Discurso no Senado Federal

RESTRIÇÕES AO RESULTADO DO JURI NO ESPIRITO SANTO, QUE CONDENOU O SR. JOSE RAINHA, LIDER DO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA, A 26 ANOS DE PRISÃO.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • RESTRIÇÕES AO RESULTADO DO JURI NO ESPIRITO SANTO, QUE CONDENOU O SR. JOSE RAINHA, LIDER DO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA, A 26 ANOS DE PRISÃO.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Geraldo Melo.
Publicação
Publicação no DSF de 20/06/1997 - Página 11948
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, JUSTIÇA, DECISÃO, JURI, ESTADO DO ESPIRITO SANTO (ES), CONDENAÇÃO, JOSE RAINHA, LIDER, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, JUDICIARIO, BRASIL, RELAÇÃO, IMPUNIDADE, CLASSE SOCIAL, RIQUEZAS.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, como professor universitário, lecionei durante muito tempo Economia Política e Sociologia, mas, como advogado, militei a vida inteira no Tribunal do Júri. Sou um apaixonado pelo Tribunal do Júri, por entender que ele é uma demonstração de democracia e de liberdade. Como advogado, sempre trabalhei na defesa; não tenho condições, sou incompetente e sou fraco para trabalhar na acusação. Nunca tive condições. Às vezes, até, amigos meus que tinham parentes brutalmente assassinados me pediam para ser assistente da acusação e eu não aceitava, não porque não achasse que a pessoa deveria ser condenada, pelo contrário, mas por não ser da minha índole. Cada um nasce para alguma coisa.

Sempre digo que o discurso mais fácil para fazer é o do orador de um partido político, na tribuna. Não precisa nem ser o nosso orador da Paraíba, que, com a sua poesia, encanta a todos; qualquer Pedro Simon vai à um comício - lá são todos companheiros -, diz o que quiser e todos batem palmas. No comício podemos dizer as coisas mais irresponsáveis e sabemos que o aplauso é fácil.

O discurso da tribuna já é mais difícil, porque, enquanto se fala, os colegas assistem, pedem aparte, debatem. Então o discurso da tribuna é muito mais difícil do que o discurso do palanque do comício. No palanque, diz-se o que se quer e o povão bate palmas, sem saber se é verdade ou não; ele é fã e bate palmas.

Da tribuna, tem-se que medir o que se vai dizer, porque, conforme o que dissermos, o colega pode pedir um aparte e dizer que estamos completamente fora da realidade.

O terceiro tipo de discurso, que entendo como mais difícil do que esse da tribuna, é o discurso do professor universitário, principalmente quando se trata de matérias como as que eu lecionei, Economia Política ou Sociologia, em que não é necessário ser um douto para estudá-la, lê-la, compreendê-la, para formar um pensamento pessoal e divergir.

Eu era Deputado, jovem, lecionava na Faculdade de Direito e na Faculdade de Filosofia, fazia aulas dinâmicas de discussão, de polêmica, na época de regime militar inclusive, e havia pessoas que se preparavam, estudavam e vinham para cima de mim para me pegar numa contrafação.

Senador Josaphat Marinho, V. Exª já participou de júri, sabe e há de concordar comigo: o discurso mais difícil é o do tribunal de júri. Ali, há uma vida à sua disposição; de acordo com seu desempenho, haverá a absolvição ou a condenação do cidadão. Da sua atuação e conhecimento dependerá a vida, a dignidade, a honra, a cadeia ou a liberdade de um cidadão.

Tenho o maior respeito pelo tribunal do júri. Considero uma grande instituição. Por isso, penso que, se a decisão da Justiça é para se cumprir, então a decisão do tribunal do júri deve ser respeitada também.

