Discurso no Senado Federal

PRONUNCIAMENTO FEITO POR S.EXA., SOB O TITULO 'OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO - INFLUENCIA NA MORAL DA FAMILIA E NO AUMENTO DA VIOLENCIA', A CONVITE DA ASSOCIAÇÃO DOS DIPLOMADOS DA ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA, NO 39 CICLO DE ESTUDOS DE POLITICA E ESTRATEGIA.

Autor
Romeu Tuma (PFL - Partido da Frente Liberal/SP)
Nome completo: Romeu Tuma
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA.:
  • PRONUNCIAMENTO FEITO POR S.EXA., SOB O TITULO 'OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO - INFLUENCIA NA MORAL DA FAMILIA E NO AUMENTO DA VIOLENCIA', A CONVITE DA ASSOCIAÇÃO DOS DIPLOMADOS DA ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA, NO 39 CICLO DE ESTUDOS DE POLITICA E ESTRATEGIA.
Publicação
Publicação no DSF de 25/06/1997 - Página 12400
Assunto
Outros > IMPRENSA.
Indexação
  • PRONUNCIAMENTO, CONFERENCIA, AUTORIA, ORADOR, PROFERIMENTO, SEDE, ENTIDADE, ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG), RELACIONAMENTO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, IMPRENSA, INFLUENCIA, AUMENTO, VIOLENCIA, CRIME, AMBITO, SOCIEDADE, BRASIL.

O SR. ROMEU TUMA (PFL-SP. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dia 16 de junho, a convite do ilustre Delegado da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra - ADESG no Estado de São Paulo, Dr. Adauto Rochetto, tivemos o prazer de proferir conferência como parte de mais um Ciclo de Estudos de Política e Estratégia - o 39.º - promovido por aquela destacada agremiação.

O tema que nos foi destinado, "Os Meios de Comunicação - Influência na Moral da Família e no Aumento da Violência" -, por ser atualíssimo diante de diversos projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional e com os quais se relaciona, leva-nos a reproduzir desta tribuna o que dissemos aos estagiários da entidade, que honra a tradição de altos estudos já firmada pela ESG. Com este pronunciamento, acreditamos estar contribuindo para avivar a atenção geral para aspectos fundamentais de algo que diz respeito diretamente ao Estado Democrático de Direito, ou seja, a liberdade de imprensa e de manifestação do pensamento. 

"Meios de comunicação", expressão genérica muito ampla, abrange todos os sistemas utilizados para transmitir informações e opiniões, desde o telégrafo sem fio até os satélites, passando pelas modernas impressoras e a Internet. É obvio que, naquele colóquio, limitamo-nos aos meios utilizados rotineiramente para a divulgação de notícias, opiniões, interpretações e outras manifestações que tenham caráter jornalístico ou artístico. Cingimo-nos, tanto quanto possível, aos meios englobados na expressão "comunicação social", como constam da Constituição, ou seja a "imprensa" no seu mais lato sentido.

Mas, o que vem a ser imprensa e de qual influência falamos?

Evidentemente, tivemos em mira jornais, revistas, rádio, TV, agências noticiosas e alguns serviços informativos prestados atualmente por esses veículos via Internet. Portanto, consideramos apenas a influência que esses veículos exercem sobre todos nós, graças à liberdade de que usufruem no Estado Democrático de Direito, liberdade que, em contrapartida, significa garantia de sobrevivência para a própria democracia. Analisamos a influência que decorre, naturalmente, da liberdade de informar e ser informado, de emitir opinião e proporcionar entretenimento e prazer através dos mecanismos de comunicação de massa. Mas, tivemos em mente que influir não quer dizer necessariamente estimular, incentivar. Deixamos claro que a influência constante do tema queria dizer somente a ação que uma pessoa ou coisa exerce sobre outra, ação que pode se dar em qualquer sentido.

Segundo os filólogos, a palavra imprensa originou-se do latim "impressus" e significou, inicialmente, a máquina impressora. Sobre essa palavra, escreveu o renomado autor, ex-diretor de jornal e Doutor em Direito pela USP, José Nabantino Ramos, em sua obra "Jornalismo":

"Tornou-se depois a arte de imprimir e o estabelecimento dos serviços gráficos. Mais tarde significou a profissão jornalística e o conjunto dos jornais (...) Mais recentemente, passou a compreender também o rádio e a televisão, que vieram a ser 'a imprensa falada', pois o artigo 80 do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117, de 27-8-1962) dispõe que se equiparam 'à atividade do jornalista profissional, a busca, a redação, a divulgação ou a promoção, através da radiodifusão, de notícias, reportagens, comentários, debates e entrevistas".

