Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE O HIPER-REALISMO, QUE SE UTILIZA DE ELEMENTOS VERDADEIROS PARA OBTER DETERMINADO RESULTADO PRETENDIDO. DESENVOLVIMENTO PELOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO, DE TECNICAS DE APRESENTAÇÃO DA NOTICIA COMO ESPETACULO.

Autor
Artur da Tavola (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RJ)
Nome completo: Paulo Alberto Artur da Tavola Moretzsonh Monteiro de Barros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA.:
  • REFLEXÕES SOBRE O HIPER-REALISMO, QUE SE UTILIZA DE ELEMENTOS VERDADEIROS PARA OBTER DETERMINADO RESULTADO PRETENDIDO. DESENVOLVIMENTO PELOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO, DE TECNICAS DE APRESENTAÇÃO DA NOTICIA COMO ESPETACULO.
Publicação
Publicação no DSF de 21/06/1997 - Página 12078
Assunto
Outros > IMPRENSA.
Indexação
  • ANALISE, PROCESSO, TRATAMENTO, INFORMAÇÃO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, MANIPULAÇÃO, APRESENTAÇÃO, DADOS, UTILIZAÇÃO, PUBLICIDADE, ARTE DRAMATICA, PROVOCAÇÃO, SUBJETIVIDADE, RECEPTOR, INFLUENCIA, COMPORTAMENTO, CULTURA.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, o hiper-realismo é a mentira da verdade. Utiliza elementos verdadeiros, não para "mentir no sentido corriqueiro da palavra mas para obter determinado resultado "pré-tendido". Tal resultado, por vezes ultrapassa o controle do emissor e obtém reações maiores que as esperadas porque a mensagem hiper-realista carrega conteúdos emotivos nem sempre sob controle do emissor e do receptor. Este encontra na emissão hiper-realista uma espécie de potencialização de sentimentos, impressões e percepções que já possuía em estado latente, pré-consciente ou consciente em plano superficial.

Sendo um corte na realidade, uma de suas fatias, para efeito de destacar o aspecto pretendido, o hiper-realismo informativo opera com instâncias como: a meia-verdade, a aparência, o indício, o sintoma, sem análise crítica de cada plano destes. A informação passa a buscar uma lógica encadeadora desses aspectos. Esta lógica dá coerência aparente à emissão, inteligibilidade mas cria uma realidade própria a partir da notícia. Tal realidade própria tem a ver com a realidade, porém não se pode dizer que é a realidade. Esta é sempre mais complexa que qualquer das suas representações. Trata-se de uma nova aparência da realidade tomada pelo ângulo de ênfases selecionadas pelo comunicador.

Hoje, mais que nunca, os meios de comunicação desenvolvem técnicas (em permanente expansão) de apresentação da notícia como espetáculo. As regras do espetáculo, quase sempre nutridas na experiência da ficção, transmitem-se à informação, modelando-lhe o resultado através de uma intervenção na sua forma e a manipulação de seu conteúdo.

A notícia como espetáculo utiliza elementos retirados da dramaturgia e da publicidade. Esta, quase toda vazada em linguagem supra-real (surrealista por vezes) ou hiper-real, acostumou o público a "ler" mensagens ao mesmo tempo imediatas e intensas. O hiper-real aparece na presença superlativa das "qualidades" anunciadas. Assim também é - hoje - editada a maioria das notícias diariamente massificadas pela mídia.

Da dramaturgia, a notícia como espetáculo herdou inúmeros elementos: a tensão dramática, os estados extremos do ser, os esgares, as ambições primárias trazidas ao primeiro plano do comportamento, a identificação com heróis ou com vilões, a simbologia do "bem" e do "mal", a busca do instante transfigurador, resultante do máximo de alegria ou de dor, a intensidade de rostos em "close up", a extroversão dos impulsos básicos do ser e dos instintos, os códigos da moral vigente e os códigos da sua transgressão etc.

O diabolismo desse processo, acaba por transformar-se de recurso em linguagem e, de modo imperceptível, redatores, editores, fotógrafos, câmeras, repórteres transformam-se em dramaturgos e/ou publicitários empenhados nas ênfases dramáticas ou nas exacerbações "vendedoras". E quase nunca dão conta de que tal, com eles ocorre. Acabam por acreditar de tal forma na eficácia de seu processo informativo que, dele, se tornam multiplicadores e em muitos casos, professores de informação hiper-real.

O conjunto de informações hiper-reais, diariamente despejadas, durante anos sobre a população, acaba por gerar um receptor da comunicação identificado com emoções intensas, extremas, dogmáticas, depressivas, exaltadas ou maníacas. Tais emoções do receptor realimentam o emissor que, por sua vez, aprofunda a natureza emotiva diluída na objetivadade aparente da informação, processo incontrolável e crescente de mútuas influências.

A comunicação acaba por ser possuída pelo processo hiper-real e dentro deste surge um universo de ênfases, acentuações, hipérboles, intensidades. A contemporaneidade vive, vibra e sente dentro desse universo. Ele constitui o meio ambiente onde se formam os padrões culturais e comportamentais da pós-modernidade.

Uma série de ações, reações e comportamentos hoje se consideram inexplicáveis ou inaceitáveis porque são analisados e vividos por pessoas e por analistas que desconhecem (ou não aplicam) os códigos do expressionismo, do hiper-realismo e da pós-modernidade. Ainda predomina na sociedade e na maioria dos meios intelectuais a utilização de conceitos aplicáveis à modernidade e seu cortejo de racionalidades, jamais à pós-modernidade e seu cortejo de acasos e de desestruturações.

Igualmente entre o público receptor, generaliza-se a atitude hiper-real, presente em roupas, gestos, atos e comportamentos diariamente recebidos via bombardeio informativo. Nessa atitude, insere-se a cultura do hiper-real e a sensação de se viver no intenso clima por ela caracterizado, o de seres em estado limítrofe, permanentemente excitados ou exaltados, seres sensoriais, fragmentados, não verbais, instintivos, em estado de permanente revolta, implosão ou denúncia, disfarces do estado depressivo que se torna o grande sinal de uma existência arrancada da normalidade, do bom senso, da plausibilidade.

Vivemos o momento da normalidade como exceção e do equilíbrio como alienação.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/06/1997 - Página 12078