Discurso no Senado Federal

ENCAMINHANDO, COMO PRESENTE DE ANIVERSARIO AO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EXEMPLAR DA REVISTA CAROS AMIGOS, QUE EM SEU NUMERO TRES, TRAZ UMA LONGA ENTREVISTA DE LEONARDO BOFF, COM UMA ANALISE SEVERA DE S.EXA. E DE SEU GOVERNO.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • ENCAMINHANDO, COMO PRESENTE DE ANIVERSARIO AO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EXEMPLAR DA REVISTA CAROS AMIGOS, QUE EM SEU NUMERO TRES, TRAZ UMA LONGA ENTREVISTA DE LEONARDO BOFF, COM UMA ANALISE SEVERA DE S.EXA. E DE SEU GOVERNO.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/1997 - Página 11829
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • REGISTRO, REMESSA, PERIODICO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EPOCA, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, CONTEUDO, ENTREVISTA, LEONARDO BOFF, PROFESSOR, ESCRITOR, ANALISE, ATUAÇÃO, GOVERNO, CONTINUAÇÃO, EXCLUSÃO, MAIORIA, POVO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) Sr. Presidente, Senador Flaviano Melo, Srªs e Srs. Senadores,

            PRESENTE DE ANIVERSÁRIO AO PRESIDENTE.

Em sendo hoje, 18 de junho de 1997, aniversário do Presidente Fernando Henrique Cardoso - Sua Excelência faz 66 anos - resolvi lhe encaminhar um presente. Há pessoas que preferem apenas falar coisas agradáveis. Prefiro, entretanto, dizer verdades, mesmo que não agradáveis. Pensando nisso é que resolvi encaminhar de presente ao Presidente um exemplar da revista Caros Amigos que, em seu número três, traz uma longa entrevista de Leonardo Boff. A entrevista tem dez páginas. Ao lado de outros assuntos, Boff faz uma análise severa do Presidente e de seu Governo, dizendo:

      O Fernando Henrique julga a sociedade a partir de um jogo de interesses, de onde ele é parte importante, e ele assume o poder dentro de um projeto que eu acho profundamente perverso, porque não significa nenhuma ruptura de herança de exclusão que teve este país. Os sujeitos históricos, que sempre detiveram o poder de forma autoritária, excludente, exploradora, são aqueles que compõem a base do governo do qual ele é presidente...

      Continua Leonardo Boff:

      "Acho que ele não ama suficientemente esse povo, ele ama o poder. É um projeto de poder em que ele se beneficia. Mas tem que qualificar esse poder, qual é a natureza desse poder? É o velho poder oligárquico, excludente, da história brasileira, e ele não colaborou em nada para modificar isso. E aí eu penso - diz Leonardo Boff sobre o Presidente Fernando Henrique - que ele nos traiu a todos nós, porque depositamos na lucidez do intelectual, do sociólogo que conhece o mecanismo de poder a esperança de que pudesse interferir e dar uma marca diferente. E ele não fez...

      Arremata Leonardo Boff: Eu acho que ele não acredita em absolutamente nada, nenhuma transcendência, é de um marxismo clássico, ateu e, para quem não tem uma transcendência da história é isso - quem está no poder tem de se aproveitar do cavalo que passa encilhado, porque não tem mais nada além disso, nenhum projeto de longo alcance, em que haja a dimensão da renúncia, para construir uma base mais popular, mais ampla e dialética."

Registro a dura análise de Leonardo Boff na esperança de que o Presidente Fernando Henrique Cardoso possa reagir a ela. Afinal, fui um dos que acompanhei com entusiasmo a carreira do sociólogo que escreveu sobre a Teoria da Dependência, que congregou intelectuais perseguidos pela ditadura no Cebrap, que batalhei ao seu lado para que fosse eleito senador pelo MDB em 1978 - quando foi eleito Franco Montoro, Fernando Henrique suplente -, que estive junto nas lutas pela democratização do Brasil.

Passados dois anos e meio de seu mandato, salvo os ganhos importantes decorrentes da diminuição da inflação, a qual resulta em dificuldades maiores para os mais pobres, pouco se pode registrar como tendo sido realizado para de fato trazer a grande massa de excluídos para a condição de cidadania plena. E, no entanto, tanto está por se fazer.

A reforma agrária poderia estar tendo um ritmo mais acelerado com o assentamento de todos aqueles que se encontram acampados manifestando o desejo de lavrar a terra; a implantação de programa de crédito popular visando a concessão de pequenos financiamentos para que as pessoas possam desenvolver atividades produtivas, de forma individual ou em grupos, sem grandes exigências colaterais ou burocráticas, a exemplo do que vem ocorrendo no Distrito Federal, no Ceará, em Porto Alegre, deve ser implementada. O desenvolvimento de formas de cooperativas de produção, no campo e na cidade, e as múltiplas formas de democratização das decisões sobre o que produzir e como distribuir os rendimentos no âmbito das empresas constitui capítulo que merece maior atenção, assim como a garantia de uma renda de cidadania como forma de assegurar a melhor partilha da riqueza desta Nação a todos os cidadãos. Esses são alguns exemplos de áreas onde o Governo poderia estar avançando muito mais.

