Discurso no Senado Federal

TENSÃO E INCONFORMIDADE DA SOCIEDADE CATARINENSE, COM A POSSIBILIDADE DA CASSAÇÃO DO GOVERNADOR E VICE-GOVERNADOR DO ESTADO PELA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, NA PROXIMA SEGUNDA-FEIRA. QUESTIONAMENTOS SOBRE O FORO COMPETENTE PARA O REFERIDO JULGAMENTO E A INEXISTENCIA DE TRATAMENTO ISONOMICO COM OS DEMAIS ESTADOS E MUNICIPIOS ENVOLVIDOS NO CASO DOS PRECATORIOS.

Autor
Casildo Maldaner (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SC)
Nome completo: Casildo João Maldaner
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), GOVERNO ESTADUAL.:
  • TENSÃO E INCONFORMIDADE DA SOCIEDADE CATARINENSE, COM A POSSIBILIDADE DA CASSAÇÃO DO GOVERNADOR E VICE-GOVERNADOR DO ESTADO PELA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, NA PROXIMA SEGUNDA-FEIRA. QUESTIONAMENTOS SOBRE O FORO COMPETENTE PARA O REFERIDO JULGAMENTO E A INEXISTENCIA DE TRATAMENTO ISONOMICO COM OS DEMAIS ESTADOS E MUNICIPIOS ENVOLVIDOS NO CASO DOS PRECATORIOS.
Aparteantes
Jefferson Peres, Josaphat Marinho.
Publicação
Publicação no DSF de 24/06/1997 - Página 12309
Assunto
Outros > ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), GOVERNO ESTADUAL.
Indexação
  • PROXIMIDADE, JULGAMENTO, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), PEDIDO, AFASTAMENTO, GOVERNADOR, VICE-GOVERNADOR, MOTIVO, PARTICIPAÇÃO, IRREGULARIDADE, EMISSÃO, TITULO DA DIVIDA PUBLICA.
  • PROTESTO, AFASTAMENTO, ACUSADO, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), DIFERENÇA, TRATAMENTO, RESPONSAVEL, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DEFESA, APURAÇÃO, JUDICIARIO.
  • DENUNCIA, EXISTENCIA, LOBBY, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), USURPAÇÃO, PODER, GOVERNO ESTADUAL.

O SR. CASILDO MALDANER (PMDB-SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vou tecer alguns comentários sobre um tema do qual não gostaria de falar, mas, em função de estar se aproximando o "dia D", não poderia deixar de fazê-lo.

Em Santa Catarina, Sr. Presidente, no próxima segunda-feira, dia 30, a Assembléia Legislativa vai se reunir para decidir o destino do Governador do Estado e do seu Vice, em decorrência de um pedido de afastamento dos dois em virtude do lançamento de títulos no mercado para pagamento de precatórios.

O Governo de Santa Catarina seguiu o mesmo caminho que outros Estados e Municípios da Federação já haviam percorrido, tendo, inclusive, a mesma assessoria; por exemplo, o mesmo Banco que assessorou o Estado de Pernambuco também assessorou o Estado de Santa Catarina.

Infelizmente, no entanto, está para acontecer o "dia D", quando será analisado o pedido de afastamento do Governador e do seu Vice.

Apesar de contristado, sem vontade, eu não poderia, Sr. Presidente, num caso idêntico, isonômico, em que a parte essencial não deixa de ser a mesma, mas que, nos outros Estados - e cito como exemplo o Estado de Pernambuco - o mesmo fruto lá comido não é proibido e em Santa Catarina é.

