Discurso no Senado Federal

INEXISTENCIA DE UM PROJETO E DE DIALOGO QUE VENHAM UNIFICAR A SOCIEDADE BRASILEIRA NA DEFESA DO INTERESSE NACIONAL. MOMENTO DE ANGUSTIA VIVIDO PELOS FUNCIONARIOS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO, TENDO EM VISTA A SUSPENSÃO DE SEUS DIREITOS TRABALHISTAS OBTIDOS ATRAVES DE SENTENÇA JUDICIAL, DETERMINADA PELO PODER EXECUTIVO. PROCESSO DE SUCATEAMENTO DAS UNIVERSIDADES PUBLICAS, COM A AUSENCIA DE RECURSOS PARA A SUA MANUTENÇÃO E A EVASÃO DE PROFESSORES ALTAMENTE QUALIFICADOS, TEMEROSOS COM AS PERDAS QUE ADVIRIAM POR MEIO DA APROVAÇÃO DA REFORMA DA PREVIDENCIA.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR.:
  • INEXISTENCIA DE UM PROJETO E DE DIALOGO QUE VENHAM UNIFICAR A SOCIEDADE BRASILEIRA NA DEFESA DO INTERESSE NACIONAL. MOMENTO DE ANGUSTIA VIVIDO PELOS FUNCIONARIOS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO, TENDO EM VISTA A SUSPENSÃO DE SEUS DIREITOS TRABALHISTAS OBTIDOS ATRAVES DE SENTENÇA JUDICIAL, DETERMINADA PELO PODER EXECUTIVO. PROCESSO DE SUCATEAMENTO DAS UNIVERSIDADES PUBLICAS, COM A AUSENCIA DE RECURSOS PARA A SUA MANUTENÇÃO E A EVASÃO DE PROFESSORES ALTAMENTE QUALIFICADOS, TEMEROSOS COM AS PERDAS QUE ADVIRIAM POR MEIO DA APROVAÇÃO DA REFORMA DA PREVIDENCIA.
Aparteantes
Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 21/06/1997 - Página 12075
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, SUSPENSÃO, PAGAMENTO, SENTENÇA JUDICIAL, DIREITOS E GARANTIAS TRABALHISTAS, SERVIDOR, UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (UFRJ), DESRESPEITO, JUDICIARIO.
  • CRITICA, INTERFERENCIA, GOVERNO, AUTONOMIA, UNIVERSIDADE FEDERAL, REPUDIO, PORTARIA, MINISTERIO DA FAZENDA (MF).
  • GRAVIDADE, SITUAÇÃO, UNIVERSIDADE FEDERAL, INSUFICIENCIA, RECURSOS, DEFASAGEM, SALARIO, SAIDA, RECURSOS HUMANOS, PERDA, AUTONOMIA.
  • CRITICA, GOVERNO, FALTA, INCENTIVO, POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, ontem fiz um comentário sobre o fato de que, muitas vezes, falamos apenas para a TV Senado, não pelo número de presença em plenário, mas pelo tema que enfocamos. Devemos falar e insistir, porque é desta tribuna que temos debatido temas importantes para a política brasileira. 

Desde que aqui cheguei, venho lamentando profundamente o fato de que não haver um projeto que unificasse não as forças políticas do País, mas a sociedade brasileira na defesa de um único interesse de forma que cada um preservasse a sua ideologia. 

A nossa sociedade precisa criar no seu espírito o desejo da defesa do interesse nacional. Isso trará benefícios para todos, independentemente dos seus matizes ideológicos.

Quando falamos da tribuna - repito - não o fazemos unicamente para a TV Senado; nós o fazemos para chamar a atenção para os temas importantes do nosso País. Já tivemos aqui hoje um grande debate com os Senadores Roberto Freire, Geraldo Melo, Marina Silva, e Bernardo Cabral. Há, no entanto, um momento em que temos a sensação de que o que falamos aqui serve unicamente para a TV Senado. É preciso falar, e falar muito, para que nossa voz chegue também ao Planalto. Dessa forma, o Governo poderá perceber que temos a necessidade de fazer a reforma agrária, que a reforma administrativa não pode acabar com os direitos adquiridos dos servidores, dos aposentados, que ela não é corporativista. Não está existindo diálogo, já que falamos e parece que não somos ouvidos.

