Discurso no Senado Federal

GRITO DE SOCORRO DOS MORADORES DO VALE DO JARI, DEFENDENDO A RECUPERAÇÃO DA EMPRESA JARI CELULOSE, COM VISTAS A SOLUCIONAR OS PROBLEMAS DA COMUNIDADE LOCAL. PLANO MINIMO PARA O DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO DO VALE DO JARI.

Autor
Sebastião Bala Rocha (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AP)
Nome completo: Sebastião Ferreira da Rocha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • GRITO DE SOCORRO DOS MORADORES DO VALE DO JARI, DEFENDENDO A RECUPERAÇÃO DA EMPRESA JARI CELULOSE, COM VISTAS A SOLUCIONAR OS PROBLEMAS DA COMUNIDADE LOCAL. PLANO MINIMO PARA O DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO DO VALE DO JARI.
Publicação
Publicação no DSF de 20/06/1997 - Página 12001
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • DEFESA, RECUPERAÇÃO, FABRICA, CELULOSE, REGIÃO NORTE, GARANTIA, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, BEM ESTAR SOCIAL, POPULAÇÃO, MUNICIPIO, LARANJAL DO JARI (AP), VITORIA DO JARI (AP), ESTADO DO AMAPA (AP), ALMEIRIM (PA), ESTADO DO PARA (PA).
  • DEFESA, IMPLEMENTAÇÃO, PLANO BASICO, VIABILIDADE, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, REGIÃO, PROJETO JARI, CONSTRUÇÃO, USINA HIDROELETRICA, CONCLUSÃO, PONTE, RIO JARI, IMPLANTAÇÃO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, AGROTECNICA, DESENVOLVIMENTO, TURISMO, PROMOÇÃO, SANEAMENTO BASICO, HABITAÇÃO POPULAR, ESTUDO, CRIAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO.

O SR. SEBASTIÃO ROCHA (Bloco/PDT-AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, minha presença na tribuna, nesta tarde, tem como principal escopo fazer ecoar pelo Brasil afora o grito de socorro dos moradores da região do Vale do Jari, que compreende os Municípios de Laranjal do Jari e Vitória do Jari, no Amapá; e Almeirim, no Estado do Pará, onde vivem aproximadamente 100 mil pessoas.

Embora seja um contestador do processo de colonização da Amazônia e, portanto, questione a concepção do Projeto Jari, implantado às margens do rio Jari, e que abrange os Estados do Pará e do Amapá, defendo com ênfase, determinação e entusiasmo, a recuperação econômica da empresa Jari Celulose, que, uma vez implantada na nossa região, tem sido uma mola propulsora da economia local, apesar das inúmeras mazelas provocadas em função, sobretudo, do processo intenso de migração de uma população carente de emprego e da falta de condições mais dignas de sobrevivência, resultando numa grande massa populacional totalmente excluída das atenções básicas nas áreas de saúde, educação, lazer e bem-estar social geral.

Recentemente, um incêndio no sistema de geração de energia elétrica provocou a paralisação temporária da fábrica de celulose, situação que pode perdurar por aproximadamente seis meses, tendo como principal conseqüência o desemprego em massa de aproximadamente 7.500 pessoas - 1.500 empregos diretos e 6.000 indiretos -, agravando ainda mais a situação de exclusão a que estão submetidos tantos brasileiros.

Recebemos desde ontem, em Brasília, representantes do Movimento SOS Jari, integrado pelos Prefeitos de Almeirim, Aracy Bentes; de Laranjal do Jari, Manoel Gomes Coelho; e de Vitória do Jari, Luíz França Meirão Barroso, vereadores, representantes dos trabalhadores e dos empresários dos municípios da região. Vieram aqui com o principal objetivo de sensibilizar e mobilizar os Parlamentares, os Ministros de Estado, o Presidente do BNDES e, sobretudo, o Presidente da República, em favor das reivindicações que constam de um manifesto, que solicito à Mesa seja transcrito na íntegra nos Anais da Casa.

Sobre a questão da região do Jari, elaborei um trabalho que faço questão de apresentar à Casa e que tem como base publicações literárias de dois ilustres paraenses que estão morando na região: Cristóvão Lins, que publicou o livro "Jari, 70 Anos de História", e Osvaldino Raiol, que publicou "A Utopia da Terra na Fronteira da Amazônia".