Sr. Presidente e nobres Colegas, quero trazer aqui um momento de tensão que a sociedade catarinense vive. Claro que há torcidas de ambos os lados - uns, pelo afastamento do Governador; outros, pela defesa. Tenho percorrido o Estado e pude observar que a sociedade catarinense começa a não entender, no seu âmago, na sua essência, e nos questiona: por que não Pernambuco, se os mesmos caminhos o Governador de Santa Catarina seguiu - e considero-o um grande Governador e vai continuar Governador, assim como o Vice-Governador vai continuar Vice-Governador? Por que não São Paulo, que tem sido a origem dos disquetes para o lançamento de títulos no Brasil para pagar precatórios há anos? E isso vem desde 1991 ou 1992 - São Paulo foi o laboratório. Por que lá o Prefeito vai continuar Prefeito? Por que só Santa Catarina será alijada desse processo? Será que não vivemos sob o mesmo sol pátrio, sob a mesma legislação neste País? Por que em Pernambuco, São Paulo, Alagoas e em outros Municípios do Brasil vai ser questionado o foro competente, o Judiciário, e em Santa Catarina, não? Por que em Santa Catarina não se pode também remeter o levantamento que a CPI do Senado e da Assembléia estão a realizar para o foro competente, para que o Judiciário analise, sob o espírito da lei, se houve ou não ferimento do princípio constitucional, se o art. 33 do Ato das Disposições Transitórias de 1988 foi agredido ou não? Por que o foro competente, o Judiciário, não analisará? Por que só em Santa Catarina querem afastar o Governador e nos outros Estados não é necessário? Por que nos outros Estados e Municípios o Judiciário vai analisar a questão?

Sr. Presidente, não é fácil para o leigo entender essa situação. Estão nos questionando por que não é proibido em Pernambuco e em São Paulo, mas comer do mesmo fruto é pecado mortal em Santa Catarina e venial em outros Estado e Municípios.

Há uma sacrossanta revolta. Por que então não dar um tratamento isonômico, se Santa Catarina foi o último Estado a colocar títulos no mercado? É bom que se diga que dois terços dos mesmos estão bloqueados, não foram usados pelo Governo, não foram aplicados, estão retidos. Se há algum preceito irregular, por que não se discutem as irregularidades no Judiciário, que é o foro competente? Por que temos que ir ao cadafalso? Está-se consumando, está-se levando a isso.

Não bastasse o Governador, Sr. Presidente, estão agora tentando incluir também o Vice-Governador. Porque eventualmente assumiu o Governo e deu apenas alguns despachos corriqueiros, o estão colocando no rol para o afastamento na próxima segunda-feira, o dia marcado.

Estão sobrevoando a Assembléia Legislativa como que urubus, desde já a inventariar o Poder em Santa Catarina. Na verdade, há conchavos nos bastidores para tirar o Governador - não bastasse ele, também o Vice-Governador - para assumirem o Poder. De antemão, escolheram Governador, Secretários de Estado e já falam, nos bastidores, como dividirão o Poder no Estado.

Sr. Presidente, há uma insegurança na comunidade, um questionamento. Se fossem aplicar a isonomia, o mesmo princípio em Pernambuco, Alagoas, São Paulo, Osasco, Guarulhos, não haveria por que reclamarmos. Mas por que Santa Catarina será vilipendiada, vai para o cadafalso no próximo dia 30, o Governador e o Vice serão expurgados, massacrados? Por que no mesmo País existir um apartheid? Por que se implantar isso? Por que no mesmo princípio federativo haver dois pesos e duas medidas? Embora a decisão seja do Poder Legislativo do Estado, não há como explicar à sociedade. É difícil para a sociedade catarinense entender este momento duro por que passamos.

Avizinha-se o "dia D", com a participação de representantes de diversos Partidos que compõem o Governo Federal, de Partidos que entendem que o Governador de Pernambuco deve continuar o seu mandato e que o Governador de Santa Catarina deve ser afastado. Quando há essa tendência de os Partidos que compõem o Governo Central entenderem que, em Pernambuco e em São Paulo, não há problema, mas que em Santa Catarina devem ser afastados o Governador e o Vice-Governador, começa a existir uma sacrossanta revolta na comunidade.

Sr. Presidente, há um movimento por parte de milhares e milhares de pessoas e de lideranças - não só das pessoas pertencentes ao nosso Partido, mas também daquelas pertencentes a outros Partidos políticos - que não se conformam com o que está por acontecer, com o crime que se procura cometer, assaltando neste instante o Poder, sem a discussão do foro competente. Neste momento, procura-se inventariar o Poder, fazendo-se um conchavo; já se começa a dizer que é golpe retirar o Governador e o Vice-Governador, para, no tapetão e não nas urnas, voltar ao Poder em Santa Catarina.

O clima começa a se aquentar, Sr. Presidente. Trago à direção do meu Partido, à nossa Liderança nacional, essa preocupação. Estamos praticamente na antevéspera da consumação desse ato, com a participação de Partidos políticos que formam a grei da administração nacional. Se, em São Paulo, o Dr. Pitta pode continuar prefeito, em Pernambuco, Alagoas e em outros municípios do País todos podem continuar, Sr. Presidente, estar-se-á implantando uma divisão no País, estar-se-á discricionando. Em Santa Catarina, precisamos rever algumas colocações e alguns acordos, porque estamos rompendo com algumas tradições, sob a mesma legislação pátria, sob o mesmo País - pelo que sei, trata-se de um dos Estados que faz parte da mesma Federação.