Quantos temas já desenvolvi desta tribuna? E só tive respaldo quando O Globo, o Jornal do Brasil, a Folha de S.Paulo, O Dia, a Gazeta Mercantil, a Tribuna ou tantos outros jornais conhecidos noticiaram na primeira página. Mas continuo com a esperança de que seja realmente ouvida.

Fiz esta introdução antes de abordar o assunto que me trouxe à tribuna porque estou me sentindo enriquecida com os debates que esta Casa hoje promoveu, que só são possíveis nas segundas ou sextas-feiras, quando não há Ordem do Dia e dispomos de um tempo maior para discussões.

Seria importante que, com a colaboração da TV e da Rádio Senado, esses debates importantes para a vida nacional pudessem ser repetidos, não pela minha intervenção, mas pelas intervenções brilhantes de meus Pares, como forma de dar a cada um a oportunidade de vê-los, ou até mesmo revê-los.

Mas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o assunto que me traz à tribuna é que a Universidade Federal do Rio de Janeiro vive momentos de angústia e indignação, que tomaram conta de toda a comunidade acadêmica por ocasião da intervenção do Governo Federal, mais uma vez, no exercício da autonomia universitária. No momento em que a produção acadêmica vem sendo valorizada cada vez mais nos países democráticos, o Executivo atinge a instituição que, por sua natureza e prática concretas, é importante geradora e transmissora de saber: a universidade pública.

Em março deste ano, os funcionários da Universidade Federal do Rio de Janeiro conquistaram, na Justiça, o pagamento de ações judiciais (dentre as quais, o pagamento dos 28,86% e o abono pecuniário), decisão que beneficiou milhares de servidores públicos. Surpreendentemente, o pagamento desses direitos trabalhistas foi suspenso pelo Governo Federal, através de portaria explicando que "as solicitações de recursos à Secretaria do Tesouro Nacional para o pagamento de vantagens pecuniárias concedidas a qualquer título, não previstas na lei orçamentária anual, deverão ser acompanhadas de demonstrativo da existência de dotação orçamentária para o respectivo pagamento". Ou seja, uma represália contra as ações judiciais trabalhistas de servidores em todo o País e uma quebra de braço entre o Executivo e o Judiciário.

Com a desculpa do cofre vazio, o Governo Federal, através do Ministério da Fazenda, edita portaria que apresenta como a alternativa para o atendimento às despesas decorrentes de sentenças judiciais, qual seja "a utilização de recursos de custeio". Como sabemos, esses recursos são minimamente suficientes para manter as universidades em funcionamento e, utilizado para outros fins, conduziriam, então, a administração à paralisação das atividades acadêmicas. A Universidade Federal do Rio de Janeiro, por exemplo, tem R$19 milhões para custeio, manutenção do campus, compra de material, pagamento de luz, gás, telefone, etc, quando deveria ter, no mínimo, o dobro. Com esse orçamento, não sobram verbas para investimento em recursos humanos que permitam à UFRJ manter seus quadros, pois são 300 a 400 professores que se aposentam por ano na Universidade, segundo a reitoria.

Descumprindo a ordem judicial, o Governo fere a autonomia das universidades em todas as suas ações, pois não serão capazes sequer, a partir de agora, de prover o pagamento dos salários de seus profissionais. Por essa portaria, as universidades brasileiras também não terão autonomia para abrir concursos sem gerar dúvidas sobre a aplicação dos recursos perante os Ministérios da Educação e da Fazenda. E a suspensão do pagamento dos direitos trabalhistas, obtidos através de sentença judicial, é apenas mais um dos sintomas do processo de destruição das universidades brasileiras, digo isso sem nenhum sectarismo.

Do ponto de vista de todo cidadão, as universidades federais são a liderança da produção científica no Brasil. Também são liderança no atendimento hospitalar, sendo importantíssimas para a sociedade. Ao invés de ser ratificada, essa importância vem sendo esvaziada a cada dia, um esvaziamento que se traduz numa gradual redução de recursos financeiros.