Também aproveito a prestimosa contribuição de Irene Garrido Filha e Lúcio Flávio Pinto. Ao final do trabalho apresento a proposta de um programa de desenvolvimento para a Região do Vale do Jari.

Srº Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é cada vez maior a presença de empresas multinacionais na Amazônia, cujo interesse é facilmente compreensível: naquela região se encontra a maior reserva mundial de recursos naturais. Os países industrializados são cada vez mais carentes de matérias-primas e de alimentos. E a floresta amazônica representa poderoso pólo de atração, por causa da crescente diminuição das áreas de florestas tropicais do mundo, seja pela destruição resultante da utilização irracional feita pelas multinacionais, seja pela política de preservação de seus recursos, postas em cursos em várias nações, sobretudo a Ásia.

As riquezas minerais abundantes e de alto teor existentes na Amazônia, são extremamente cobiçadas. Além da madeira, a celulose é produto dos mais cotados no mercado internacional. Além disso, há extensas superfícies onde é possível desenvolver a pecuária a baixos custos, comercializando a carne frigorificada no mercado mundial. Cereais são cultiváveis, também a custos baixos, em suas férteis várzeas.

Somem-se a esses atrativos de peso para as multinacionais, as facilidades sob formas de isenção de impostos e de incentivos, associadas aos lucros substancialmente acrescidos pelos baixos salários dos trabalhadores.

Esse quadro de amplas facilidades atraiu e continua atraindo inúmeras empresas de capital estrangeiro que se estabeleceram na Zona Franca de Manaus, Mato Grosso, Rondônia, Pará, Amapá e em toda Amazônia.

Dados recentes de sensoriamento remoto coletados pelo INPE indicam que extensas áreas da Amazônia brasileira vêm sendo modificadas de florestas para pastagens e terrenos agrícolas, cabendo ressaltar que, mesmo com a fiscalização dos órgãos competentes, cerca de 70% a 80% de todo o desmatamento registrado na Amazônia é ilegal.

A Amazônia, de acordo com dados também coletados pelo INPE, já perdeu, ao longo deste século, cerca de 500 mil quilômetros quadrados de suas florestas tropicais nativas. A taxa anual de desmatamento, que estava em queda desde o final de década de 80, voltou a crescer a partir de 1991, de 0,37% para 0,40% no período de 1992 a 1994. Isso equivale a um aumento anual de área desmatada de cerca de 15 mil quilômetros quadrados.

Somente agora os órgãos federais estão exigindo a utilização de métodos racionais na extração de madeiras. Até há pouco tempo, para cada árvore derrubada na floresta amazônica outras 27 eram destruídas, seja porque estavam enredadas pelos mesmos cipós, seja pela abertura de estradas. Essa é apenas uma das marcas deixadas pela extração irresponsável de madeiras na Amazônia.

A esse respeito, a Edição 1.500 da Revista Veja, de 18 de junho do corrente ano, denuncia o mais novo pesadelo ecológico brasileiro: madeireiros da Ásia chegam ao Amazonas depois de deixar um rastro de destruição em outros países.

Pelo Porto de Manaus desembarcam na cidade tratores e guindastes e, amarrados por cabos de aço, enormes comboios de troncos de árvores congestionam os afluentes do Amazonas. Segunda a revista, os responsáveis por isso são cinco grupos madeireiros internacionais que, estimulados pelas autoridades locais e ignorados pela fiscalização do Ibama, estão instalando grandes serrarias na Região Amazônica.

Em toda a região Amazônica, existem, no momento, 22 empresas estrangeiras em operação, a maioria da Ásia, mas há também empresas de capital americano, português, dinamarquês e de outros países.

O receio de que as madeireiras asiáticas repitam na Amazônia o que fizeram no Vietnã, no Camboja e na Tailândia e o que agora estão fazendo na África, na América Central e na América do Sul ensejou a criação de uma comissão de investigação na Câmara dos Deputados, que, até agora, já ouviu depoimentos de vários ecologistas, madeireiros e funcionários do Governo. Mas desconhecemos quaisquer providências adotadas por aquela comissão.