O Decreto-lei 972, de 17-10-1969, e toda a legislação posterior, regulamentadora da profissão, também incluíram os profissionais do rádio e da televisão entre os jornalistas. Para que não fiquemos a divagar, definamos como órgãos de imprensa todas as organizações em que atuem os jornalistas, exercendo funções que lhes são reservadas por lei. Trata-se, portanto, de órgãos capazes de formar ou deformar a opinião pública, assim como de atuar sobre os usos e costumes do povo e, desta forma, influir no seu comportamento.

Em se tratando de "imprensa escrita", tal nomenclatura abrange a empresa proprietária, a redação, a publicidade e as oficinas, ou seja, tudo o que diga respeito aos jornais, revistas e agências noticiosas. Nesse caso, as únicas restrições prévias existentes estão ligadas à constituição da empresa, pois a Carta Magna, no artigo 222, determina que "a propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, aos quais caberá a responsabilidade por sua administração e orientação intelectual." Diz ainda esse texto constitucional que é vedada a participação de pessoa jurídica no capital social de empresa jornalística ou de radiodifusão, exceto a de partido político e de sociedades cujo capital pertença exclusiva e nominalmente a brasileiros, mesmo assim sem direito a voto e sem exceder a trinta por cento do capital social. A terceira e última restrição é a de que os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio (artigo 220, II, § 5.º).

Quando abrimos o leque da comunicação social, verificamos que se usa a expressão "imprensa" para designar a seção ou serviço de empresa de radiodifusão, televisão ou divulgação cinematográfica, ou de agência de publicidade onde sejam exercidas atividades jornalísticas. Em se tratando de mídia eletrônica, isto é, o rádio e a TV, agora acrescidos de alguns serviços prestados via Internet, verificamos que, na prática, nossos governantes detêm grande poder sobre ela, por se tratar de um serviço pertencente ao Estado. Esse serviço estatal é outorgado a empresas particulares em regime de concessão, permissão ou autorização, portanto sob fiscalização do Poder Público e enquanto a este aprouver. Senão, vejamos.

Diz a Constituição, no art. 223:

"Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal".

Essa outorga ou renovação - dez anos para emissoras de rádio e quinze para as de televisão -, assim como a não-renovação, dependerá de, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal. Além dessa deliberação legislativa, as emissoras contam com a única garantia de que, antes do vencimento daquele prazo, o cancelamento da concessão ou permissão depende de decisão judicial. Portanto, vivem legalmente sob um regime de liberdade condicionada e submetem-se a uma série de imposições do Poder Público, que inexistem em relação à imprensa escrita.

Para entendermos o significado disto, basta lembrar o que está acontecendo com o programa "A Voz do Brasil", que o mundo radiofônico vem tentando calar há tempos, qualificando-o como inconstitucional e antidemocrático. Ou ainda as periódicas requisições de horários para comunicações e programas oficiais, sem nenhuma retribuição pecuniária às emissoras. Como empresas, as emissoras possuem finalidade econômica e arcam assim com vultosos prejuízos.

Se algum órgão da mídia eletrônica abusa da liberdade de imprensa para cometer algum delito através de um programa jornalístico, torna-se passível das mesmas sanções legais que seriam aplicadas, em iguais circunstâncias, a jornais e revistas. Mas, por executar serviço de radiodifusão ou televisão sob concessão, permissão ou autorização estatal, a emissora estará sujeita, além daquelas sanções, a uma série de outras penalidades previstas no Código Brasileiro de Telecomunicações, penalidades essas que podem chegar à retirada da freqüência de transmissão, o que, na prática, significa a dissolução da empresa, como já aconteceu em passado não muito remoto.

Sabemos assim que, em tese, a liberdade de imprensa é parcial em relação ao rádio e à televisão, apesar da aparência que se lha possamos dar, bem como do que diz a Carta Magna, no artigo n.º 220:

"A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição."

Em termos gerais, a comunicação social está bem amparada naquele texto, pois o parágrafo 1.º do mesmo artigo assegura que "nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5.º, IV, V, X, XIII e XIV." 