Mas, confesso, Sr. Presidente, que vejo com grandes restrições o resultado do júri no Espírito Santo, que condenou a 26 anos de cadeia o líder dos trabalhadores rurais, o Sr. Rainha. Com todo respeito ao Sr. Juiz, li a sentença e nela vi a condenação do Movimento dos Sem-terra - o que é um direito dele até. Mas não era o Movimento dos Sem-Terra que estava sendo julgado naquele momento; mas, sim, o assassinato covarde de um proprietário de terra e de um brigadiano sem farda que estava com ele. A pergunta era se o Sr. Rainha tinha sido o co-autor ou não. O Rainha negava, dizendo que não. E uma testemunha, o Coronel da Brigada de Fortaleza, que não tem nada a ver com partido de oposição, com o PT, com os sem-terra - pelo contrário, é das pessoas envolvidas no sentido contrário -, veio do Ceará e deu a seguinte declaração: "Nesse dia eu estava no interior do Ceará, onde participei de um movimento em que havia envolvimento numa questão de terra e o Rainha estava lá!" Foi a declaração do Coronel da Brigada do Ceará. Além dele, vieram duas outras testemunhas lá do Ceará, uma delas é um vereador, que também não é de partido de oposição. Em uma comissão especial foram à cidade onde ocorreu esses acontecimentos: "Nós estávamos lá e vimos o Rainha nesse dia, no movimento sem-terra lá no Ceará".

Rainha foi condenado e nós sabemos que há um princípio universal no Direito Penal "in dubio pro reo", ou seja, "na dúvida, absolve-se", porque é muito melhor um criminoso solto injustamente do que um inocente colocado na cadeia injustamente. E ele foi condenado a 26 anos!

Ouvi a entrevista do Prefeito do Município - não sei nem qual o seu partido - que disse claramente que o que tinha sido julgado era o Movimento dos Sem-Terra e que tinha sido lavada a honra daquele Município pelo cidadão Rainha, que tinha matado um proprietário de terra. E, diga-se de passagem, todas as informações eram de que esse proprietário de terra era um homem bom, digno e correto. Convém que se diga que houve uma invasão numa terra do interior do Espírito Santo. O proprietário dessas terras, de manhã cedo, dirigia-se à sua propriedade quando foi assassinado. Não houve conflito, não houve luta; houve um ataque, um assassinato covarde pelas costas.

É claro que o ambiente da cidade era de revolta. Não consigo entender, perdoem-me, como o juiz não desaforou o processo para a capital, ou pelo menos para a cidade mais próxima. Não consigo entender como o Tribunal de Justiça do Espírito Santo não aceitou o recurso e não desaforou esse processo, porque seria natural supor que, se o proprietário das terras, se o fazendeiro covardemente assassinado era um homem de bem, era um homem por quem todos tinham carinho e respeito, o ambiente seria esse.

Não foram felizes os líderes da oposição, os líderes dos sem-terras em terem ido lá fazer manifestações e discursos na véspera do julgamento. Não foram felizes porque ajudaram a politizar o ambiente.

No momento em que os líderes políticos, que os líderes dos sem-terras chegaram à cidade, causando movimento e discussão, eles mobilizaram ainda mais, radicalizaram ainda mais, apaixonaram ainda mais a situação.

Ficou mal para nós, Sr. Presidente. O Movimento da Justiça e Paz Internacional já está considerando o Sr. Rainha como perseguido político. Isso não é verdade. Ele foi julgado por um tribunal do júri, de acordo com as leis. Mas, na minha opinião, não foram felizes nem o juiz nem o tribunal, porque era um caso de desaforamento.

Foi condenado a 26 anos, Sr. Presidente. E, assim, já vai a novo júri, independentemente de qualquer recurso. Acreditando e confiando que os advogados de defesa do Sr. Rainha já devem ter pedido, baseado nesse resultado inclusive, um novo desaforamento, eu faria daqui um apelo ao tribunal para que medite, porque entendo que o desaforamento para a capital deve ser concedido.

Ora, Sr. Presidente, a impressão que se tem perante a opinião pública, que se vende à opinião pública é esta: estão vendo, o Sr. Rainha foi condenado a 26 anos de cadeia; o Collor está no exterior; o PC, antes de ser assassinado, já estava em liberdade.