O Projeto Jari é um exemplo típico da ocupação da Amazônia nos moldes do desenvolvimento capitalista: as multinacionais e os grandes centros metropolitanos mundiais sugam os recursos naturais das chamadas regiões subdesenvolvidas, industrializando-os e fazendo a comercialização internacional à base, portanto, da mínima aplicação de capitais e com a obtenção de rendimentos máximos ou superlucros. E é oportuno lembrar que, nas terras do Projeto Jari, estão presentes quase todos os múltiplos recursos da Amazônia.

Esse projeto é, portanto, um exemplo didático de que a política do Governo de estímulo à expansão do setor exportador, com omissão do desenvolvimento do mercado interno, acentua visivelmente a nossa dependência econômica.

O Amapá é, sem dúvida, um dos Estados brasileiros mais atingidos por esse processo de apropriação, com o capital estrangeiro avançando sobre o camponês amapaense, expropriando-o e, em seguida, explorando-o. Essa forma de expropriação na região redundou na separação do camponês da terra, com a falsa propagação de independência econômica em razão dos "altos salários" oferecidos por essas empresas.

Foi durante o Governo Vargas que se adotou o entendimento de que era preciso promover o desenvolvimento das áreas de fronteira com "segurança nacional", o que acabou contribuindo para a ocupação desordenada do Amapá e sua fronteira, em grande parte como conseqüência da política até hoje em curso que impossibilita o Estado de promover a sua organização política e abre o caminho para a exploração econômica dos recursos da fronteira por esses grandes grupos econômicos nacionais e e estrangeiros.

Pode-se creditar a essa estratégia equivocada de desenvolvimento associada à política interna de concentração dos investimentos na capital amapaense, presentes nos Governos nomeados e também nos eleitos, a exclusão da sociedade nos destinos da fronteira, preferindo-se optar pelo "desenvolvimento" do território apoiado na abertura do processo de açambarcamento da riqueza do Amapá pelos grandes grupos econômicos nacionais e internacionais, causando danos irreparáveis na sua economia e no seu sistema produtivo.

Esse processo de apropriação começou significativamente em 1946, com o surgimento da Icomi, dona das jazidas de manganês do Amapá, iniciando uma fase marcada pela expectativa de melhores dias, pelo sofrimento e pela lenta apropriação da terra camponesa, seguida pelas mudanças no processo de ocupação da Amazônia, com destaque para a chegada na Amazônia, em 1967, do bilionário norte-americano Daniel Ludwig.

A realidade parece demonstrar "que a expropriação do camponês de sua terra não promove a criação de um novo trabalhador urbano, de um trabalhador de indústria, porque ele é um trabalhador rural, um trabalhador diferente das exigências do sistema capitalista. E, particularmente, o camponês amapaense é um produtor antigo, formado dentro de uma história social ligada à terra da fronteira norte do País, que lhe dá todo o perfil cultural e a particularidade do seu sistema de produção, do seu modo de vida. É dessa forma que a expropriação do camponês amapaense promove potencialmente um favelado, exatamente porque ele terá imensas dificuldades de se inserir em um sistema de produção que seja diferente do seu". Este, um excerto do Livro A Utopia da Terra na Fronteira da Amazônia, de 1992, de autoria de Osvaldino Raiol. 

Tomemos como exemplo dessa realidade, Sr. Presidente, o Município de Serra do Navio, organizado e urbanizado em plena selva amazônica, que está com seus dias contados. Com aproximadamente três mil habitantes, Serra do Navio tem o menor índice de analfabetismo do País e emprega quase todos os seus moradores em idade produtiva. Mas a exploração do manganês, finalidade da criação do município, acaba nos próximos anos, e a vila modelo poderá se transformar numa cidade fantasma.

A verdade é que o minério já está exaurido e a Indústria e Comércio de Minérios - Icomi, que explora a jazida de manganês desde 1953 e sustenta todas as atividades do município, poderá retirar-se de Serra do Navio antes mesmo do fim do ano 2000. Vale ressaltar que seu contrato de exploração encerra no ano 2003.

