Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A POLEMICA EM TORNO DA LEI 9.434, DE 1997, QUE DISPÕE SOBRE A REMOÇÃO DE ORGÃOS, TECIDOS E PARTES DO CORPO HUMANO PARA FINS DE TRANSPLANTE E TRATAMENTO. RESULTADO DE PESQUISA REALIZADA PELO MINISTERIO DA SAUDE, QUE MOSTRA A APROVAÇÃO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA A NOVA LEI.

Autor
Valmir Campelo (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/DF)
Nome completo: Antônio Valmir Campelo Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A POLEMICA EM TORNO DA LEI 9.434, DE 1997, QUE DISPÕE SOBRE A REMOÇÃO DE ORGÃOS, TECIDOS E PARTES DO CORPO HUMANO PARA FINS DE TRANSPLANTE E TRATAMENTO. RESULTADO DE PESQUISA REALIZADA PELO MINISTERIO DA SAUDE, QUE MOSTRA A APROVAÇÃO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA A NOVA LEI.
Aparteantes
Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 25/06/1997 - Página 12346
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • DEFESA, ESCOLHA, CAPITAL DE ESTADO, DISTRITO FEDERAL (DF), AREA PRIORITARIA, IMPLANTAÇÃO, PROJETO, AMBITO NACIONAL, LEGISLAÇÃO, REMOÇÃO, ORGÃO HUMANO, FACILITAÇÃO, TRANSPLANTE DE ORGÃO.
  • NECESSIDADE, REGULAMENTAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, LEGISLAÇÃO, REMOÇÃO, ORGÃO HUMANO, TRANSPLANTE DE ORGÃO.
  • ANALISE, RESULTADO, PESQUISA, OPINIÃO PUBLICA, DIVULGAÇÃO, REALIZAÇÃO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), APROVAÇÃO, MAIORIA, POPULAÇÃO, BRASIL, LEGISLAÇÃO, REMOÇÃO, ORGÃO HUMANO, TRANSPLANTE DE ORGÃO.

O SR. VALMIR CAMPELO (PTB-DF. Pronuncia o seguinte discurso.) - Srª Presidenta, Senadora Júnia Marise, Srªs e Srs. Senadores, a Lei nº 9.434, de 04 de fevereiro de 1997, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, traz, inegavelmente, uma grande esperança a milhares de brasileiros que aguardam uma cirurgia para sobreviver ou melhorar a qualidade de suas vidas.

Por ser inovadora, audaciosa, moderna e, sobretudo, avançada em todos o seus aspectos, ela está em evidência nas páginas dos jornais nacionais, nos noticiários das emissoras de rádio e televisão, nos debates que se realizam constantemente nos auditórios universitários, jurídicos, religiosos e nas preocupações de todas as classes sociais.

Sobre a nova lei, discute-se se terá realmente condições de atingir os objetivos a que se propõe, discute-se sobre a questão moral e ética que a envolve, discute-se sobre a sua aceitação social, discute-se sobre a sua eficiência e discute-se sobre as urgências técnicas e financeiras que precisam ser implementadas rapidamente para garantir o seu bom financiamento: capacitação dos hospitais públicos para acolher pacientes, ênfase na estruturação perfeita das Centrais de Captação de Órgãos, treinamento adequado de pessoal especializado, condições efetivas que garantam a plena recuperação dos transplantados, estoques satisfatórios de medicamentos específicos.

Essas são algumas providências menores que precisam também ser observadas para que o sistema como um todo funcione com a mesma eficiência que caracteriza os centros mais avançados do mundo.

Srª Presidenta, Srªs e Srs. Senadores, não nos causa nenhuma surpresa que várias opiniões públicas contrárias à nova lei tenham-se manifestado no seio de algumas instâncias da sociedade.

