Discurso no Senado Federal

DESVALORIZAÇÃO DO SALARIO MINIMO. JUSTIFICANDO A APRESENTAÇÃO DO PROJETO DE LEI DO SENADO 115, DE 1997, DE SUA AUTORIA, QUE DISPÕE SOBRE A POLITICA NACIONAL DE RECUPERAÇÃO DO SALARIO MINIMO, SEU VALOR, OS BENEFICIOS DE PRESTAÇÃO CONTINUADA DA PREVIDENCIA SOCIAL E DA OUTRAS PROVIDENCIAS.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SALARIAL.:
  • DESVALORIZAÇÃO DO SALARIO MINIMO. JUSTIFICANDO A APRESENTAÇÃO DO PROJETO DE LEI DO SENADO 115, DE 1997, DE SUA AUTORIA, QUE DISPÕE SOBRE A POLITICA NACIONAL DE RECUPERAÇÃO DO SALARIO MINIMO, SEU VALOR, OS BENEFICIOS DE PRESTAÇÃO CONTINUADA DA PREVIDENCIA SOCIAL E DA OUTRAS PROVIDENCIAS.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares, Eduardo Suplicy, Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/1997 - Página 11849
Assunto
Outros > POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • ANALISE, INCONSTITUCIONALIDADE, VALOR, SALARIO MINIMO, CRITICA, OMISSÃO, CONGRESSO NACIONAL, SOCIEDADE, RECUPERAÇÃO, PODER AQUISITIVO.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, CRIAÇÃO, POLITICA NACIONAL, RECUPERAÇÃO, PODER AQUISITIVO, SALARIO MINIMO, GRADUAÇÃO, AUMENTO, FIXAÇÃO, DATA.
  • COMENTARIO, SEMELHANÇA, DIFERENÇA, PROJETO DE LEI, AUTORIA, LAURO CAMPOS, SENADOR, ASSUNTO, SALARIO MINIMO, EXPECTATIVA, UNIÃO, TRAMITAÇÃO, AGILIZAÇÃO, APROVAÇÃO.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje pretendo falar a respeito de um assunto que, aparentemente, está um tanto quanto afastado das preocupações do Congresso Nacional. Refiro-me ao salário mínimo.

Todas as vezes em que se fala em recuperar o poder aquisitivo do salário mínimo surgem vários argumentos no sentido de que essa questão não pode ser regulada por lei ou decreto, porque a economia é muito dinâmica e o aumento do salário mínimo pode ter repercussões negativas na competitividade brasileira ou, por outro lado, alegam a incapacidade da Previdência Social em acompanhar aumentos bruscos do salário mínimo; alegam também a incapacidade de os governos dos Estados mais pobres, ou das milhares de prefeituras em nosso País, não terem a capacidade de pagar salário mínimo mais alto.

O fato é que, em função desses diversos argumentos, o salário mínimo, que foi introduzido no Brasil em 1940, vem tendo seu poder aquisitivo cada vez mais rebaixado.

Por incrível que pareça, o Brasil, que está entre as dez economias mais desenvolvidas do mundo, paga um salário mínimo ao seu trabalhador inferior ao salário mínimo que é pago em todos os países do Mercosul.

Além disso, acabamos convivendo com uma hipocrisia em relação à nossa Constituição, já que ela dispõe, dentre outros direitos do trabalhador, que ele deve receber um salário mínimo para atender às suas necessidades e as de sua família, tais como alimentação, saúde, educação, transporte e vestuário.

Hoje, verificamos que o salário mínimo de R$120 é claramente inconstitucional. Isso é o que salta aos olhos à primeira vista. No entanto, ele está aí, e os brasileiros e o Congresso Nacional convivem de forma absolutamente pacífica com essa inconstitucionalidade. Antes, pelo menos, o salário mínimo era discutido no Congresso Nacional. A última vez que isso aconteceu foi em 1995, quando foi reajustado para R$100. Aliás, foi objeto de propaganda do Governo, que disse que estava começando a cumprir com as suas promessas: um salário mínimo de US$100. Em 1996 ele foi reajustado, através de medida Provisória, para R$112 - mas até hoje essa medida não foi votada pelo Congresso Nacional; em 1997, houve o grande aumento de R$8,00 e o salário mínimo passou para R$120,00. Mais uma vez, sem a participação do Congresso Nacional e sem o debate nesta Casa. Os legisladores não estão, absolutamente, preocupados com o salário mínimo. Estamos preocupados com o Proer, com o Banespa, com o Banerj, com os 3 bilhões, estamos preocupados com o Sivam, mas com a questão do salário mínimo esse assunto não nos preocupa.

Hoje apresentei um projeto o qual gostaria de não tê-lo apresentado, porque é um projeto que coloca a nu as contradições deste País.

