Discurso no Senado Federal

OBSERVAÇÕES A PROPOSITO DA TESE, INSISTENTEMENTE VEICULADA NOS DIAS DE HOJE, ACERCA DA IMPERIOSA NECESSIDADE DE SE PROCEDER A DETERMINADAS REFORMAS INSTITUCIONAIS, A COMEÇAR PELA DO ESTADO. POSICIONAMENTO DE S.EXA. SOBRE A REFORMA PREVIDENCIARIA.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL.:
  • OBSERVAÇÕES A PROPOSITO DA TESE, INSISTENTEMENTE VEICULADA NOS DIAS DE HOJE, ACERCA DA IMPERIOSA NECESSIDADE DE SE PROCEDER A DETERMINADAS REFORMAS INSTITUCIONAIS, A COMEÇAR PELA DO ESTADO. POSICIONAMENTO DE S.EXA. SOBRE A REFORMA PREVIDENCIARIA.
Publicação
Publicação no DSF de 18/06/1997 - Página 11776
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, PROPOSTA, REDUÇÃO, COMPETENCIA, ESTADO.
  • ANALISE, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, CRITICA, DESRESPEITO, DIREITO ADQUIRIDO, PUNIÇÃO, FUNCIONARIO PUBLICO, INEFICACIA, CORRUPÇÃO, GESTÃO, CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIARIA.
  • JUSTIFICAÇÃO, ATUAÇÃO, BANCADA, OPOSIÇÃO, ATRASO, VOTAÇÃO, REFORMA CONSTITUCIONAL, OBJETIVO, PRESERVAÇÃO, DIREITO ADQUIRIDO, ESPECIFICAÇÃO, APOSENTADO, PENSIONISTA.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quem procura compreender o momento histórico que vive, inclusive para nele intervir a partir de suas idéias e convicções, deve estar disposto a aceitar mudanças que se tornam inevitáveis. É o curso da história, tão marcado por incessantes alterações, que nos leva a entender que o mundo, as pessoas, as instituições, as formas de pensar e agir não são imutáveis. Respeitar esse dinamismo, tão próprio da vida, é condição essencial para melhorar nossa capacidade de interação com o nosso tempo e, assim, nos ajuda a viver melhor.

Faço essas observações a propósito da tese, insistentemente veiculada nos dias de hoje, acerca da imperiosa necessidade de se proceder a determinadas reformas institucionais, a começar pela do Estado. Defende-se, com extraordinária ênfase, que o Estado hoje existente tornou-se anacrônico, pesado, incapaz de responder aos novos desafios que o atual estágio de uma economia rigorosamente globalizada - e essencialmente competitiva - trouxe consigo.

Repete-se, a cada instante, por todos os meios disponíveis, que é passado o tempo de um Estado empreendedor, autêntico motor do desenvolvimento. São outras, agora, as suas funções: para uns, ele deve ser mínimo, não importando se, deixando um enorme vazio, as mazelas sociais se multipliquem; para outros, com um discurso mais bem elaborado, ele deve se retrair, fixando-se naquelas áreas identificadas como tipicamente sociais - saúde, educação, moradia etc.

O que assistimos hoje no Brasil é exatamente isto: a decisão política de proceder à reforma do Estado a partir da visão dos atuais detentores do poder, sintonizados com o que poderíamos chamar de "poder econômico mundial". Nenhum de nós desconhece a necessidade de se ajustar a máquina político-administrativa às novas condições impostas pela história. O que assusta, o que choca, é ver que a proposta apresentada parte do pressuposto, absolutamente equivocado, de que só há um caminho a seguir, só um modelo a desenvolver, de modo que, fora dele, restaria o caos.

Não, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores! Aprendemos com a história que toda visão totalitária, que não enxerga alternativas possíveis quando da escolha de rumos para uma sociedade, é eticamente insustentável, politicamente perigosa e socialmente injusta. Os recentes resultados eleitorais verificados na Europa têm demonstrado, felizmente, que as sociedades sabem muito bem discernir, conscientes de seus direitos, que estão rechaçando o rolo compressor com que o neoliberalismo pretendeu alterar drasticamente o rumo de suas vidas. Que a lição sirva de alerta aos que, em outras partes do mundo, teimam em não compreender que a sociedade é muito maior e mais importante que o Estado.