Esse artigo 5.º, nos seus incisos, diz que

"é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

"é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

"é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

"são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

"é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; e

"é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional."

A exceção fica por conta do Estado de Sítio. Segundo o art. 139, inciso III, em sua vigência poderão ocorrer restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei. Assim mesmo, pelo artigo 141, cessado o estado de defesa ou o estado de sítio, cessarão também seus efeitos, sem prejuízo da responsabilidade pelos ilícitos cometidos por seus executores ou agentes.

Bem, mas por que toda essa preocupação com a liberdade de informar e ser informado, assim como de publicar a própria opinião ou a de terceiros? A resposta nós vamos encontrar ainda no texto constitucional, cujo art. 1.º , parágrafo único, reza:

"Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."

Com isto, a necessidade de tal liberdade transcende o plano ideológico, deixa de ser um produto virtual para ganhar os contornos concretos da existência plena de consequências práticas. Ora, se todo o poder pertence ao povo e é por ele exercido direta ou indiretamente, há necessidade absoluta de esse povo manter-se bem informado, para que faça funcionar a contento o Estado Democrático de Direito. Há necessidade de disseminar a informação entre as massas para que a democracia possa existir e prosperar. E é exclusivamente através dos órgãos de comunicação social que o povo consegue informações em quantidade e com rapidez suficientes. A Imprensa é o adubo para as raízes do Estado Democrático de Direito. Sem ela não poderia existir democracia.

Aliás, diz a sabedoria popular que saber é poder. Não sou eu quem o afirma, pois este antigo adágio é tão velho quanto a História. Saber é poder principalmente porque quem sabe algo sobre alguém tem poder sobre esse alguém. Tanto isto é verdade que as ditaduras, sem exceção, buscam dominar a informação, detêm o monopólio da informação sem o qual é impossível que sobrevivam. Aí fica a chave do mecanismo de força dos órgãos oficiais de informação, que são tão poderosos quanto o seja o domínio exercido sobre as notícias pelo regime que integram. E daí também a importância do Jornalismo, livre e autêntico, pois é ele que dissemina a informação entre o povo, que difunde a sua interpretação e que irradia as opiniões decorrentes. São os jornalistas, através dos órgãos de Imprensa, que democratizam a informação e, democratizando-a, asseguram a existência do Estado Democrático de Direito, sem o qual não há como reconhecer a legitimidade de qualquer instituição.

Quanto mais informado for, mais livre será o ser humano. O máximo de evolução da humanidade será atingido quando a liberdade individual plena for igual para todos os cidadãos e seus representantes. Democratizando a informação, o jornalista cumpre a missão social de manter a cidadania na rota que conduz inevitavelmente a esse estágio, ou seja, ao topo da escala de evolução da humanidade. E essa missão é árdua e perigosa, haja vista para o fato de que o Comitê para Proteção dos Jornalistas (CPJ), com sede nos EUA, registrou a morte de 474 profissionais em serviço, nos últimos 10 anos, em todo o mundo, a maioria vítima de assassinato. Quase cinquenta profissionais de imprensa por ano, sem contar aqueles eliminados em países dos quais não se têm sequer estatísticas.

Cabe à Imprensa uma posição natural de vanguarda e força, que chega a ser chamada de quarto poder da República, como já a qualificara o legislador Burke, em sessão da Câmara dos Comuns no século XVIII, ao formular o conceito que correu mundo. Por isso mesmo, os idealistas, os profissionais autênticos que nela militam resguardam-na, jamais esquecendo que a notícia é a informação, é o fato puro desprovido de opinião e interpretação de quem o veicula. Os que têm pureza de intenções sabem que a apresentação do fato subordinada à opinião e interpretação do comunicador é desvirtuamento do jornalismo, é simples propaganda. Sabem que, se assim agirem, ainda que se digam jornalistas, não estarão exercendo o Jornalismo, pois nada mais farão do que propaganda. Os verdadeiros jornalistas também garantem a honestidade de suas opiniões e interpretações ao fundamentá-las exclusivamente na notícia. Se assim não fosse, o ato de opinar e interpretar nada mais seria do que disfarçar a mentira. 