É perfeitamente normal que muitos se coloquem contrários a certas mudanças e inovações, sobretudo quando elas se propõem a alterar o status quo, quando trazem novos conceitos e novas definições que tocam fundo em aspectos institucionais, morais, políticos e religiosos que são muito sensíveis e caracterizam qualquer sociedade.

Os livros mais elementares de sociologia nos ensinam que seria absurdo deixar de reconhecer, por exemplo, que, nas sociedades mais conservadoras, os tabus constituem poderosos instrumentos de controle social e concorrem seriamente para a salvaguarda de tradições e para a permanência de relações entre os homens.

Assim, sempre que semelhantes preceitos imperativos e, por assim dizer, extremamente sensíveis da ordem social são contrariados, isso abala o sistema como um todo.

Além disso, convém frisar que existe uma diferença importante entre os tabus predominantes nas sociedades de desenvolvimento tardio e os que fazem parte da vida social das chamadas sociedades avançadas industrialmente, tecnologicamente e politicamente.

A grande diferença é que os tabus das primeiras identificam-se com um caráter exclusivo e ostensivamente místico. Dessa maneira, como isso não acontece constantemente nas sociedades desenvolvidas, as imposições de ordem social são menos poderosas e fracas de explicação lógica aceitável.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, por exemplo, é justamente uma das entidades que condenam alguns pontos da lei e conclui em seu relatório que a necessidade de uma declaração expressa de recusa em doar órgãos é uma forma de exercer, sobre a vontade dos mais fracos, uma certa pressão de ordem moral.

Considero da maior importância a análise das posições defendidas pelo Conselho Federal da OAB, mas não devemos nos esquecer de dizer que o Governo Federal, de maneira transparente e democrática, juntamente com a mídia nacional, respeitando perfeitamente os valores sociais vigentes e os princípios mais elementares dos direitos humanos, abriu grandes espaços para que a sociedade brasileira e, fundamentalmente, os necessitados de transplantes pudessem debater livremente, inclusive levantando todas as dúvidas possíveis e imagináveis sobre os possíveis riscos capazes de desvirtuar o seu objetivo.

Em verdade, as polêmicas que surgiram foram saudáveis e motivaram ainda mais a sociedade para o debate e para a obtenção de maiores informações sobre o assunto.

Assim, não seria justo alguém dizer que houve alguma manipulação de quem quer que seja na feitura, na discussão, na aprovação e na sanção dessa lei que, como já dissemos, traz um fio de esperança para milhares de brasileiros necessitados de transplantes e que vivem dias de angústia e de sofrimento nos quartos e nos corredores dos hospitais.

A maioria da população aprova de maneira incontestável a Lei nº 9.434. Pesquisa recente realizada pelo Ministério da Saúde, ouvindo uma amostra de mil pessoas em 124 Municípios brasileiros, demonstrou que 71% dos entrevistados aprovaram a medida.

O Sr. Ney Suassuna - Permite V. Exª um aparte?

O SR. VALMIR CAMPELO - Ouço o nobre Senador Ney Suassuna, com muito prazer.

O Sr. Ney Suassuna - Nobre Senador, na semana passada, recebi minha nova Carteira de Habilitação e, para minha alegria e honra, veio registrado: doador. Não lembro de ninguém, a quem eu tenha mostrado a carteira, que não tenha dito que precisava trocar a sua urgentemente. Essa medida realmente facilitou a vida daqueles que querem dar esperança a uma outra vida. Solidarizo-me com V. Exª neste pronunciamento, porque esse é um tema que há muito gerava discussões no País, mas sobre o qual não se resolvia. Eu mesmo tinha um projeto nesse sentido. Entretanto, o projeto aprovado tinha vários autores e, mesmo não sendo aprovado o meu, fiquei muito feliz de ver essa situação resolvida. Hoje, existe a facilidade de ser registrado em um documento a opção: doador, dando continuidade, como disse, a uma idéia que perpetua a vida.

O SR. VALMIR CAMPELO - Muito obrigado, nobre Senador. Fico muito grato pela declaração de V. Exª e, com muito orgulho, integro o seu aparte ao meu pronunciamento.