Enfim, o que dizem, Sr. Presidente, é que, no Governo Itamar Franco, um proprietário rural do Estado de Goiás, Secretário de Governo do Distrito Federal, Presidente da Sociedade Agrícola e Industrial de Brasília foi escolhido Ministro da Agricultura, e os jornais destacaram, em manchete, que esse homem, Ministro da Agricultura do Governo Itamar Franco, matou duas pessoas, foi processado por assassinato, foi denunciado. O juiz deu a sentença declaratória, marcando a sessão do tribunal do júri. Lá se vão nove, dez anos, e até hoje nada do júri. O impacto da notícia foi tão grande, a reação foi tão imensa que o Presidente Itamar Franco teve que afastá-lo do Ministério da Agricultura.

Depois de tantas manchetes, depois de todas essas notícias, o cidadão continua andando pelas ruas de Goiás e de Brasília, e o júri ainda não foi marcado. Estão esperando a prescrição. E todo mundo diz, abertamente, que estão esperando o decurso de prazo.

No entanto, no caso do Sr. Rainha, ele foi condenado a 26 anos e 6 meses, em um processo que vinha se arrastando. Quando o Sr. Rainha não era ninguém, quando não se sabia quem era o tal do Rainha, ninguém se lembrou de fazer andar o processo. Mas, de repente, quando o Sr. Rainha começou a aparecer, tocaram o processo adiante. Ele saiu não sei de que gaveta, e o júri já decidiu.

O Sr. Geraldo Melo - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Com o maior prazer.

O Sr. Geraldo Melo - Senador Pedro Simon, longe de mim querer trocar opinião com V. Exª a respeito de um assunto em que V. Exª é, sem dúvida, uma das maiores autoridades nesta Casa. Acho que faz parte do sentimento nacional, que V. Exª tão bem interpreta muitas vezes aqui, a tese da necessidade de se pôr fim à impunidade, seja levando a júri ex-Ministros que tenham cometido assassinato, seja levando a júri lideranças populares que estejam à frente de movimentos, por mais simpáticos que possam ser. Não conheço esse processo, não pretendo opinar sobre ele, tudo o que sei é que o Sr. José Rainha, apesar de condenado, continua na rua, tanto quanto o ex-Ministro. E se faz oito ou dez anos que esse Ministro espera por um júri, o que me dizem é que o Sr. José Rainha esperou oito.

O SR. PEDRO SIMON - É verdade.

O Sr. Geraldo Melo - De maneira que é mais ou menos o mesmo. A sociedade deu ao Sr. José Rainha o mesmo tratamento que deu ao ex-Ministro. Mas pedi o aparte a V. Exª para dizer uma coisa. No fundo, independentemente do problema do Sr. José Rainha, o que se está discutindo, o que vejo, o que emana da discussão de V. Exª é uma grande questão sobre a instituição do tribunal do júri, da qual sou tão entusiasta como V. Exª. Mas, veja bem, V. Exª se recorda, talvez,...

O SR. PEDRO SIMON - Veja como eu me preveni do aparte de V. Exª: eu comecei defendendo o tribunal do júri.

O Sr. Geraldo Melo - Quero salientar isso, eu concordo com a posição de V. Exª; é a minha. O que quero colocar é que talvez V. Exª se recorde que fui designado relator de plenário em um projeto controvertido, pelo qual paguei severamente, que tratava do julgamento, pela Justiça Comum, dos crimes militares - se V. Exª puder ficar atento, eu lhe agradeço.

O SR. PEDRO SIMON - Pelo amor de Deus, estou todo atento a V. Exª!

O Sr. Geraldo Melo - Fui o Relator do chamado Projeto Hélio Bicudo, e parecia que eu era contrário ou a favor de algum tipo de impunidade quando apresentei um substitutivo que o Senado aprovou. O que eu queria era incorporar ao discurso de V. Exª uma informação. Eu vi na televisão, esta manhã, que um ex-soldado da Polícia Militar do Rio de Janeiro, um dos protagonistas da chacina da Candelária, que foi ao primeiro júri e foi condenado a duzentos e tantos anos de cadeia, foi ontem ao segundo júri. Não foi à Justiça Militar, foi a um júri popular, no Rio de Janeiro, e foi absolvido, Senador Pedro Simon. Estou apenas incorporando isso porque a linha de discussão que tivemos naquela época - não eu com V. Exª, mas nós todos, a sociedade -, em torno daquele projeto, presumia que se garantiria o fim da impunidade levando os militares à Justiça Comum, que é uma instituição fundamental para a democracia e que, com todos os seus defeitos, precisa ser defendida por todos nós. Cito para V. Exª o fato de um militar, participante da chacina da Candelária, ter sido julgado e absolvido ontem pela Justiça Comum, pelo júri popular.