Por tudo isso, por macular algo tão sublime, chega a ser revoltante qualquer ato destinado a desvirtuar a comunicação social para usá-la como suporte de mostruários obscenos, camuflando a licenciosidade como liberdade de imprensa. Infelizmente, ações dessa natureza acontecem em todo o mundo e constituem permanente preocupação para muitos povos, há alguns séculos. Uma preocupação presente também em nossa sociedade, tanto que, embora abolindo qualquer forma de censura, nossa Constituição a reflete ao contemplar a influência das diversões e dos espetáculos públicos na moral do cidadão e sua família. Existem, em conseqüência, prescrições constitucionais diretamente relacionadas com o nosso tema, assim como abundante legislação decorrente.

Se princípios constitucionais e leis deixam de ser obedecidos, a história é outra. Há autoridades responsáveis pelo seu cumprimento, que vivem de salários pagos pelo povo para fazer valer a lei. Nunca deveriam, por isso, estar se omitindo como, aliás, infelizmente, acontece em tantos setores da vida pública. Essa omissão tem nome. É prevaricação ou coisa pior. Temos leis para tudo, à farta, até em excesso. Só que não são aplicadas ou o são de forma desvirtuada ou errônea. Se, por exemplo, cenas de sexo explicito aparecem na TV em horários incompatíveis, todo um arcabouço institucional mantido com o dinheiro do povo deveria movimentar-se para responsabilizar quem realizou a transmissão. Essa ação estaria legitimamente apoiada em diversos instrumentos legais, desde o Estatuto da Criança e do Adolescente até o Código Brasileiro de Telecomunicações.

Dizer que a legislação está ultrapassada, está caduca, é muito cômodo. Não passa de cortina de fumaça para encobrir a própria incompetência ou falta de exação. Em minha opinião, constitui um acinte. Ninguém conseguirá convencer-me de que a inércia de uma autoridade possa decorrer apenas de uma fortuita imperfeição legal. Como também ninguém conseguirá convencer-me de que, em qualquer época, em qualquer lugar, um bom chefe de família gostaria de ver sua prole ser surpreendida por cenas de sexo explicito, ainda mais ao assistir a um canal aberto de TV. Isto não é cultura. Isto não é lazer. Isto não é liberdade. Isto tem outro nome.

Não estou querendo dizer que se deva reformar e aplicar a ferro e fogo a legislação apoiada no artigo 221 da Constituição, segundo o qual a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão têm que dar preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas. Lamentavelmente, emissoras que seguem rigidamente a ética contida nesses princípios não obtêm audiência e força condizentes, apesar do serviço de excepcional relevância que prestam à coletividade. Quando muito, usufruem de uma credibilidade restrita.

Quero destacar, isto sim, o respeito que se deve aos valores éticos e sociais da pessoa e da família, conforme determina o mesmo artigo da Constituição. E que não se invada os lares para emporcalhá-los.

Senhoras e Senhoras Senadores. Eu sou do tempo em que havia clara distinção entre obscenidade e erotismo, entre comércio pornográfico e espetáculo artístico. Será que realmente a moral se alterou tanto assim? Será que os usos e costumes de hoje estão totalmente desregrados? Será que viramos escravos de instintos animalescos? Ou será que somos coniventes, por nosso silêncio, com quem intenta transformar o comportamento minoritário em regra geral?

Continuaremos a deixar-nos embrutecer até o ponto de sentir prazer em assistir àquelas cenas pornográficas em família?

O fato é que já partimos do 8 para o 80! Há necessidade de recuperar o bom senso, chamem-no como quiserem chamar.

É evidente que todo esse raciocínio também esteve presente na elaboração da Constituição de 1988, tanto que, mesmo proibindo toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística, mesmo proclamando que é proibido proibir, o artigo 220 destina competência à lei federal para

"estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente".

Então, por que essas prescrições constitucionais devem funcionar apenas na parte referente à propaganda comercial de coisas nocivas à saúde e ao meio ambiente, como acontece com o tabaco, as bebidas alcoólicas, os agrotóxicos, os medicamentos e as terapias? Por que somente estas sofrem, na prática, restrições legais, como, por exemplo, permissão para ser anunciadas apenas em determinados horários e, assim mesmo, com advertências sobre os malefícios decorrentes de seu uso? O restante, pelo simples fato de não ser matéria declaradamente publicitária, de não ser matéria paga, transformar-se-ia em matéria jornalística de cunho editorial ou em espetáculo artístico puro, com direito a algumas das mais sagradas formas de liberdade sustentada pela cidadania democrática?