Assim, Sr. Presidente, das mil pessoas ouvidas, 710 aprovaram a nova lei e acreditam que a legislação será capaz de aumentar o número de doações e salvar, a médio prazo, milhares de vidas.

Vale ressaltar que apenas 26% dos entrevistados manifestaram-se contrários, alegando dificuldades em tomar decisões pessoais a respeito do assunto, por medo de lidarem com o tema relacionado à morte, ou mesmo por desinteresse sobre a matéria. No item referente à doação de órgãos, somente 18% declararam que não pretendiam ser doadores.

Os resultados expressivos da pesquisa nos levam a pedir pressa na regulamentação da lei e a solicitar às autoridades da área de saúde a pronta liberação dos recursos necessários à implantação ou melhoria das Centrais de Captação de Órgãos em todos os Estados, o treinamento adequado do pessoal especializado e outras medidas afins que se fazem necessárias.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, aproveito esta oportunidade para defender, neste plenário, que Brasília seja escolhida como área piloto na montagem desse grande projeto nacional. A Central de Captação de Órgãos do Distrito Federal pode, com investimentos eficientes, servir de modelo para o resto do Brasil. Vale ressaltar que o Distrito Federal já tem uma experiência bastante importante em matéria de transplantes e o próprio Hospital de Base aparece como pioneiro em toda a região.

A primeira iniciativa para a criação da Central de Captação de Órgãos do Distrito Federal, no Hospital de Base, data de 1991 e foi motivada pelo programa de reestruturação da área de Transplante Renal daquela entidade de saúde.

Assim, antecipando-se à aprovação da Lei de Transplantes de 1992, que obrigou as secretarias estaduais de saúde a implantarem "centrais de notificação", a Câmara Distrital aprovou lei criando a "Central de Captação de Órgãos do DF".

Finalmente, em 1995, Sr. Presidente, veio a regulamentação inspirada nos modelos mais avançados, prevendo inclusive a participação de hospitais públicos e privados do Distrito Federal nos programas de transplantes.

Dessa maneira, diferentemente da passividade que caracteriza as centrais de captação, o modelo implantado no Distrito Federal, estruturado para a geração de órgãos, motivou o interesse de outras unidades federativas em seguir o mesmo caminho.

Apesar dos esforços empreendidos pela Central de Captação de Órgãos do Distrito Federal para manter o padrão de eficiência, devemos reconhecer a existência de grandes dificuldades de recursos, pessoal e infra-estrutura que precisam ser solucionados para um melhor atendimento dos pacientes.

Sr. Presidente, dados recentes mostram que hoje, no Distrito Federal, existe uma fila de mais de 45 pessoas à espera de um transplante. Segundo os médicos especialistas, o índice de mortalidade anual está situado na faixa entre 20% a 30%. A cada 15 dias, um rim é transplantado e duas novas pessoas entram na fila. Na rede pública, cada paciente pode esperar até um ano pela cirurgia. Na rede privada, a demora é de dois a três meses.

O Hospital de Base do Distrito Federal realiza cerca de 50 transplantes de rim por ano. No que se refere ao transplante de córnea, em fevereiro deste ano existiam 230 pacientes à espera de um doador só no Hospital de Base de Brasília. Desde que o transplante renal começou a ser feito no Distrito Federal, mais de 400 cirurgias já foram realizadas. As estatísticas de saúde colocam o Distrito Federal em primeiro lugar no Brasil em transplante renal.

Gostaria de finalizar, Sr. Presidente, Senador Geraldo Melo, dizendo que se, por um lado, milhares de brasileiros que padecem de doenças que exigem um transplante apóiam a Lei nº 9.434/97 como a última esperança, do outro, o Governo precisa urgentemente promover a sua regulamentação e destinar os recursos necessários para o seu bom funcionamento.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/06/1997 - Página 12346