É nessas condições, sem nenhum cuidado, sem planejamento e de forma irracional, que a mão-de-obra é aproveitada no interesse dos grandes projetos e reaproveitada exaustivamente, numa escala que vai da expropriação camponesa à favelização urbano-rural, sem risco de nenhuma conseqüência política. Isso ocorre por causa das facilidades político-econômicas do controle da exploração dos recursos naturais e da mão-de-obra.

Diante de todo esse quadro de pobreza é comum, portanto, o reagrupamento da população dentro da área de influência dos grandes projetos, segundo seus interesses quanto ao aproveitamento da terra e da mão-de-obra. Assim ocorreu com o grupo Caemi que tomou conta da mão-de-obra de Porto Grande, causando um deslocamento da população, interrompendo o ciclo natural e deixando a impressão de fracasso da atividade extrativista a que estava ligado.

A bem da verdade, essa realidade sempre predominou no Amapá. Até mesmo a aspirada autonomia política alcançada a partir da promulgação da Constituição de 1988 foi quase que uma ficção, tal tem sido a sua dependência em relação à União, até mesmo para o pagamento dos servidores.

Agora é a Chamflora - Amapá Agroflorestal Ltda., que se estabelece no Amapá para executar um projeto de reflorestamento e produção de cavacos ou chips de madeira, com a produção total voltada para o mercado internacional e sintonizada com os interesses da Champion Internacional Co. Essa empresa adquiriu recentemente a Amapá Celulose - AMCEL, que pertencia ao grupo Caemi. O custo do investimento total no Amapá está estimado em US$250 milhões, gastos com a aquisição das terras, com o reflorestamento e com a construção da unidade industrial e sua infra-estrutura. Está prevista a construção de um terminal privativo na área de Porto Santana, no rio Amazonas, para receber navios de grande calado.

Somente em 1999, a Champion começará a detalhar a sua nova unidade industrial de cavacos, provavelmente instalada no Município de Porto Grande, que entrará em operação por volta do ano 2002 ou 2003, com um custo estimado de US$20 milhões.

Todavia, é bom que se diga que o empreendimento, que gerará 2.000 empregos diretos, enfrenta graves denúncias no Amapá, com indícios de ilegalidades na aquisição de terras pelo grupo Champion, merecendo das autoridades providências enérgicas e urgentes, sobretudo em relação à apropriação indevida de terras públicas federais.

Creio que chegou o momento de o Governo Federal olhar com maior carinho para a Amazônia. A implementação de projetos no Amapá são indispensáveis e prementes. Não podemos mais esperar o amanhã. É preciso que a União assuma as suas responsabilidades e coloque à disposição do Estado do Amapá, das milhares de pessoas que lá estão produzindo para este País, em condições tão adversas, os recursos necessários para prosseguirem esta caminhada que hoje está, como vimos de todo o exposto, ameaçada pela falência e pela destruição.

II. O PROJETO JARI

2.1. Retrospectiva Histórica

Começo esta parte do meu pronunciamento, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, perguntando por que o representante número um do capitalismo mundial investiu cerca de US$1,3 bilhão numa região atrasada e distante dos grandes centros consumidores para só começar a ter retorno do seu investimento 13 anos após iniciar a implementação de seus projetos, concluindo-os apenas depois de 18 anos, com remotas possibilidades de estar vivo nesta ocasião?

Por mais de 15 anos, o povo brasileiro procurou uma resposta para esse aparente enigma, que fazia de Daniel Ludwig um caso singular e inquietante. Mas quando ele transferiu o controle do empreendimento para um grupo de empresas nacionais, com enormes perdas financeiras no início de 1982, poucos tinham resposta convincente para apresentar.

O projeto Jari é um empreendimento localizado numa área de 1,6 milhão de hectares, dos quais 115 mil são ocupados por florestas cultivadas (associadas a 400 mil hectares de florestas nativas). A Jari sempre foi um dos maiores latifúndios do mundo. Pertenceu primeiro ao cearense José Júlio de Andrade que, em 1948, a vendeu a um grupo de portugueses. Toda a região vivia do extrativismo até que, em 1967, o americano Daniel K. Ludwig comprou as terras sonhando com um eldorado produtivo para abastecer o mundo.