A ausência de recursos leva setores da sociedade a acreditar que a saída para manter a universidade em funcionamento é a realização de parcerias com o setor privado. Mas isso não é aceitável, porque a Lei de Diretrizes e Bases da Educação diz que a manutenção das universidades públicas é uma atribuição do Governo Federal.

Particularmente a Universidade Federal do Rio de Janeiro vem sofrendo os efeitos da atual política governamental em relação às universidades federais nos seguintes aspectos:

- insuficiências de recursos necessários à manutenção das atividades acadêmicas, colocando em risco a sobrevivência da Universidade e configurando flagrante desrespeito à Lei de Diretrizes e Bases da Educação;

- substantivas perdas salariais de seus servidores, em decorrência de medidas administrativas e da inexistência de qualquer reajuste salarial há mais de dois anos, levando, conseqüentemente, ao esvaziamento dos quadros docentes, técnico-científicos e administrativos da Universidade;

- intervenção no processo de execução orçamentária da UFRJ, impedindo até que sua reitoria, no exercício de suas atribuições legais, cumpra determinações judiciais.

A autonomia é que dá possibilidade para a produção de conhecimento - não conheço um outro elemento. E é do conhecimento e da inteligência acumulados que saem, por exemplo, a produção de computadores, de clones, medicamentos, alimentos enriquecidos, telefonia celular, enfim, tudo que melhora a nossa vida hoje em dia.

Sabendo disto, neste final de século as chamadas atividades intensivas em inteligência são as mais valorizadas em todos os países. Não obstante, o Executivo Federal tem demonstrado uma visão equivocada sobre a estratégia de construção de uma sociedade contemporânea justa, democrática e inovadora, tanto em termos de bem-estar público, como de riqueza social. E estamos atentos a isso, e preocupados, porque temos, hoje, um governante que é, reconhecidamente, um homem das letras, um intelectual, um conhecedor dos problemas sociais e Sua Excelência não tem contribuído para essas atividades intensivas da inteligência brasileira.

Os orçamentos da universidades públicas são cortados, os montantes aprovados não são repassados. A reforma da Previdência Social provocou dramática evasão de profissionais universitários da mais alta qualidade, significando a perda de um investimento feito por várias décadas na formação do capital humano que compõe o quadro profissional dessas autarquias, as instituições federais de ensino superior.

Agora, desrespeita as decisões do Poder Judiciário, afrontando a ordem democrática estabelecida, ao recusar-se a repassar os recursos necessários ao pagamento da reposição salarial de 28,86% para os servidores públicos federais, obtida por decisão do Superior Tribunal Federal.*

A Srª Marina Silva - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo um aparte a V. Exª, nobre Senadora Marina Silva.