Poderíamos dizer que a moral é dinâmica, adapta-se aos usos e costumes de cada povo em cada época. Isso também é verdade. Em relação a esse fato, talvez até superestimemos a importância da imprensa e a julguemos injustamente. Os usos e costumes se alteram sob a influência de uma série de fatores, com ou sem a participação dos meios de comunicação. A imprensa retrata o que está acontecendo, mostra tudo a quem quiser vê-lo. É sua obrigação. Funciona, assim, como catalisador capaz de acelerar ou retardar as modificações dos usos e costumes, portanto, da moral existente, dada a característica de poder levar o conhecimento das tendências de modificação a muitas pessoas ao mesmo tempo. Mas, daí a afirmar que os meios de comunicação condicionem o comportamento humano, vai um grande e perigoso salto. Como também seria falso afirmar que a democracia, por ser transparente e deixar à mostra os erros cometidos em seu nome ou sob sua liberalidade, é um regime que não presta. Sempre acharemos, nesses casos, a responsabilidade de homens corruptos e mal intencionados, nunca da instituição.

Quero aqui deixar bem clara minha posição de irrestrito apoio à liberdade de imprensa, à liberdade de informar e ser informado, à liberdade artística, à liberdade de manifestação do pensamento em todas as suas formas. Mas, também de desaprovação às agressões que, de maneira frontal ou sub-reptícia, são desferidas contra a sociedade por quem, seguidor de inclinações pessoais discricionárias, intenta moldá-la de acordo com a própria moralidade estropiada ou quer nela instilar a amoralidade para que ele mesmo, como indivíduo, deixe de sentir-se "diferente" e não mais seja visto e tratado como uma exceção. Entretanto, longe de mim sequer imaginar algo que lembre a severidade que já se destinou a esse tipo de pessoas ao longo da História, como, por exemplo, na Lei das Doze Tábuas do primitivo Direito Romano, que punia com a pena de morte a entoação pública de canções irreverentes, considerando-a uma violação da ordem.

Embora esteja implícito em tudo o que eu lhes disse, é preciso ressaltar os gravíssimos riscos que se corre quando, seja qual for o pretexto ou intenção, se admite a possibilidade de tolher alguma daquelas liberdades. Quem prega nesse sentido, geralmente está imbuído de más intenções ou - pior ainda - é arauto do obscurantismo, a exemplo do que aconteceu, em 1671, quando, ao reconhecer o fato de a impressão tipográfica e o ensino estarem menos desenvolvidos na Virgínia que nas colônias situadas mais ao norte dos Estados Unidos, o então governador Berkeley disse algo que soaria hoje como piada num enredo de tragicomédia. Afirmou ele:

"Mas, agradeço a Deus não termos escolas e impressão livres; e espero que não as tenhamos neste século; o ensino trouxe ao mundo a desobediência, a heresia, o sectarismo; e a impressão tipográfica os divulgou, assim como as difamações contra o governo. Deus nos livre de ambos."

No prólogo da consagrada obra "Freedom of Speech and Press in America" ("Liberdade de Palavra e Imprensa na América"), o juiz norte-americano, Dr. William O. Douglas, escreveu:

"Palavra livre e imprensa livre - não naves espaciais ou automóveis - são os símbolos importantes da civilização ocidental (...). Nenhum regime totalitário pode conceder liberdade de palavra e de imprensa. Idéias são coisas perigosas - as mais perigosas do mundo, porque obsedam e persistem. Aqueles comprometidos com a democracia vivem perigosamente, pois se dispõem a jamais silenciar uma voz de protesto ou uma pena de rebeldia."

Não há como eliminar eternamente a liberdade em qualquer de suas formas. O autor daquele mesmo livro, Dr. Edward G. Hudon, apresenta bons exemplos dessa assertiva. Além disso, guiados por ele, podemos ler na "English Constitutional History" ("História Constitucional Inglesa"), de Taswell-Langmead, à página 759, que, enquanto vigorou o sistema de licença para a imprensa inglesa,

"autores e impressores de obras censuráveis eram enforcados, esquartejados, mutilados, expostos no pelourinho, vergastados ou simplesmente multados e encarcerados, de acordo com a índole dos juízes; e as obras eram incineradas pelo carrasco público".