José Júlio de Andrade foi talvez o maior latifundiário do mundo. Suas terras no Estado do Pará, nos municípios de Almeirim, Porto de Móz e no Amapá totalizavam uma área de 3 milhões de hectares.

José Júlio era natural do Ceará, onde nasceu em julho de 1862. Ainda moço veio para o Pará, estabelecendo-se inicialmente na cidade de Benevides, situada às margens da estrada de ferro Belém-Bragança. Nessa cidade, José Júlio trabalhou na agricultura com seu tio que já residia no local, chamado João Pinto de Andrade. Nessa época, José Júlio tinha entre 17 e 18 anos.

Sua permanência em Benevides foi curta. Em 1882, seguiu para a região do rio Jari, na localidade de Limão, onde ficou pouco tempo, mudando-se para o local denominado Padaria. Foi nesse lugar que José Júlio realmente teve contato direto com a potencialidade da região. Trabalhava como seringueiro e coletor de castanha, vendendo sua produção para o comércio ambulante da época, que era feito na base do transporte a vela ou mesmo a remo.

Para um homem que tinha apenas o primário construir, no prazo de 15 ou 20 anos, a fortuna em terras que compõem a Jari é, sem dúvida, um feito fabuloso. José Júlio casou-se em 1897 com Laura Neno, natural de Porto de Móz, no Pará, e filha do Intendente de Almeirim, Manuel Maia da Silva Neno. O apoio do sogro e sua compreensão adiante de seus conterrâneos acerca do valor dos títulos de propriedade foram o grande ponto de partida para a construção do império latifundiário criado por José Júlio.

José Júlio foi um vitorioso porque conhecia o potencial de seus castanhais, dos seringais e de todos os recursos naturais existentes em suas terras. Acredito que se o Governo Federal tivesse tido a sensibilidade de implementar uma política direcionada para a borracha e para a castanha, provavelmente, não ocorreria esse processo de colonização que tantos danos causou ao Amapá.

A castanha foi, incontestavelmente, o maior negócio que José Júlio explorou. A produção era selecionada, sendo os maiores frutos exportados para a Europa com a marca Jari, onde até hoje é conhecida.

Apesar da febre da borracha já haver passado quando José Júlio iniciou sua vida empresarial no Jari, a extração da borracha se constituiu no seu segundo negócio, após a castanha. Convém lembrar, a título de informação, que, em 1910, a borracha quase igualou-se ao café em exportações, tendo participado com 39% e o café com 42% das exportações brasileiras.

Como político, José Júlio chegou a Senador. Nunca perdeu eleições em Almeirim. Retirou-se da região dos municípios de Almeirim, Mazagão e Porto Móz em 1948, já tendo, nessa ocasião, vendido sua pecuária da região do rio Aquiqui e, posteriormente, a Jari para um grupo de portugueses. José Júlio faleceu em 24 de junho de 1953, com 85 anos, no Rio de Janeiro.

A história da Jari já estava marcada por conflitos, e a presença de Ludwing acabou por criar mais preconceitos contra o projeto. Dizia-se que ele, já velho e sem herdeiros, deixaria tudo para o Tesouro americano e que a região do Jari seria transformada em território independente. Por essa razão foi difícil conseguir o registro definitivo das terras.

A maior aventura de Ludwing foi trazer do Japão, pelo mar, duas plataformas, uma com a fábrica de celulose e a outra com a unidade geradora de energia. Foram montadas no estaleiro Ishikawajima-Harina e custaram quase U$300 milhões. A plataforma de celulose tem 200 metros de altura e 250 metros de comprimento. O transporte durou três meses e não tem paralelo na história da navegação.

Quando a fábrica ficou em condições de funcionar, houve um imprevisto. Faltou matéria-prima, pois o tipo de árvore escolhido por Ludwing (a Gmelina) não se adaptou à região. Depois que o empreendimento passou ao controle nacional, em 1982, a Gmelina foi substituída pelo Pinus (que permite a fabricação de celulose de fibra longa, da qual a Jari Celulose é a única produtora brasileira). Atualmente, a fábrica da Jari Celulose utiliza 100% de eucaliptos como matéria-prima, todo ele produzido por cultivo na própria área da empresa.