O que o projeto propõe? Mais moderado, impossível. O projeto propõe uma política de recuperação do poder aquisitivo do salário mínimo na época em que ele foi implantado, ou seja, em 1940. E propõe essa recuperação de forma gradativa para que no ano 2.003 o poder aquisitivo do salário mínimo do trabalhador brasileiro seja equivalente ao que ele tinha no ano de 1940, quando foi implantado. Ou seja, 63 anos após a implantação do salário mínimo no Brasil, estou propondo que o seu poder aquisitivo seja recuperado no ano de 2003. Não se pode citar o crescimento da economia brasileira nesses 63 anos, porque isso talvez reduzisse nosso poder aquisitivo de forma mais vergonhosa ainda. Sem dúvida alguma, nesses 63 anos - não me lembro exatamente os dados da economia brasileira - a economia brasileira cresceu várias vezes. Durante algumas décadas, o Brasil foi o País que mais cresceu no mundo, o que, inclusive, foi motivo de grande propaganda. No entanto, nosso salário mínimo é um dos que mais têm decrescido.

Em função disso, apresentei hoje esse projeto. E coincidentemente, porque não houve nenhuma combinação, o Senador Lauro Campos apresentou também um projeto relativo ao salário mínimo tão light e moderado quanto o meu. Somos absolutamente moderados.

O meu projeto objetiva recuperar o valor do salário mínimo em 1940, que, segundo o DIEESE, corresponderia hoje a R$716,40. O meu projeto propõe que o salário mínimo seja reajustado para R$200,00 em 1º de maio de 1988; a partir daí, teria um incremento trimestral da ordem de 6,58%, o que faria com que, no dia 1º de maio de 2003, chegasse aos R$716,40. Naturalmente, as correções são à parte, visto que esse percentual de 6,58% corresponde a aumentos trimestrais reais. O projeto prevê também que o valor seja corrigido de acordo com o INPC, trimestralmente: mera correção, uma reposição da inflação. Então, teríamos, daqui a 5 anos, um salário mínimo com o poder aquisitivo correspondente ao seu valor em 1940.

Acreditamos que isso pode contornar os problemas que são levantados contra o aumento do salário mínimo toda vez que ele se apresenta, quais sejam: problemas relativos à folha de pagamento das Prefeituras, da Previdência Social etc. A meu ver, essa seria uma demonstração que o Congresso Nacional poderia dar no sentido da recuperação do poder aquisitivo do salário mínimo.

O Sr. Lauro Campos - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Com muito prazer, concedo o aparte a V. Exª, Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos - Foi, nobre Senador José Eduardo Dutra, realmente, uma coincidência o fato de, passados tantos anos, V. Exª ter apresentado um projeto em que demonstra suas preocupações e também a sua descrença em torno de uma recuperação decente do salário mínimo no País; e eu, compartilhando de sua vergonha, também tenha apresentado um projeto, em parte, no reconhecimento de que a socialdemocracia que aí está, que não passa de uma maquilagem no perfil do PFL, do partido do neoliberalismo brasileiro, aviltou de tal forma o salário mínimo no Brasil que eu tenha proposto que esse salário se fixasse em uma figura mínima em relação ao salário máximo. Desanimado de ver ser corrigido o salário mínimo e sabendo do caráter concentrador de renda - egoísta, excludente de nossa sociedade -, propus que o salário mínimo fosse fixado em 1/60 do salário máximo, na esperança de que, nos próximos anos, fosse ele realmente aumentado para se fixar no patamar de 1/50 do salário máximo. Em outros países civilizados, seria realmente um absurdo que um Senador trabalhista, socialista viesse a apresentar um projeto que contivesse tamanha injustiça social. Todavia, o quadro que aí está não nos deixa grandes escolhas e, portanto, em vez dos R$700 que já seriam pouco com relação aos R$1.400,00 do salário mínimo existente na França, com relação à remuneração de mais de US$1.000 por mês dos trabalhadores norte-americanos assegurada pelo governo, propus, também envergonhado, esse projeto. Lembro-me, deixando de lado as estatísticas mentirosas e distorcentes, que, no Brasil, no início dos anos 50, o salário mínimo correspondia a 7 vezes menos o salário máximo pago aos mais bem remunerados funcionários públicos do País. Naquela ocasião, a diferença era a mesma que se verificava na Inglaterra, por exemplo, em 1976: o salário mínimo era 1/7 do máximo. Eu proponho que seja 1/60, apenas, do máximo. Na medida em que o máximo sobe e se reajusta de forma tão desinibida que também vá em seu vácuo a pequena recuperação do salário mínimo no Brasil. Se o meu projeto passasse agora, o que realmente não se verificará, poderia se valer, por exemplo, do próximo reajuste do teto máximo: se for para R$12 mil, o salário mínimo poderá atingir algo em torno de R$220,00. De modo que nós dois estamos envergonhados por apresentar apenas esses números tão diminutos, tão acanhados, para neles fixar o salário mínimo dos trabalhadores brasileiros. Compreendo a modéstia da proposta de V. Exª, porque é com a mesma modéstia que se reveste a minha. Muito obrigado, Senador José Eduardo Dutra.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Senador José Eduardo Dutra, V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Concedo o aparte a V. Exª, Senador Antonio Carlos Valadares.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Senador José Eduardo Dutra, V. Exª, com esse projeto, abre à discussão um grande problema que existe no Brasil e que vem causando sérias expectativas no seio da classe trabalhadora, porque um salário mínimo de R$120, para fazer face às despesas, às necessidades básicas do trabalhador que ganha salário mínimo, é realmente uma utopia, não existe na prática. É preciso que toda a família trabalhe, desde o cabeça da família. A mulher, os filhos, todos dentro de casa devem exercer alguma atividade; do contrário, o aluguel não será pago, não haverá vestuário, não haverá dinheiro para cuidar da educação, da alimentação... enfim, será um lar totalmente entregue à miséria e ao abandono. De sorte que acredito que, com esse projeto, V. Exª cumpre uma tarefa muito grande de abrir esse debate, de mostrar ao Executivo Federal que uma política social deve ser implementada no sentido de proporcionar melhores condições de vida aos trabalhadores, inclusive fazendo uma reforma tributária na qual sejam proibidas determinadas anistias; que as fraudes sejam combatidas, que a renúncia fiscal, hoje indiscriminada, seja limitada, porque recursos importantes do Governo Federal, da União, dos Estados e Municípios são desviados para outras finalidades que não as de um quadro social injusto, como o que estamos vivendo em nossa Pátria. Assim, V. Exª contará, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, com o meu total apoiamento, já que nós dois somos membros daquela Comissão, e esse projeto será discutido ali. O PSB apóia integralmente o posicionamento de V. Exª nesse projeto que visa a corrigir uma grande injustiça, assegurando aos trabalhadores o reajuste do salário mínimo.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Muito obrigado, Senador Antonio Carlos Valadares.

