sendo desenrolados e voltam a ser agitados com esperança. Claro está que a CPI da reeleição é indispensável para apurar a fundo todas as responsabilidades e punir corruptos e corruptores. Mas só isso não basta: há que se fazer uma vigorosa reengenharia do nosso sistema partidário e eleitoral a fim de cortar o mal pela raiz e para sempre. E o parlamentarismo parece-me a um tempo condição de sucesso e coroamento do êxito desse relevante e urgente esforço de reinventar a cidadania e a política.

Aqui, faço um parêntese para lembrar aos Srs. Senadores que o povo brasileiro foi induzido, a meu ver, a um erro, exatamente pelo desprestigio do Congresso. Em 1993, induzido pela campanha feita pelos adversários do parlamentarismo, o povo pensou que o Governo seria um refém do Congresso, quando, ao contrário, no parlamentarismo, o Presidente é que um refém do fisiologismo do Congresso, uma vez que, no Parlamentarismo, jamais Governo algum será refém do Parlamento, porque tem o poder de dissolver o Congresso. Qualquer parlamentar fisiologista pensa não dez, mas cem vezes para fazer chantagem com o Governo antes de arriscar o seu mandato.

No momento em que eu, em fidelidade aos princípios programáticos do Partido da Socialdemocracia brasileira e também às convicções de toda a minha vida, empenho total apoio a esse redespertar da consciência democrática, aproveito para lançar aqui um convite e um apelo aos integrantes desta Casa: vamos discutir com serenidade e seriedade a opção parlamentarista que, com todas as suas evidentes vantagens técnicas, processuais e institucionais sobre o presidencialismo, só não vingou até hoje, repito, pelo simples fato de que nunca foi tentada a sério pelas nossas elites. Não vamos permitir que, por omissão, diante dessa imensa responsabilidade histórica, o Brasil ingresse no terceiro milênio arrastando a desditosa fama de País das oportunidades perdidas.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/06/1997 - Página 11451