Temos que fazer algo para que isso não aconteça no meu Estado. Estamos na iminência disso acontecer, pelas informações que nos chegam hoje de Líderes nacionais. Em outros Estados não há problema. Precisamos fazer alguma coisa nas próximas horas. Pelo menos vou fazer força para isso. Não poderemos ficar impacientes, vendo o Governador e o Vice-Governador sendo conduzidos quais carneiros ao cadafalso para serem massacrados.

A propósito, Sr. Presidente, chegaram convites hoje para assistirmos, em cadeira cativa, na Assembléia Legislativa do meu Estado, na próxima segunda-feira, dia 30, em uma arena, à degola do Governador e do Vice-Governador. A esse convite, temos que responder até a próxima quarta-feira. Vejam V. Exªs: ainda vem um convite para assistirmos àquilo que se desenha para a próxima segunda-feira!

Sr. Presidente, não encontro palavras para analisar o difícil momento histórico por que passaremos nas próximas horas.

O Sr. Jefferson Péres - V. Exª me concede um aparte?

O SR. CASILDO MALDANER - Concedo o aparte ao Senador Jefferson Péres.

O Sr. Jefferson Péres - Senador Casildo Maldaner, no momento, esse é um assunto interno de Santa Catarina, uma vez que a decisão caberá à Assembléia Legislativa do Estado. De qualquer modo, como se trata também de um assunto nacional, em razão da CPI dos Precatórios, creio que não estarei sendo intruso se der uma opinião. Não prejulgo o Governador de Santa Catarina; penso que caberá realmente à Justiça saber se S. Exª é inocente ou culpado, se cometeu ou não algum delito. Todavia, permita-me manifestar minha preocupação quanto ao julgamento da Assembléia do seu Estado, ou ainda, quanto a se será ou não justa. Tenho sérias dúvidas sobre isso, quando leio nos jornais que a sorte do Governador depende de três ou quatro votos e que o Presidente de um Partido está indo a Florianópolis e, dependendo dos entendimentos políticos dessas negociações, o Governador será ou não cassado. A sorte do Governador não depende do que foi apurado no processo, na Assembléia ou no Senado, mas das conveniências de um Partido político. Isso é lamentável, Senador Maldaner.

O SR. CASILDO MALDANER - Agradeço o aparte de V. Exª, o qual incorporo ao meu discurso. Quero ressaltar as suas últimas palavras. Na verdade, nem se esperou a decisão final da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal. Tem razão V. Exª quando diz que o destino do Governador depende de três votos apenas. O pecado do Governador e do Vice-Governador é não terem três votos a mais. Se os tivessem, não estaria em pauta o afastamento do Governador e de seu Vice. E disto tenho certeza: não seria essa a pauta do dia 30; o dia 30 não seria o dia "D".

Mas S. Exªs não vão contar com esses três votos. A questão é numérica. Estão examinando as conveniências. E, como se não bastasse o Governador, também querem o Vice.

Já estão fazendo um inventário do Poder: das Secretarias, do Banco do Estado. Isso é voz corrente nos bastidores, lá, em Santa Catarina.

Trago o assunto a esta Casa, porque há casos semelhantes, idênticos até, em outros Estados e Municípios do País. Trago o assunto à Casa em nome do princípio da isonomia, muito embora seja o assunto de competência adstrita ao Poder Legislativo daquele Estado.

Sabemos que a questão é eminentemente política, que a decisão não está sendo tomada à luz de algum preceito constitucional. Não! Isso não está sendo analisado. Tanto é assim que prevalece o interesse de afastar não só Governador mas também o seu Vice, sem esperar pelas eleições de 1998. É isso o que se está praticando. E isso, segundo entendemos, é golpe.