Assim, Sr. Presidente e caros amigos, fica aqui o presente ao Presidente Fernando Henrique Cardoso.

O Sr. Pedro Simon - Permite-me V.Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Senador Pedro Simon, gostaria de dizer que pensei muito nas recomendações que, recentemente, V. Exª fez ao Presidente Fernando Henrique Cardoso. V. Exª encontrará em Leonardo Boff uma pessoa com a qual, certamente, tem afinidade.

Ouço V.Exª com muita honra.

O Sr. Pedro Simon - Aproveito a presença de V.Exª na tribuna para também levar a minha mensagem de feliz aniversário ao Presidente Fernando Henrique Cardoso. Não tenho nenhuma dúvida de que a Nação inteira deseja um feliz aniversário a Sua Excelência, para quem hoje deve ser um dia de meditação e de alegria. Sua Excelência tem muitos motivos pessoais para estar alegre, juntamente com sua esposa, seus filhos, seus netos e seus familiares, pois tem o respeito desta Nação. Dia de aniversário, para quem crê como eu, também é dia de se rezar - principalmente para um homem que tem a responsabilidade de ser Presidente da República - para que Deus ilumine, auxilie e facilite tão difícil missão. Sua Excelência passa esta data de maneira singela, eu diria quase despercebida, mas isso não nos impede de, ao lhe desejarmos felicidades, esperarmos que medite e que reflita, de maneira aprofundada, sobre sua responsabilidade e obrigação de ser um grande Presidente. Tenho preocupações e angústias a respeito da vida de um Presidente, que realmente deve ser muito difícil. Em primeiro lugar, há os obstáculos com que se defronta, as decisões difíceis e dramáticas que encontra pela frente de escolher o melhor caminho e o melhor momento. Sabemos que o Presidente Fernando Henrique Cardoso é um homem de bem. V. Exª, inclusive, foi dos seus primeiros cabos eleitorais naquela espécie de anticandidatura, quando foi candidato em uma sublegenda e todos sabiam que o Sr. Franco Montoro seria o vitorioso, tranqüilo e sereno. Aquela foi uma campanha de V. Exª e do Lula para marcar uma posição. Algumas pessoas dizem que os destinos novos das transformações, inclusive de ações do PT, começaram naquela campanha de porta de fábrica, de debate, onde um grupo de jovens intelectuais, como o Presidente e V. Exª, e de líderes sindicais, como Lula, defendia uma idéia e um anticandidato. Mas, nem por isso, aquilo deixou de ser importante e de ter significado. Durante a vida, evoluímos, mudamos e nos transformamos. Quando está na faculdade, o jovem geralmente é de esquerda, é comunista, quer salvar o mundo, quer que ele seja igualitário, onde todos dêem-se as mãos para caminhar, mas conhecemos a diferença que se opera anos depois. Nunca fui comunista, sempre defendi as idéias de Alberto Pasqualini. Naquela época, quando era jovem e estava na faculdade, era mal visto pelos dois lados: os capitalistas diziam que eu era comunista e estes, que eu era um tapeador, porque, com as idéias de Pasqualini, eu estava fingindo e permitindo que os usurpadores capitalistas permanecessem no poder. Agora, anos depois - praticamente um mundo depois -, canso de ver velhos presidentes do Centro Acadêmico da Faculdade de Medicina do meu tempo, como o presidente da UNE que me antecedeu, que eram homens de esquerda total e hoje são de direita, acomodados, tranqüilos, serenos, rindo daquela época. A verdade é que ao caminharmos elaboramos nosso pensamento. O Senhor Fernando Henrique Cardoso é uma pessoa que forjou seu pensamento e gerações o acompanharam. Neste seu aniversário, seria importante que o Senhor Fernando Henrique Cardoso parasse para meditar sobre isso. O melhor presente de aniversário que eu poderia desejar a Sua Excelência é que o Sr. Mário Covas - que ontem nos deu uma lição belíssima, a de um homem que passa por todas as posições mas mantém o seu pensamento, a sua idéia, a sua coerência -, o Sr. Pimenta da Veiga, o Sr. Scalco, o Sr. João Gilberto, essas velhas e extraordinárias lideranças que criaram e orientaram o PSDB, o lembrassem hoje dessas lutas, do que era, do que é, do que não pode ser como se pensava, assim como daquilo que é e não é o que se pensava e se esperava. Que revivessem juntos os velhos dias - dos quais talvez Sua Excelência não queira se lembrar - daquela caminhada com o Lula e com o Suplicy, de como foi bonito, de como se lançaram idéias que foram se desenvolvendo e progredindo. Hoje, à missa, rezei pelo Senhor Presidente e pedi a Deus exatamente isso: que seus grandes amigos prestem-lhe esse serviço. Este é o apelo, do fundo do coração, que gostaria de fazer, como presente. Com um abraço fraterno, desejo felicidades a Sua Excelência, o Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso. Muito obrigado.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Senador Pedro Simon, V. Exª rezou pelo Presidente com um entusiasmo semelhante àquele de Leonardo Boff quando fala do significado de Deus.