O SR. PEDRO SIMON - Com relação à parte final, não poderei responder a V. Exª, mas me comprometo a buscar os jornais de hoje, pois não tinha conhecimento desse fato.

Com relação à parte inicial, quero dizer a V. Exª duas coisas. Primeiro, o caso do Ministro da Agricultura, do Secretário da Agricultura de Brasília é igual ao caso de Rainha? É. Os dois fatos ocorreram há dez anos? Sim. Há dez anos o ex-Ministro da Agricultura está pronunciado; quer dizer, há 10 anos poderia ter sido marcado o júri para daí a dois meses, mas há 10 anos não marcam. E não é que ele esteja em lugar incerto e não sabido. Às vezes, não se sabe, porque são tantos crimes, são tantos processos, a atividade é tanta que não nos damos conta. Mas as atenções estavam voltadas para esse cidadão por ser ele um homem importante, que diariamente era notícia nos jornais. Ele estava nos jornais por ser Presidente da Federação da Agricultura de Brasília, como Secretário da Agricultura do Governo de Brasília, e como Ministro da Agricultura. Ele saía tanto nos jornais que, quando indicado Ministro, alguém berrou e saiu a reportagem. Da reportagem houve a resposta política: o Presidente da República demitiu o Ministro; mas não houve a resposta jurídica. Até agora não marcaram a sessão do tribunal do júri. E isso aconteceu com o Ministro.

Com relação ao Rainha, o fato ocorreu há dez anos. É verdade! Mas estava na gaveta! Não havia desenvolvimento do processo. Quando Rainha ganhou projeção, correram para fazer o processo, marcaram o júri e o fizeram.

Não sou contra, Senador, pelo amor de Deus! Não sou contra que se faça o júri nem nada. Acho que o do Rainha está certo; o errado é o outro! O do Rainha está certo!

O que estou dizendo, nobre Senador, é que existe, no Código de Processo Penal, uma instituição que se chama desaforamento. O que quer dizer isso? O tribunal do júri tem que julgar com tranqüilidade, tem que julgar com serenidade, não pode julgar com paixão. Quando os crimes são políticos, Senador, quando um prefeito é assassinado por questão partidária, quando se trata de uma questão muito gritante, ficamos - o povo, eu, V. Exª, e não há nada de mais - apaixonados e perdemos a isenção para julgar. O tribunal diz que quando não há essa isenção deve haver o desaforamento. É isso que estou pedindo. Não estou dizendo nada, pelo amor de Deus! Não estou dizendo que como o Ministro não foi a júri, está errado o do Rainha. Ir a júri está certo! O do Rainha está certo! O que não está certo é não dar o desaforamento.

O homem era um grande fazendeiro, um homem de bem, um homem sério, todo mundo gostava dele. Até a Oposição errou! Os Líderes políticos do PT e da reforma agrária foram todos para a cidade, o que aumentou o clima de radicalização.

Sr. Presidente, falei inclusive com o Senador Elcio Alvares, Líder do Governo, que é do Espírito Santo e que foi Presidente da OAB daquele Estado, no sentido de que fizesse chegar ao Tribunal de Justiça esse apelo. Que bom seria se, depois disso, esse segundo júri fosse desaforado para a vitória e o julgamento feito com tranqüilidade, com serenidade, na capital do Estado! Aí sim, qualquer coisa que viesse a ocorrer, saberíamos que foi fruto de uma decisão que pode até estar errada, mas que é do Tribunal do Júri e merece respeito.

Não poderíamos cobrar dos jurados uma atitude diferente, porque o ambiente era de paixão, e eles só tinham que julgar como julgaram: com paixão.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Ouço V. Exª.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permita-me apenas cumprimentar V. Exª pela ponderação e equilíbrio das suas palavras.

O SR. PEDRO SIMON  - Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/06/1997 - Página 11948