A nosso ver, é necessário trazer o assunto à esta Casa, quando Lideranças de outros Estados não entendem que haja gravidade em afastar governadores e prefeitos que, para percorrerem o caminhos que os estão levando ao afastamento contaram com a participação do Senado, do Banco Central, de Assembléias Legislativas ou Câmaras Municipais; quando Lideranças nacionais consideram que lá isso é possível, mas não o é nos outros Estados. Nesse momento, começamos a notar que existe um apartheid e que o princípio da isonomia não está sendo respeitado. Trata-se de uma apropriação antecipada do poder; é uma questão que se regionaliza revestida de um caráter discriminatório em relação a outros Estados e Municípios do País.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - V. Exª me permite um aparte?

O SR. CASILDO MALDANER - Ouço o aparte do nobre Senador Josaphat Marinho.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - No curso de sua exposição, V. Exª aludiu à existência de uma Comissão de Investigação que ainda não chegou às suas conclusões?

O SR. CASILDO MALDANER - Referia-me à do Senado.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - E a de lá?

O SR. CASILDO MALDANER - A de lá já chegou às suas conclusões.

O Sr. Jospahat Marinho - Mas chegou a conclusões lá, antes de aguardar as conclusões finais da Comissão do Senado?

O SR. CASILDO MALDANER - E ela foi criada após a do Senado. A Comissão de Santa Catarina, aliás, recebia subsídios da CPI do Senado. Ela foi instalada, Senador Josaphat Marinho, em Santa Catarina, para receber subsídios da Comissão Nacional.

O Sr. Josaphat Marinho - De qualquer modo, causa-me estranheza. Se a Comissão do Senado ainda não chegou às suas conclusões finais, como, a respeito do mesmo assunto, a Comissão Estadual pode extrair todas as conseqüências, inclusive com relação a processo de impeachement?

O SR. CASILDO MALDANER - Recolho as considerações de V. Exª, Senador Josaphat Marinho.

Infelizmente, o quadro que se desenha para esta semana em Santa Catarina é esse. E não há palavras para descrever a preocupação dos catarinenses, o significado desse momento para o nosso Estado. Ouve-se, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, uma voz muito forte vinda do interior, da fronteira com a Argentina, do litoral catarinense, do extremo sul, do norte do Estado. Como pode? Não contentes em afastar o Governador, também retiram o Vice-Governador, enquanto em outros Estados e Municípios, já há quatro ou cinco anos, colocam títulos no mercado da mesma forma, da mesma maneira e nada vai acontecer? Como, em Santa Catarina, não satisfeito com o afastamento do Governador, queira-se também retirar o Vice?

Há um ditado que diz que só o próprio povo pode revogar uma decisão tomada nas urnas. Essa máxima não prevalece mais? Por que as questões duvidosas em Direito, questões de interpretação da Constituição não são remetidas ao foro competente, que é o Judiciário? Por que somente lá, em Santa Catarina, vai-se aplicar a pena capital, a pena de morte? Por que somente lá? Não somos, como todos os outros, um Estado da Federação? Não somos regidos pelo mesmo princípio federativo? Implanta-se o apartheid no País agora?

É difícil segurar a marcha que se inicia na fronteira da Argentina rumo à capital do Estado, rumo à Ilha. Não é a marcha dos sem-terra, não é uma invasão. É uma marcha em prol da legalidade, em prol da legitimidade. Por que isso?

E ainda têm a coragem de nos convidar, pedindo-nos que reservemos até quarta-feira uma cadeira cativa para assistirmos à morte do Governador e do Vice-Governador! E têm a coragem de fazer isso ainda na próxima segunda-feira.

Sr. Presidente, o momento é tenso. O momento que chamo de dia "D", de morte na cadeira elétrica está por acontecer, infelizmente. Já estão fazendo as reservas, já estão marcando as cadeiras para quem quiser assistir à morte, à decapitação, à condução de dois companheiros ao cadafalso. É o que está-se preparando a partir de hoje até à próxima segunda-feira.

Sr. Presidente, esta será uma semana forte, será uma semana dura. Se isso acontecer, precisamos rever alguns entendimentos, pois, no mesmo teto pátrio, nas mesmas condições, lá não é proibido o fruto ou, se é pecado, é apenas venial; mas ali, em Santa Catarina, é pecado mortal. Não há clamor, não há outro fórum para discutir essas questões. E isso vai doer demais, Sr. Presidente, isso vai ficar muito difícil, e nessas próximas horas faremos o encaminhamento para que possamos ver o que fazer.

Sr. Presidente, são estas considerações que, do fundo de minh´alma, trago hoje à tarde a esta Casa e ao Brasil.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/06/1997 - Página 12309