O sistema de licença - vedado expressamente em nossa Constituição, conforme o § 6.º do seu artigo 220 - terminou por ser abolido em solo inglês em 1695. Isto não significou, porém, o advento da liberdade de imprensa na Inglaterra, somente conquistada em 1843, cinquenta anos após os Estados Unidos terem proclamado sua Constituição. Antes disso, segundo Dicey, "a liberdade de debate era, então, na Inglaterra, pouco mais que o direito de escrever ou dizer aquilo que um júri composto de doze comerciantes julgasse oportuno fosse dito ou escrito". Isto ficou patente, por exemplo, no processo contra Thomas Paine pela publicação de "The Rights of Man" ("Os Direitos do Homem"): tão logo se apresentou a defesa, o júri não quis ouvir réplica ou sumário e condenou Paine fulminantemente. Hoje, a Inglaterra parece exagerar nos seus cuidados com a liberdade de expressão, tamanha a agressividade com que seus tablóides de escândalo atacam até a família real constantemente.

Lá como cá, também vemos veículos de comunicação social vivendo do escândalo e da violência. Cidadãos mais letrados gostariam de dispor de uma imprensa que fosse menos marrom. Mas, a respeito disso, escreveu o saudoso Dr. José Nabantino Ramos, com palavras que se aplicam a todo tipo de órgão de comunicação social:

"Muitas pessoas bem intencionadas desejam que o jornal não publique matérias que revelem 'desgraças sociais'. O crime, a miséria, o suicídio, o sexo - deveriam ser ignorados ou publicados com toda discrição. (...) Entre os deveres do jornal figura, precipuamente, o de informar e ele estaria faltando a esse dever se omitisse ou escondesse as desgraças sociais. Apresentaria aos leitores falsa imagem do mundo e acabaria sendo repudiado por eles. A imprensa, aliás, quando publica desgraças sociais, não atende apenas à curiosidade dos leitores. Também denuncia fatos, e essa denúncia deixa os Poderes Públicos na obrigação de diligenciar a solução daqueles que estejam ao seu alcance remediar. É o aspecto positivo do sensacionalismo, quando manipulado habilmente pelo jornalista. O jornal de qualidade sabe perfeitamente temperar o destaque da matéria com o interesse público. O jornal popular preocupa-se mais com o destaque. E o jornal de escândalo faz apenas espalhafato, porque essa é a técnica de explorar paixões humanas, elevar a circulação e ganhar dinheiro."

Grande aula de jornalismo legou-nos em poucas palavras o mestre e empresário, um dos principais responsáveis pela existência do império jornalístico chamado "Folha de S. Paulo". São dele ainda profundas considerações sobre o sensacionalismo de fundo, aquele que explora a pornografia, o sadismo, o crime, apelando também para a mentira e a ilusão. Trata-se - diz Nabantino - de "simples abuso da liberdade de imprensa para fins comerciais e deverá ser punido pela lei". Entretanto, pondera que "a proteção da coletividade que se deixa atrair por esse sensacionalismo já será de utilidade duvidosa", pois não está provado que a imprensa sensacionalista "induza ao crime ou ao vício". Nesse caso, o órgão de comunicação assemelhar-se-ia "a certa literatura", pois, "se pode fazer mal a alguns, faz bem a outros, pela descarga emocional que enseja e porque diminui tensões internas". E acentua:

"Ler a descrição de um crime hediondo pode aliviar a fantasia de praticá-lo. É o efeito catártico da tragédia grega, do teatro moderno, da obra literária."

É evidente que a influência dos veículos de comunicação, no campo criminal, acontece numa pista de mão dupla. Mesmo sem praticar os delitos de incitação ao crime e de apologia do crime ou de seu autor, previstos na Lei de Imprensa (Lei n.º 5.250/67), podem eles influir no aumento da violência, ou melhor, da criminalidade violenta. Mas, também, no sentido inverso, podem colaborar com as autoridades no combate a esse e a outros tipos de delinqüência, especialmente os chamados crimes do "colarinho branco".