O Sr. Eduardo Suplicy - V. Exª concede-me um aparte?

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães) - Eu gostaria de advertir V. Exª de que faltam menos de 3 minutos e, como os apartes de apoio a V. Exª estão sendo muito longos, V. Exª tem esses 3 minutos.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Vou só conceder o aparte ao Senador Eduardo Suplicy e concluirei meu pronunciamento.

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães) - Obrigado.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Concedo o aparte ao Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Senador José Eduardo Dutra, o projeto de V. Exª tem o propósito de recuperar o valor, em termos de poder aquisitivo, do salário mínimo. É importante considerarmos que, em primeiro lugar, houve uma deterioração muito grande do salário mínimo, desde os anos 40, continuando pelos anos 60, 70 e, inclusive, ao longo dessas últimas décadas. A recuperação prometida pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso de dobrar, em termos reais, o salário mínimo, ainda está longe de ser alcançada em termos reais. No debate sobre o salário mínimo, é interessante notar as experiências empíricas observadas pelos economistas nos Estados Unidos e na Europa. Recentemente, o Governo Bill Clinton aumentou o salário mínimo em duas etapas, e o que se observou foi a não-deterioração do grau de emprego; ao contrário, continuou a haver aproximadamente o mesmo grau de emprego, sem se deteriorar em função do recente aumento de salário mínimo, realizado em duas etapas, de forma gradual - aliás, conforme V. Exª está propondo. Outra observação importante é que na Inglaterra, onde não há o salário mínimo, o Governo liderado pelo Primeiro-Ministro Tony Blair está considerando a introdução do salário mínimo como algo relevante, que não viria a atrapalhar. Por outro lado, gostaria de ponderar - o que avalio seja importante - que tenhamos no Brasil, como em outros países, os dois conceitos: o do salário mínimo, cujo valor deve ser progressivamente ajustado para recuperar o seu valor aquisitivo, e a garantia de uma renda mínima ou de uma renda de cidadania até mesmo para aquela pessoa eventualmente desempregada mas que deve ter direito a um mínimo de sobrevivência, direito a partilhar da riqueza da Nação como um direito à cidadania. Com esses conceitos e essa experiência, esse debate será muito relevante na discussão do projeto de V. Exª.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Muito obrigado ao Senador Eduardo Suplicy, ao Senador Antonio Carlos Valadares e ao Senador Lauro Campos pelos apartes.

Para concluir, Sr. Presidente, quero dizer que o meu projeto e o do Senador Lauro Campos têm alguns aspectos diferenciados. O do Senador Lauro Campos estabelece uma vinculação entre salário mínimo e o salário do Presidente da República - o maior salário; e o meu estabelece uma recuperação baseada nos anos 40. Mas os dois projetos têm pelo menos duas coisas em comum: primeiramente, já diz o Senador Lauro Campos, são dois projetos tímidos, que nós até não gostaríamos de ter necessidade de apresentar; segundo, os dois projetos estabelecem esse aumento de forma gradual; portanto, não poderão nos acusar de estarmos querendo quebrar Prefeituras no Brasil.

Acreditamos que o Relator que vier analisá-los deverá pedir a tramitação conjunta dos mesmos. O que esperamos é que o projeto não tenha o caminho das gavetas, como tantos outros que procuram restabelecer o poder aquisitivo do trabalhador no Brasil, tal como o Projeto de Renda Mínima do Senador Eduardo Suplicy, aprovado aqui no Senado, inclusive com pronunciamento muito enfático do atual Presidente da República, então Senador Fernando Henrique, mas que infelizmente está engavetado na Câmara dos Deputados há muito tempo.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/1997 - Página 11849