Ludwig já estava muito doente quando foram iniciadas as negociações para a nacionalização do projeto. Uma forte amizade o ligava a Augusto Trajano de Azevedo Antunes, cujo grupo, a Caemi, explorava manganês na Serra do Navio, no Amapá, por intermédio da Icomi. Antunes empenhou-se junto aos presidentes de 23 grandes grupos brasileiros para montar a operação nacionalização. Cada grupo entrou com o equivalente a U$2 milhões no capital da Jari. O Banco do Brasil e o BNDES ficaram como acionistas da Companhia Florestal Monte Dourado. A transferência foi efetivada no dia 22 de janeiro de 1982. Alguns planos foram abandonados ou rediscutidos a partir daí. As plantações de arroz foram vendidas. O caulim (minério usado para dar brilho e consistência ao papel) passou para a Caemi.

2.2 - Como o Projeto Jari atraiu mais de 60 mil pessoas para sua área de influência

Mais de 60 mil pessoas moram na área de influência do projeto Jari. Destas, somente 7,3 mil são empregados diretos e indiretos das empresas da região. Os demais vivem do comércio, da madeira, do garimpo. Em Monte Dourado, são 18 mil. Outros 42 mil ocupam a sede dos Municípios de Laranjal do Jari e de Vitória do Jari, do outro lado do rio. São favelas organizadas sobre palafitas. O rio serve para todas as necessidades. Quatro canais de televisão são captados na região por parabólicas em Monte Dourado. A Companhia Monte Dourado usa a TV Jari para enviar recados (textos) de utilidade pública.

Laranjal do Jari, que durante longos anos absorveu o excedente de mão-de-obra atraída pela expectativa criada pelo projeto Jari, converteu-se em Município em 1967. Até então, era apenas um amontoado de palafitas na margem oposta a Monte Dourado. Lá, a 36 horas de barco de Belém e a 12 horas de Macapá, estabeleceram-se os que foram tentar a sorte no Jari, mas que não se podiam instalar em Monte Dourado devido ao controle da empresa. Acostumada ao padrão caboclo de viver à beira do rio, a população não se convenceu inteiramente de que tinha de mudar para a área seca.

É esse o retrato da ocupação que não respeita as tendências regionais e nem tampouco a tradição ocupacional de toda uma região. É simplesmente inacreditável. São seis quilômetros de palafitas à margem do Jari e outros tantos nas vielas e passarelas erguidas sobre a várzea do rio. Metade dos 35 mil habitantes vive nessas condições. Por baixo, o lixo flutua.

Barcos com motor de popa, conhecidos como catraias, atravessam os 250 metros de água escura que separam as duas cidades, dia e noite. Na via principal do Laranjal do Jari, uma espécie de deck, centenas de palafitas de dois andares cumprem dupla função: residência em cima e comércio embaixo.

Enquanto Monte Dourado - que nem Município é, e sim distrito de Almeirim - dispõe de saneamento, escola e saúde para todos, as Prefeituras de Laranjal do Jari e de Vitória do Jari tentam equilibrar-se com R$2,8 milhões para pagar o funcionalismo, manter 41 escolas e levar água a 10% da população.

Como já mencionamos anteriormente, o Amapá perdeu mais que muitos dos Estados brasileiros. Perdeu pela expropriação das suas riquezas naturais e perdeu também pela desorganização da sua economia. O Projeto Jari, após longos anos, não conseguiu reverter a sua magnitude em prol do Amapá. Por questão de justiça, o Estado brasileiro tem que promover ações e investimentos que visem reverter o quadro de pobreza absoluta herdado pela atuação do capital estrangeiro na região.

O Brasil é um país independente e a Amazônia é nossa. Porém, para conquistar um futuro que seja a imagem e a semelhança da grandeza deste País, é preciso que os nossos governantes estejam também, pelo menos, à altura da dimensão desta imensa terra brasileira.

É triste constatar-se que sobre a Amazônia valem mais os ditames vindos de fora do que as aspirações, os anseios e os temores do povo que ali habita. A colonização ali encetada causou irreparáveis danos, e, sem esperança, aguardam que o Governo Federal se comova e faça o desenvolvimento efetivo da região, proporcionando-lhes os recursos essenciais para o seu crescimento.