No caso brasileiro, temos na ordem do dia a questão da reforma previdenciária. Eis um exemplo concreto de como um tema de tão ampla repercussão, por atingir diretamente a vida de milhões de pessoas, chega a ser tratado com a linguagem fria dos números, com a insensibilidade que agride a consciência de todos nós.

Que a Previdência precisa ser modificada, creio não haver dúvida. Que o modelo de aposentadoria e de pensões deva ser alterado, parece ser opinião majoritária. O que não posso aceitar - e faço questão de proclamar isso da maneira mais enfática possível - é que as regras do jogo sejam alteradas ao longo da partida. O que não posso admitir é que seja transferida para os funcionários e servidores públicos a culpa - que jamais tiveram - pelo descalabro administrativo e de má gestão da Previdência ao longo dos anos. O que não consigo entender é que trabalhadores que entraram no serviço público sabendo de antemão o que lhes aconteceria no futuro, quando da justa aposentadoria, vejam-se, no meio do caminho, atropelados por uma decisão que lhes retira direitos conquistados e consagrados.

Se a reforma é necessária, que atinja aos que entrarem doravante no serviço público, conscientes das novas regras. Em hipótese alguma, até mesmo por elementar senso de justiça, as modificações poderão atingir aos que já desempenharam sua missão, cumpriram com o seu dever e usufruem de direitos conquistados.

Sabemos da luta travada durante a Assembléia Nacional Constituinte. Quero lembrar que os §§ 4º e 5º do art. 40 da Constituição Federal de 1988 garantiram a paridade de remuneração entre ativos e inativos. Como podemos concordar com essa retirada? Sabemos que a PEC nº 33/95, agora em 1996, com a emenda modificativa, alterou alguns pontos; mas a paridade foi mantida. Como vamos aceitar o substitutivo do Senador Beni Veras, que alterou consideravelmente pontos que a Câmara dos Deputados, por várias vezes, deixou de retirar, entendendo que havia uma articulação entre os interessados - aposentados e pensionistas -, para manter esses direitos adquiridos? O substitutivo não preserva os direitos adquiridos dos atuais aposentados e pensionistas. E tem mais: fica pior que nas Constituições de 1946 e 1967.

Sr. Presidente, estamos vendo algumas manifestações de parte de segmentos da sociedade, de representações empresariais, como o Sr. Ermírio de Moraes, por exemplo, que disse que somos egoístas e irresponsáveis porque não queremos votar as reformas do Governo, reformas que vão dar sustentação ao real, e o Governo, por conta disso, não vai poder fazer nenhuma mudança. Talvez ele não compreenda que as manobras que hoje fazemos em relação às reformas administrativa e da Previdência são justamente para impedir que dispositivos como este dos direitos adquiridos ao longo de tantos anos de trabalho sejam retirados da reforma apresentada no Senado Federal, como fez o Senador Beni Veras, no seu substitutivo.

Não somos irresponsáveis. Não somos egoístas. Apenas não queremos que pensionistas e aposentados tenham os seus direitos adquiridos usurpados, porque não fomos capazes de fazer um debate, uma articulação que pudesse garanti-los. Somos levados ao desgaste. Bendito desgaste! Quero ser responsável por esse desgaste.

Podem dizer que estamos impedindo essa reforma porque não vou votar nenhuma iniciativa que venha a ferir esses direitos dos aposentados. Não sou irresponsável, muito menos egoísta. Quero que os interesses dessas pessoas, que hoje andam pelos corredores do Congresso Nacional pedindo o nosso voto favorável -e desnecessário seria recebê-las, por já terem o direito adquirido -, sejam preservados. Não quero, de forma nenhuma, votar matéria que vise a tirar esses direitos.

Essa é a minha posição, Sr. Presidente. Como alguém que jamais fugiu à luta - inclusive pela sobrevivência -, não poderia calar-me neste momento. Daqui faço um apelo aos Srs. Parlamentares para que reflitam sobre a decisão que deverão tomar. Mirem-se nos exemplos que, a cada dia, povos variados têm dado no sentido da defesa da vida, da dignidade, da democracia, dos direitos sociais.

Estamos aprendendo que, ao contrário do que pensam alguns, o preço a ser pago pela conquista da modernidade não pode suplantar os valores mais elevados da justiça e do direito, senão estaríamos votando contrariamente - tenho absoluta certeza - a vários interesses daqueles que nos trouxeram até esta Casa.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/06/1997 - Página 11776