Pronunciamento de Mauro Miranda em 19/06/1997
Discurso no Senado Federal
HOMENAGEM AO ESCRITOR GOIANO BERNARDO ELIS, A PROPOSITO DE ENTREVISTA A ECILENE CAMARGO, PUBLICADA NO JORNAL O POPULAR, DE GOIANIA, EDIÇÃO DE 8 DO CORRENTE.
- Autor
- Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
- Nome completo: Mauro Miranda Soares
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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HOMENAGEM.:
- HOMENAGEM AO ESCRITOR GOIANO BERNARDO ELIS, A PROPOSITO DE ENTREVISTA A ECILENE CAMARGO, PUBLICADA NO JORNAL O POPULAR, DE GOIANIA, EDIÇÃO DE 8 DO CORRENTE.
- Publicação
- Publicação no DSF de 20/06/1997 - Página 12021
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
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- HOMENAGEM, BERNARDO ELIS, ESCRITOR, ESTADO DE GOIAS (GO).
- ANALISE, ENTREVISTA, BERNARDO ELIS, ESCRITOR, JORNAL, O POPULAR, ESTADO DE GOIAS (GO).
O SR. MAURO MIRANDA (PMDB-GO. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os movimentos culturais de Goiás, tão ricos no seu patrimônio literário e artístico, quanto dinâmicos no seu intenso processo evolutivo, têm uma dívida inestimável com o matutino "O Popular", do grupo Jaime Câmara. É através do espaço de um caderno especial do jornal de maior circulação em meu Estado que vamos encontrar, diariamente, a melhor qualidade informativa sobre fatos, coisas e pessoas que fazem a vida de muitas faces de nosso efervescente processo criativo nos diversos campos da cultura.
A edição do último dia 8 produz um retrato fiel da grandeza humana de Bernardo Élis, o escritor mais festejado da literatura goiana. Em entrevista assinada por Ecilene Camargo, o romancista, ensaísta e contista desnuda o perfil do homem fiel às raízes telúricas, escravo da simplicidade e idealista que não se dobra. Ali estão um pouco do menino da infância reprimida em Corumbá de Goiás, e muito do homem que, nos seus 81 anos de observação crítica dos homens e dos costumes sociais, transformou seus textos literários numa tribuna candente contra as injustiças.
Advirto os nobres colegas de que não pretendo cometer um atentado analítico sobre a grande obra de Bernardo Élis. Não tenho o privilégio de conhecê-la, como gostaria de conhecer. E, também, se a conhecesse, ela não seria tema para um único e breve discurso, tão rica e intensa que é, tão profunda como a dizem aqueles que se deram ao deleite de analisá-la, como Nelly Alves de Almeida e Moema de Castro e Silva Olival. A causa que me traz a esta tribuna é mais modesta. Ela tem o sentido de homenagem ao nome ilustre que mais contribuiu para enriquecer a presença de Goiás na História da literatura brasileira, ao lado de saudosos expoentes como Carmo Bernardes e Cora Coralina.
A entrevista de Bernardo Élis reflete sentimentos de frustração, sem a pequenez das amarguras. Chegou ao fechado colégio de intelectuais da Academia Brasileira de Letras. Conta, sem gabar-se, que seu principal romance, "O Tronco", está na décima edição, um fenômeno raro para os limites de timidez do nosso mercado editorial. Fala de seus próximos quatro projetos de livros, temendo que a saúde combalida lhe negue vida para concluí-los. E não deixa de trair a vaidade contida pela timidez, ao falar de sua curiosidade para ver o romance "O Tronco" e o conto "A Enxada" nas telas do cinema. Essas duas obras são de importância marcante na literatura de denúncia social de Bernardo Élis, e estão adiantadas como empreendimentos cinematográficos.
Apesar de todo o reconhecimento público de seu patrimônio literário, Bernardo Élis não deixa de ver-se como um intelectual de província, ou tratado como tal, na repercussão de sua obra. Vive de modesta aposentadoria de três salários mínimos, fala da vida espartana dividida com a mulher querida, e não esconde alguns queixumes sobre os limites impostos aos escritores que permaneceram longe dos grandes centros. Reproduzo aqui o desabafo comovedor desta figura admirável e emblemática de nossas letras:
"Eu me sinto excluído, porque todo o interior do Brasil, fora Rio de Janeiro e São Paulo, é excluído do mercado. Então a literatura brasileira só existe mesmo como mercado para quem mora em algum desses dois locais. Eu até consegui demais, porque cheguei à Academia Brasileira de Letras. (...) Eu acho que eu tinha direito a uma projeção maior no país. Eu luto por isso. Estou fazendo parte, embora com 81 anos e adoentado, para divulgar a literatura de Goiás, que ainda é muito desconhecida".
É esse sertanejo de letras sensíveis e brilhantes, que não apenas escreveu estórias, mas que produziu uma grande obra de crítica social comparável em profundidade a José Américo de Almeida, José Lins do Rego, Gilberto Freyre e Guimarães Rosa, que precisa ser ouvido. Com ele, nos seus 81 anos, está chegando ao fim a rica escola dos sociólogos sem diploma que fizeram os clássicos sobre a alma do povo, sobre a opressão, sobre as desigualdades gritantes na convivência entre o capital e o trabalho. Acredito que ainda haja espaços para resgatar a verdadeira dimensão do nome de Bernardo Élis como exemplo de vida, de trabalho, de luta pelas causas dos oprimidos.
Para o seu enorme e encantado público de leitores, Bernardo Élis já deu os seus recados. Falta-lhe, para completar a rica biografia, o reconhecimento oficial pela obra que vai perdurar sem as limitações do tempo. Eu gostaria que desaparecesse pelo menos um pouco da tristeza desse ilustre goiano que considera "muito frustrante a profissão de escrever", e que diz que, "se nascesse de novo, talvez não mexesse com literatura". Ele é digno de todas as homenagens que possam ser tributadas a alguém que precisa ser alimentado de alegrias, para prosseguir na luta e ser devolvido à crença por suas causas.
Sugiro ao Ministro Francisco Weffort que leia com carinho o texto ao mesmo tempo singelo e eloqüente da entrevista de Bernardo Élis, e que pense numa homenagem ao nosso grande escritor. Não sei se a modéstia de Bernardo Élis será agredida por este meu apelo. O que quero é que seja revitalizada, no corpo envelhecido do escritor, um pouco da alma jovem e vigorosa que entusiasmou Guimarães Rosa, quando falou de "O Tronco" como algo "verdadeiro, belo, palpitante, novo". Peço um sopro de entusiasmo que devolva a Bernardo Élis o espírito que está impresso no conto "Ontem, como hoje, como amanhã, como depois", como que tratando de seu próprio tempo infinito, e que foi perpetuado pelo julgamento insuspeito do autor de "Sagarana": "Ninguém, em país nenhum, nenhum tempo, parte alguma, escreveu coisa melhor".
Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigado.