Discurso no Senado Federal

PARADOXO DA CONVIVENCIA DA AUTOMEDICAÇÃO COM OS ALTOS PREÇOS DOS MEDICAMENTOS. NECESSARIA AÇÃO EFETIVA DO ESTADO NA FORMULAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DE LEIS E POLITICAS REGULADORAS DO MERCADO DE MEDICAMENTOS, NA VIGILANCIA SANITARIA E NA FISCALIZAÇÃO DO CUMPRIMENTO DA LEGISLAÇÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E DA ECONOMIA POPULAR.

Autor
Gilvam Borges (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: Gilvam Pinheiro Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • PARADOXO DA CONVIVENCIA DA AUTOMEDICAÇÃO COM OS ALTOS PREÇOS DOS MEDICAMENTOS. NECESSARIA AÇÃO EFETIVA DO ESTADO NA FORMULAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DE LEIS E POLITICAS REGULADORAS DO MERCADO DE MEDICAMENTOS, NA VIGILANCIA SANITARIA E NA FISCALIZAÇÃO DO CUMPRIMENTO DA LEGISLAÇÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E DA ECONOMIA POPULAR.
Publicação
Publicação no DSF de 25/06/1997 - Página 12395
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • IMPORTANCIA, CONGRESSO NACIONAL, APOIO, IMPLEMENTAÇÃO, POLITICA, REGULAMENTAÇÃO, MERCADO INTERNO, PRODUTO FARMACEUTICO, MEDICAMENTOS, FISCALIZAÇÃO, CUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, DEFESA, CONSUMIDOR, ECONOMIA POPULAR, OBJETIVO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, ASSISTENCIA FARMACEUTICA, POPULAÇÃO.
  • NECESSIDADE, AUMENTO, FISCALIZAÇÃO, GOVERNO, FARMACIA, MOTIVO, DESRESPEITO, DECRETO FEDERAL, OBRIGATORIEDADE, LABORATORIO FARMACEUTICO, EXIBIÇÃO, DENOMINAÇÃO, NOME, PRODUTO QUIMICO, COMPOSTO QUIMICO, COMPOSIÇÃO, MEDICAMENTOS, RESULTADO, PREJUIZO, POPULAÇÃO, FAVORECIMENTO, INDUSTRIA FARMACEUTICA.

              O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em recente edição, uma das revistas de maior repercussão de nossa imprensa denunciou uma das faces do descontrole que atingiu o mercado de medicamentos no País. Os números apresentados são eloqüentes: o Brasil é o quarto maior consumidor de remédios do mundo, embora esteja em posição vergonhosa em relação aos indicadores de saúde; a indústria farmacêutica faturou 10 bilhões de reais no País no ano passado; existem 48 mil farmácias no País -- o dobro do que seria necessário segundo a Organização Mundial de Saúde -- OMS; 2 de cada 3 remédios comercializados são vendidos sem receita; a importação de remédios cresceu 50% desde 1994; algo como 80 milhões de brasileiros são adeptos da automedicação.

              Essa prática da automedicação, Srªs e Srs. Senadores, que funciona como aglutinadora dos demais procedimentos apontados, não é, evidentemente, uma característica exclusivamente brasileira. Existe em todo o mundo. O que ocorre é que, nos países onde a comercialização de remédios é feita com mais seriedade, ninguém consegue comprar determinados medicamentos sem receita médica.

              A permissividade generalizada do comércio de remédios gera outros efeitos desastrosos, alguns especialmente perversos, pois podem acarretar conseqüências tão funestas quanto as da automedicação, ou seja, impedir o acesso ao medicamento, muitas vezes vital para as pessoas. Refiro-me ao preço dos remédios.

              O acesso aos medicamentos necessários à manutenção e recuperação da saúde é um direito assegurado na maioria dos países. No Brasil, vive-se o paradoxo da convivência da automedicação com os altos preços dos medicamentos, geralmente inacessíveis para grande parte da população. Para se ter uma idéia do descompasso entre a economia dita "estabilizada" e o preço dos remédios, considere-se que, de janeiro a maio, os remédios tiveram aumentos de até 45%, índice muito acima da inflação de 3,8%, acumulada no período.

              Se levarmos em conta alguns outros fatores, o quadro pode ser bastante agravado: em primeiro lugar, considere-se que não houve reajuste salarial e, em segundo lugar, que a maioria dos aumentos incidem sobre o preço dos chamados remédios de uso continuado, ou seja, aqueles que os pacientes precisam tomar até o final da vida, como é o caso dos cardíacos e epiléticos. Assim, os aumentos injustificados configuram uma atitude nada ética da indústria farmacêutica em operação no Brasil, a qual age como se fosse isenta de compromisso com a saúde da população.