Após quase 45 anos de vida pública, na maior parte passados no exercício do poder de Polícia, creio-me apto a testemunhar que, na verdade, os estímulos proporcionados pela imprensa dirigem-se muito mais no segundo sentido que no primeiro, isto é, atuam muito mais no sentido de combater o crime do que de incentivá-lo. Aliás, acho temerário afirmar que a imprensa tenha algo a ver com a escalada da violência no Brasil, enquanto não surgir alguma pesquisa séria, de cunho científico, que comprove tal afirmação. Pelo que sei, essa violência que vemos à solta é o preço pago pela Nação por muitos anos de descaso com necessidades elementares dos seus cidadãos, assim como de desprezo pelo aparato estatal devotado à educação, à segurança pública e à Justiça. Entre aquelas necessidades básicas postergadas também figuram em destaque a saúde pública e a habitação.

Do desapreço pela educação, segurança pública e Justiça, originaram-se a ignorância, a pobreza, a marginalidade e a corrupção que assolam nosso povo. É nesse menosprezo por coisas tão fundamentais e importantes, não no noticiário da imprensa, que encontramos a raiz do embrutecimento de seres humanos, a seiva da violência, o caule da impunidade e, por consequência, o vigor da frondosa árvore da delinquência com todos os seus frutos de dor, sofrimento e desespero. O que tenho visto é nossa imprensa, com raras e insignificantes exceções, dar combate permanente àquele dínamo do embrutecimento e da violência, na esperança de, combatendo-o, impedi-lo de produzir mais criminosos e mais delitos.

Aliás, tenho em mente uma boa pergunta relativa a essa parte do nosso tema:

O que nasce antes, o crime ou a notícia?

Então, como a notícia pode produzir o crime? Mas, se mesmo assim verificarmos que um determinado delito decorreu de algum estímulo jornalístico doloso, estaremos diante de um abuso de liberdade, tipificado como infração penal pelo art. 19 da Lei de Imprensa, ao definir a "incitação ao crime" e a "apologia de fato criminoso ou de autor de crime".

Todavia, para que o delito de incitação se consume, é necessária a configuração de intensa ação jornalística. Não basta simples crítica ou opinião. Para a consumação da apologia do crime ou do criminoso, porém, é suficiente uma crônica ou editorial, pois aí se pune a simples opinião ou juízo de valor, como ensina a boa jurisprudência. 

Senhoras e Senhores Senadores. De tudo o que lhes disse, já devem ter deduzido que me preocupam muito algumas proposições em tramitação neste Congresso Nacional, com efeitos dirigidos aos veículos de comunicação.

No Senado Federal, entre outros projetos, temos o PLS - n.º 307/95, que institui o registro prévio para o exercício da profissão de jornalista a ser emitido pela Federação Nacional dos Jornalistas - FENAJ. Já foi aprovado pela Comissão de Assuntos Sociais, no dia 23 de abril último, e será apreciado agora pela Câmara dos Deputados.

Na Comissão de Educação desta Casa, tramita, desde 12 de setembro de 1995, o PLS que recebeu o n.º 244/95 e regionaliza a programação artística, cultural e jornalística das emissoras de rádio e TV. Além disso, encontra-se em fase de relatório o PLS 110/95, que institui a figura do "ombudsman" na mídia eletrônica.

Na Câmara dos Deputados, encontramos o PL n.º 1439/91 (anistia crimes praticados por meio da imprensa); PL n.º 750/95 (permite a prova da verdade na defesa de jornalista em relação a qualquer autoridade que se sinta caluniada, seja qual for seu cargo); PL n.º 845/91 (modifica o Código Brasileiro de Telecomunicações, fixando em 30% o tempo da emissora de televisão que deve ser destinado a programação produzida na região); PL n.º 256/91 (também trata da regionalização da programação de TV, assim como do rádio); PEC n.º 203/95 (permite às entidades sem fins lucrativos participarem do capital social de empresa jornalística de radiodifusão); PL n.º 1521/96 (regulamenta a radiodifusão livre e comunitária); PL n.º 821/95 (Lei Geral de Telecomunicações); PL n.º 2701/97 (outorga do serviço de TV Comunitária em frequência VHF ou UHF às fundações ou associações civis sem fins lucrativos); PL n.º 2525/92 (altera a composição do Conselho de Comunicação Social); PL n.º 1562/96 (reconhecimento de contratos entre entidades privadas e operadoras de telecomunicações interessadas em prestar o serviço de TV a cabo); e PL n.º 200/91, originário do Senado, onde tem o n.º 60/90 (fixa critérios para a divulgação de pesquisas de opinião pública).