Tem a ver com a expressão grega ente os mos, que vem da palavra entusiasmo, e significa justamente uma entidade, uma suprema paixão, uma suprema energia. É como se as pessoas tivessem um Deus dentro de si.

      "Então, todo o entusiasmo é a essência da vida, porque a essência da vida não é a vida, é a vitalidade da vida. Então creio que é essa realidade que penetra tudo e não se deixa captar e sem a qual nós não entendemos nosso vigor, nossa esperança, nosso sonho, nosso entusiasmo, que escapa continuamente e ao mesmo tempo nos desafia pra frente e pra cima".

É como se fosse também o entusiasmo, aquele que faz com que as pessoas acordem de manhã com a vontade de estender a mão ao outro. V. Exª acordou hoje com a vontade de estender a mão ao Presidente para dizê-lo que acorde! O Presidente tem o espírito daqueles seus amigos que mais cedo estiveram com V. Exª na sua trajetória, na busca da liberdade, da democracia, da justiça. É isso que V. Exª está lhe dizendo.

Leonardo Boff, nos anos 70, quando era editor da Vozes, época em que iniciou as suas críticas à Igreja Católica, através da evolução de seu pensamento relativamente à Teologia da Libertação, foi quem abriu as portas para Fernando Henrique Cardoso. Naquela oportunidade, ao visitar o Cebrap, por volta de 1972, disse que a Editora Vozes publicaria a revista da Cebrap, os estudos do Cebrap, os livros de Fernando Henrique e dos intelectuais que ele havia acolhido. Foi justamente Leonardo Boff que interagiu com o coordenador do Cebrap, que era o sociólogo Fernando Henrique Cardoso.

Hoje Leonardo Boff faz uma crítica bastante severa, inclusive dizendo que já não estão mais considerando Fernando Henrique como um intelectual, como se Sua Excelência estivesse mais preocupado com a questão do poder, com a questão de como estar junto aos que detém poder, nem que sejam essas pessoas aquelas que estiveram, ao longo de décadas, ainda que por formas ditatoriais, no centro do poder e levando o Brasil a uma situação de contínua exclusão para uma parcela enorme da população. Leonardo Boff procura sacudir, como V. Exª o faz, o espírito do Presidente, dizendo a Sua Excelência que liberte de si próprio aquele seu espírito de asas abertas, aquele espírito de águia e não um espírito de galinha, como diz a fábula do educador de Gana, James Archer, que também foi objeto de análise de Leonardo Boff num outro texto.

Seria importante que Fernando Henrique soubesse das forças que tem internamente para dizer qual o melhor caminho. Mas temo que esteja Sua Excelência de tal forma amarrado a certos propósitos que tenha dificuldade de realizar aquilo que - acredito -, pelo menos, foi seu sonho, quando, em 1978, estive ao seu lado.

Senador Pedro Simon, na verdade, ainda que tivesse sido vitorioso Franco Montoro, que foi então eleito Senador, também por conseguir o segundo lugar, Fernando Henrique se tornou Senador em 1982, no início de 1983, logo que Franco Montoro assumiu o Governo do Estado de São Paulo. Então, aquela jornada acabou sendo também vitoriosa.

Aliás, gostaria de recomendar a leitura dessa entrevista de Leonardo Boff a todos os meus Pares. Até porque ali está o seu testemunho sobre o que aconteceu quando do seu enfrentamento com a Igreja Católica. Leonardo Boff sentou-se na mesma cadeira de Giordano Bruno, de Galileu Galilei - só faltou ali a tortura. Mas ele foi submetido a extraordinárias forças que vinham de pessoas que tinham grande poder de influência sobre certos segmentos da Igreja Católica e que influenciavam o Vaticano de alguma maneira, e o influenciam até hoje. Ao mesmo tempo, ele dá um testemunho sobre as forças da Igreja Católica que deram a mão e apoio, como por exemplo, a D. Ivo Lorscheiter e D. Evaristo Arns.

Há uma bela passagem do último diálogo de Leonardo Boff com o Senador Darcy Ribeiro que vale a pena ser lida. Falavam da morte e da fé, e o Senador Darcy Ribeiro queria saber o que aconteceria com ele. Leonardo Boff disse ao Senador Darcy Ribeiro que, de acordo com sua visão, ele chegaria ao céu. Para Darcy Ribeiro, a visão de Deus seria na forma de uma deusa.

Os Srs. Senadores devem ler o texto, vale a pena, porque o Senador Darcy Ribeiro inclusive disse que gostaria de chegar ao céu daquela forma descrita por Leonardo Boff.

Eis, portanto, o presente encaminhado ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, uma boa e dura análise, contendo ainda uma recomendação importante de Leonardo Boff.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/1997 - Página 11829