              Há, ainda, Srªs e Srs. Senadores, outra postura inaceitável dessas indústrias, que é o seu total desprezo às leis e às normas em vigência no País. O maior exemplo ocorre com o Decreto 793, assinado pelo ex-Presidente Itamar Franco, com vigor a partir de 5 de outubro de 1993, referente à denominação de medicamentos. A medida legal determina que os laboratórios estampem, nas embalagens dos medicamentos, com destaque, a denominação genérica do remédio e, em segundo lugar, com letras bem menores, o nome comercial do produto, isto é, a marca. A utilização do nome genérico dos remédios traria vários benefícios para o cidadão. Revelaria a existência de inúmeras marcas para um mesmo medicamento e mostraria que os preços variam entre as distintas marcas, permitindo a escolha, o que estimularia a concorrência e provocaria a redução dos preços.

              O Decreto beneficiaria, também, a classe médica, já que a prescrição deixaria de se fazer pela marca do remédio e passaria a se basear na denominação farmacológica. Dessa forma, os médicos passariam a utilizar o fundamento científico na sua prática profissional e afastariam as associações incômodas que hoje se fazem entre eles e as indústrias farmacêuticas.

              Por fim, o cumprimento do Decreto 793 diminuiria, ainda, a prática da automedicação, uma vez que a publicidade perderia o impacto produzido pela marca, que é, sem dúvida, a estratégia da indução ao consumo de remédios.

              Até o presente, Srªs e Srs. Senadores, a indústria farmacêutica recusa-se a cumprir a lei e recorreu à Justiça contra o ato presidencial.

              Além das medidas que regulam o procedimento da indústria de medicamentos, é preciso chamar a atenção, também, para a necessidade de implementar iniciativas congêneres em relação a algumas das práticas comerciais de farmácias e drogarias, que aviltam os direitos do cidadão consumidor de remédios. Induzir ao consumo desnecessário e irracional de medicamentos, comissionar o balconista, generalizar a prática do "cartel" no setor são sinais que evidenciam a maneira pela qual os medicamentos são encarados por vários empresários do ramo de farmácia, simplesmente como fonte incessante de lucro, sem qualquer relação com a saúde pública. Conclui-se que a qualidade da orientação farmacêutica oferecida no País não corresponde às necessidades da população, norteando-se por interesses puramente mercantilistas.

              Outras características de nossa realidade socioeconômica interferem na definição de preços dos medicamentos, e não podem ser omitidas. Na estrutura de produção, apenas 15% do faturamento corresponde à produção de empresa nacional, isto é, em nosso País, o mercado é quase totalmente dominado por empresas transnacionais.

              A ocupação do mercado nacional de medicamentos pelas indústrias transnacionais é, mais uma vez, resultado da tibieza do Poder Público em adotar políticas específicas para o setor farmacêutico, ao mesmo tempo em que as políticas econômicas e os modelos de industrialização facilitaram a implantação de indústrias estrangeiras no País.

              Nossas indústrias farmacêuticas -- implantadas a partir da década de 30 --, sem iniciativa, apoio e investimentos, não desenvolveram sistematicamente a pesquisa científica, a exemplo de outros países, pródigos em subsídios oficiais ao setor. Dessa forma, a partir da década de 50, assistimos à desnacionalização da indústria farmacêutica, com a entrada em nosso País de um número crescente de empresas estrangeiras com forte potencial econômico, financeiro e tecnológico, detentoras das patentes e da tecnologia de produção. Restaram à indústria farmacêutica nacional as fatias de mercado de produtos tradicionais e populares, com tecnologia pouco sofisticada de produção.

              Essa situação histórica vem se perpetuando. Investe-se muito pouco em pesquisa de medicamentos, como, de resto, em pesquisa em geral. As empresas transnacionais evitam utilizar instalações locais de pesquisa, explorando o mercado por meio de inovações concebidas fora do País, contando, para tanto, com a omissão e a descoordenação dos Governos nacionais. Assim, são desanimadoras as perspectivas para o desenvolvimento tecnológico de nosso País nesse setor.

              Como vemos, Srªs e Srs. Senadores, deixado ao sabor de sua própria dinâmica, o mercado de medicamentos tem sido o principal responsável pela alta injustificada dos preços, pelo estímulo ao consumo irracional, pela proliferação de pontos de venda -- na sua maioria entregues a leigos, sem a presença do farmacêutico habilitado -- e pela propaganda abusiva.

              É inevitável, portanto, reconhecer que se faz necessária a ação efetiva do Estado na formulação e implementação de leis e políticas reguladoras do mercado de medicamentos, na vigilância sanitária e na fiscalização do cumprimento da legislação de defesa do consumidor e da economia popular.

              Diante do precário aparato legal e institucional de regulação e controle, dos interesses estruturados e das fortes resistências a mudanças, é forçoso admitir, Senhoras e Senhores Senadores, que o mercado de medicamentos não está equipado para trazer os benefícios necessários à melhoria da qualidade de vida da população brasileira.

              Fazer da assistência farmacêutica uma atividade de relevância social, e não o mero comércio de remédios, é tarefa que somente logrará êxito com a conscientização da população e a participação de seus representantes democraticamente constituídos.

              Daí, Srªs e Srs. Senadores, a importância do posicionamento do Congresso Nacional em relação a essa matéria, que, além de comprometer duramente a economia brasileira, agrava, sobretudo, o contexto, já por si calamitoso, da Saúde no País.

              Era o que tinha a dizer.

              Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/06/1997 - Página 12395