Há outros projetos em andamento, mas não há dúvida de que a maior importância, entre todos, está reservada ao projeto da Lei Geral de Telecomunicações e ao PL n.º 3232 que, no Senado, tem o número 173/91 e ao qual foram apensadas algumas das proposições existentes na Câmara. Esta última proposição, de autoria do eminente Senador Josaphat Marinho, versa sobre uma nova Lei de Imprensa. Dispõe sobre a liberdade de imprensa, de opinião e de informação, disciplina a responsabilidade dos meios de comunicação, e dá outras providências. O parecer favorável do primeiro relator na Câmara, ilustre Deputado Pinheiro Landim, com substitutivo, foi aprovado pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática em 6 de dezembro de 1995. No momento, o projeto encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça e Redação. Seu relator, o insigne Deputado Vilmar Rocha, pertencente ao meu partido - Partido da Frente Liberal (PFL) - entregou relatório favorável, com substitutivo, em 30 de abril último, e, agora, a proposição aguarda o momento de entrar na pauta daquela Comissão. Este fato recolocou o assunto em foco e o Presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), ilustre jornalista Américo Antunes, qualificou a proposição como "uma Lei de Imprensa democrática e cidadã". Publicou ele minuciosas considerações sobre o projeto, dizendo que, "diante do poder crescente - e descomunal - da informação nas sociedades contemporâneas, não há como negar a necessidade de um instrumento público, democrático, que assegure a mais ampla liberdade de expressão e manifestação, fixando com justiça as responsabilidades dos jornalistas e dos meios de comunicação em caso de abuso ou deformação no exercício desse direito".

A Lei de Imprensa em vigor (5.250/67) possui dispositivos repudiados pelos profissionais de imprensa. Entre tais dispositivos estão as possibilidades de censura prévia, apreensão de publicações, prisão de jornalistas e proteção de autoridades diante do trabalho investigativo da reportagem. Parece que essas possibilidades serão eliminadas pela nova lei. Paralelamente - segundo a FENAJ -, os jornalistas adquiriram a convicção de que "os deveres dos meios de comunicação" e os seus próprios "deverão estar absolutamente assegurados na nova Lei". Consideram fundamental, por exemplo, a "garantia da pluralidade de versões, sobretudo em matéria controversa, para impedir a manipulação e a distorção da notícia", como está ratificado no substitutivo do relator. Além disso, mostram-se satisfeitos com a manutenção de alguns dispositivos fundamentais, muito discutidos no início da tramitação do projeto, como a obrigatoriedade de caracterizar a matéria paga; a proteção ao jornalista com referência a matéria de sua autoria alterada no processo de edição; a determinação ao órgão de imprensa para manter serviços de atendimento ao público; agilidade no direito de resposta para a rápida reparação da ofensa cometida através da imprensa; e a substituição da pena privativa de liberdade, nos casos de abuso delituoso da liberdade de imprensa, pela de prestação de serviços à comunidade.

Aliás, parece que, em sua maior parte, os dispositivos da nova lei serão consensuais, pois restam poucos aspectos a despertar polêmicas entre parlamentares ou jornalistas. Mas, em meio a tais dispositivos consensuais, não encontramos alguns, existentes na atual lei, que dizem respeito diretamente ao tema deste pronunciamento. De qualquer forma, ainda há um longo caminho a percorrer até que o projeto chegue às votações finais, tanto na Câmara, como neste Senado da República.

Vale lembrar finalmente que, no Ciclo de Palestras "O Senado e a Opinião Pública", realizado em Brasília no ano passado, o renomado jornalista e publicitário Mauro Salles ressaltou possuirmos "uma lei específica, que nem todos os países têm e que é a Lei de Imprensa" , antes de afirmar que há uma certa tendência moderna, combatida em alguns grandes jornais por códigos de ética internos, de que "ao jornalista cabe a acusação e o ônus da defesa é somente da vítima" . Mas, esse brilhante profissional completou a explanação com o seguinte raciocínio:

"Tudo bem. A nossa imprensa tem distorções, comete erros, tem falhas. Mas, há algo pior do que as falhas e os erros da imprensa: qualquer processo de cerceamento de liberdade ou de censura à sua ação."

Desculpem-me se me alonguei nas considerações, mas o tema é por demais sedutor. Espero haver contribuído, de alguma forma, para profundar sua análise.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/06/1997 - Página 12400