A Srª Marina Silva - Nobre Senadora Benedita da Silva, reporto-me à evasão de profissionais, altamente qualificados, das nossas universidades. Quando o Governo aventou alguns aspectos com relação à reforma administrativa, uma das questões problematizadas com relação ao tempo de aposentadoria e uma série de aspectos dentro das universidades era o fato de que profissionais altamente qualificados, quando chegavam à sua fase de maturidade, após concluírem seus mestrados, doutorados ou até mesmo um curso de pós-doutorado, se aposentavam, indo para outras atividades. O que se constituía, na verdade, um prejuízo para as universidades. No entanto, os efeitos da ação do Governo criou um movimento por antecipação, onde milhares de profissionais, altamente qualificados, que não tinham a intenção de se aposentar, mas, por temerem as ações do Governo, resolveram fazê-lo. Realmente as universidades brasileiras estão em baixa com relação a esse capital humano. Inclusive, citando como exemplo a Universidade Federal do Acre, o que vinha sendo praticado era a contratação de professores provisoriamente. Esse capital humano só pode trabalhar na Universidade com um contrato pelo período de um ano, através de um concurso. Um professor universitário contratado por um período de um ano ainda está na fase de adaptação da vida acadêmica. Após o primeiro ano, começa-se a trabalhar, a produzir e a sentir, digamos assim, o seu rendimento dentro da universidade. No entanto, depois desse período de um ano, ele não pode ser recontratado. E aí contrata-se um novo professor, investimento em alguém que praticamente está na estaca zero. Isso causa um prejuízo enorme. Na Universidade do Acre, um estabelecimento com enormes dificuldades, sentimos isso, que, a depender de boa parte dos seus alunos e de alguns abnegados profissionais que ali trabalham para dar qualidade, digamos assim, aos vários cursos que temos, não sabemos como resolver esses problemas, porque somos considerados universidade periférica, não somos considerado um centro de excelência. Mas, ouvindo o pronunciamento de V. Exª, até os centros de excelência estão sendo completamente nocauteados pelo Governo. Isso é lamentável. No momento em que se discute a modernização do país, no momento em que se vincula toda e qualquer ação do Governo ao processo de modernização, e que essa modernização passa, necessariamente, por mudanças na nossa Constituição para nos adequar aos novos tempos, estamos nos desqualificando, do ponto de vista do nosso potencial mais essencial, que é a nossa capacidade de produzir conhecimento. A continuarmos por esse processo, seremos eternamente colonizados. E a pior das colonizações é exatamente aquela praticada em cima da ausência da nossa capacidade de pensar, de agir, de saber aquilo que queremos. Só é possível sabermos o que queremos se formos capazes de formular as respostas. Essas respostas estão no campo da produção científica e no da produção empírica das pessoas que pensam e que elaboram, mas que, em última estância, precisam formatar esse conhecimento, que é valoroso, em termos de uma proposta sistematizada nos mais diferentes campos do conhecimento. E essa contribuição, inegavelmente, só poderá ser dada a partir de um apoio fundamental à universidade brasileira.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª e o incorporo ao meu pronunciamento.

Concluindo, Sr. Presidente, esse comportamento caracteriza uma forma de intervenção que fere a autonomia universitária.

Se há um processo de globalização, como bem colocou V.Exª, temos que investir na nossa comunidade intelectual. Talvez as nossas universidades - a não ser que eu não esteja entendendo bem - , também façam parte do programa de privatizações.

Acredito que essa é uma forma de esvaziá-la, justificando assim a sua privatização. O que lamentamos. O Governo, por algumas décadas, vem investindo na formação do capital humano. E no momento em que há a oportunidade de aproveitar esse material humano a serviço do País, ocorre essa evasão nas nossas universidades.

Esse comportamento caracteriza uma forma de intervenção que fere a autonomia universitária, determinada pelo art. 207 da Constituição em vigor, que diz:

      "As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial e de gestão financeira e patrimonial..."

Ignorar a Constituição, fazer de conta que a Justiça não existe, acirrar os ânimos entre o Poder Judiciário e o Executivo, numa queda de braço prejudicial para o País, não é dessa forma que se constrói a inteligência social de uma nação. Os trabalhadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, estudantes, professores e dirigentes, se negam a assumir o papel de coadjuvantes passivos no processo de sucateamento das universidades brasileiras, e foram à luta - vieram ao Congresso Nacional -, assumindo o papel de vanguarda de um movimento nacional para devolver a autonomia às instituições de ensino superior e para dar ao povo brasileiro uma educação pública, gratuita e de boa qualidade.

Por isso, pedimos a revogação da Portaria do Ministério da Fazenda que proíbe o pagamento dos direitos trabalhistas conquistados pelos servidores públicos.

Reafirmo também meu compromisso com o ensino público e gratuito em nosso País, defendendo uma política salarial digna para os profissionais das universidades brasileiras, comprometendo-me com a defesa intransigente da manutenção integral dos arts. 206 e 207 da Constituição Federal.

Esse o compromisso que assumi com a representação dessa categoria aqui no Senado Federal.

Sr. Presidente, peço aos meus Pares, principalmente àqueles ligados à área da educação, que formemos uma frente em defesa de nossas universidades.

Era o que tinha dizer.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/06/1997 - Página 12075