Não podemos continuar nesta postura de submissão aos interesses internacionais. Não podemos, a título de modernidade, a título de abertura para o mercado internacional, renunciar à grandeza nacional. É preciso buscar no conhecimento dos pensadores, talvez, os conceitos mais elementares do que é o sentido de liberdade, de respeito, de soberania e de independência, porque esta vocação à servidão voluntária, por certo, após 150 anos de independência, ainda não saiu da cabeça de grande parte do pensamento nacional e, sobretudo, dos nossos governantes.

A verdade pura e simples é que a atuação da Jari no Amapá desorganizou e perverteu a produção camponesa com o processo de expropriação a que foi submetida. Uma imensa e sofrida população de brasileiros ocupa o Vale do Jari. Este contingente está acostumado a casas edificadas sobre palafitas armadas na várzea do Rio Jari. Esses aglomerados surgem, porque o objetivo principal da empresa nunca foi a solução dos problemas sociais. Cerca de 15% a 20% da população dos dois municípios amapaenses são trabalhadores da Jari.

A verdade é que a intensa mobilidade demográfica no Projeto Jari, representada pelas idas e vindas de trabalhadores, do Maranhão principalmente, para a área da Jari e dela para o Estado de origem ou, então, para outro local de atividade, é resultante das péssimas condições de trabalho dentro da mata, em acampamentos rústicos, e dos salários pagos, que se consomem no custo da passagem da terra natal para o "eldorado", no dinheiro que enviam à família, que permanece nas áreas de origem, nas despesas com a própria alimentação.

É em nome dessa gente que me sinto no dever de cobrar uma ação do Governo Federal no sentido de reverter o quadro existente de absoluta pobreza e desesperança. Em nome dessa gente, invoco o respeito nacional, a firme vontade, em atendimento ao apelo de todos eles que esperam que o Brasil lhes dê as vistas e as mãos para tirá-los da miséria, da ameaça, do retrocesso a que estão submetidos e condenados ao fracasso.

O Amapá é um Estado novo, é um Estado recém-criado, um Estado que se encontra em fase de implantação. É uma obra inacabada, situação esta que o coloca num momento extremamente delicado no seu processo de afirmação, de progresso e de desenvolvimento econômico.

Além da Jari Celulose S. A., temos uma outra empresa de propriedade do Grupo CAEMI, a Caulim da Amazônia, ou CADAM, que explora e beneficia o caulim, que serve para revestimento de papel (é o que torna o papel brilhante e acetinado). Tem faturamento anual de cerca de US$96 milhões e sempre foi lucrativa. É controlada pela CAEMI, do Grupo Azevedo Antunes.

A mina está situada no Estado do Amapá, porém a matéria-prima é transportada por tubulação subaquática e industrializada em Monte Dourado (PA) onde se situa a CADAM, no Estado do Pará, o que é uma grande injustiça para os moradores do Estado do Amapá que habitam em condições precárias, em palafitas sobre a várzea do Rio Jari.

A reserva da mina da caulim é de aproximadamente 250 milhões de toneladas conhecidas. A viabilidade da exploração é de aproximadamente 250 anos e o custo por tonelada extraída é de US$9, enquanto o valor da tonelada exportada é de US$100.

Atualmente, uma das coisas que mais ofende o pessoal da Jari é chamá-la de "projeto". A fase de projeto, para eles, foi encerrada com instalação da indústria em 1978.

A Jari Celulose, a partir da sua nacionalização, adotou a racionalização. As florestas contínuas e uniformes foram abandonados. Surgiram "ilhas" cultivadas dentro da mata nativa. A idéia é aproveitar só terrenos planos para plantar e preservar as encostas e os cursos d´água. Esse modelo tem proporcionado a redução dos custos de produção, porque diminui a necessidade de fertilizantes e evita erosões.

A empresa está desenvolvendo uma série de ações para transformar o que começou com uma aventura na selva em um negócio rentável. O investimento na fábrica localizada à margem do Jari, na divisa do Pará com o Amapá, é de US$33 milhões em quatro anos.

Desde que foi implantada, em 1967, a Jari só registrou lucro uma vez, em 1994. Um lucro contábil de US$7 milhões. Os investimentos previstos têm por objetivo reduzir os custos até 1998, aumentar a produção de 285 mil para 350 mil toneladas por ano e tornar real a principal vantagem competitiva da companhia: a proximidade da matéria-prima. A distância média entre floresta e fábrica na Jari, 45 quilômetros, é a menor do mundo.

Faz parte do programa também a redução de mão-de-obra, com a mecanização cada vez maior da colheita.

Em 1996, a Jari investiu recursos financeiros para equipar a fábrica com um sistema de branqueamento da celulose com o uso de oxigênio, em vez de cloro. O processo será concluído em 1998. Hoje, pelo menos a metade da produção já não usa cloro.

O investimento seguinte deverá ser a construção de uma usina hidrelétrica no Rio Jari, que deve sanar em definitivo os problemas de energia da região e ainda resultar em economia. Atualmente, o suprimento de energia vem de uma termoelétrica alimentada a óleo combustível.

A propósito dessa usina geradora, um incêndio ocorrido recentemente avariou seriamente o seu painel de controle, provocando a paralisação da fábrica da Jari Celulose por seis meses.

A esse respeito, apresentei requerimento perante a Presidência da Comissão destinada a definir uma política para o desenvolvimento econômico e social da Amazônia, propondo a constituição de uma comissão de Senadores para verificar in loco a repercussão social resultante da paralisação da fábrica da Jari Celulose.

Em função do tempo, Sr. Presidente, vou concluir o meu pronunciamento mencionando apenas dois aspectos: nós, membros da Comissão Parlamentar da Amazônia, incluindo Deputados Federais e Senadores, e os representantes do Movimento SOS Jari, tivemos uma audiência, hoje, com o Ministro das Minas e Energia, Dr. Raimundo Brito, que nos deu algumas esperanças com relação à construção definitiva da Hidroelétrica de Santo Antônio, no Rio Jari.

A Jari Celulose possui uma concessão antiga, mas em função de não ter apresentado, até o momento, o cronograma de construção da hidroelétrica, essa concessão está ameaçada de cassação. No entanto, em função da audiência, o Ministro nos concedeu o prazo de 90 dias para decidir se cassa ou não a concessão. Decidiu também apoiar um consórcio, que pode ser criado entre os Estados do Amapá e do Pará, juntamente com a iniciativa privada, para construir de uma vez por todas a Hidroelétrica de Santo Antônio.

Também nos falou da possibilidade de complementação de recursos da União, através de emendas ao Orçamento Geral da União, manifestando apoio ao pleito junto ao BNDES para liberação de recursos para a Hidroelétrica de Santo Antônio...

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Apelo a V. Exª que apresse a conclusão do seu discurso. V. Exª já ultrapassou dois minutos do seu tempo.

O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Estou me baseando naquele relógio do painel, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Na realidade, V. Exª já ultrapassou três minutos. Aquela indicação na cor verde é que marca o tempo de V. Exª.

Peço a V. Exª que conclua.

O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Obrigado, Sr. Presidente. Apenas leio rapidamente os nove itens que compõem uma proposta de programação de um programa que deve constar como plano mínimo para o desenvolvimento da região do Vale do Jari.

      1 - Implementação da Hidrelétrica de Santo Antônio e sua interligação com a Hidrelétrica de Paredão;

      2 - Conclusão da BR-156, com sua ligação definitiva até a cidade de Laranjal do Jari;

      3 - Construção da ponte sobre o Rio Jari;

      4 - Implantação da Escola Agrotécnica;

      5 - Desenvolvimento do turismo, em função da belíssima Cachoeira de Santo Antônio, que fica no Rio Jari;

      6 - Construção do terminal de cargas e passageiros no Laranjal do Jari e Vitória do Jari;

      7 - Saneamento básico e habitação popular em Laranjal do Jari e Vitória do Jari;

      8 - Ações de geração de empregos; e

      9 - Estudo de viabilidade para implantação de uma área de livre comércio.

Agradeço, Sr. Presidente, a benevolência de V. Exª e peço desculpas pelo longo discurso que decidi proferir nesta tarde.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/06/1997 - Página 12001