Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM A MEMORIA DO PADRE ANTONIO VIEIRA A PROPOSITO DA PASSAGEM DOS 300 ANOS DE SUA MORTE, A COMPLETAR-SE NO DIA 18 DE JULHO DE 1997.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM A MEMORIA DO PADRE ANTONIO VIEIRA A PROPOSITO DA PASSAGEM DOS 300 ANOS DE SUA MORTE, A COMPLETAR-SE NO DIA 18 DE JULHO DE 1997.
Publicação
Publicação no DSF de 27/06/1997 - Página 12508
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ANIVERSARIO DE MORTE, ANTONIO VIEIRA, SACERDOTE, VULTO HISTORICO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, PORTUGAL.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Sr. Ministro Francisco Weffort, senhores convidados, não posso me furtar de participar das homenagens que são dirigidas ao Padre Vieira, nesse momento em que se recorda o tricentenário de sua morte. Não posso ser apenas espectador e ouvinte das falas que em sua memória são proferidas. Sinto, como maranhense, por gratidão e apreço, a necessidade de unir-me a todos os brasileiros e com eles lembrar os ensinamentos e os feitos desse grande homem, desse abnegado missionário, eletrizante pregador, profundo humanista, exemplar discípulo da fé e admirável homem de ação.

O Padre Antônio Vieira representa a grande montanha que se ergueu na orografia do barroquismo português. Mas não é de suas insignes qualidades de escritor e pregador que desejo hoje falar. Quero lembrar sim - e, com isso, prestar-lhe profunda e sentida homenagem - o missionário de minha terra, o político e o defensor dos oprimidos dos dois mundos, das então longínquas terras do Maranhão e da Europa.

Em paráfrase, fazendo uso de suas palavras no Sermão da Sexagésima - aliás, pronunciado em Lisboa após sair do Maranhão para visitar a Europa e lá defender a causa dos índios -, Vieira não foi somente semeador e pregador, porque isso é apenas palavra, foi o que semeou e pregou; portanto, ele foi ação. A ação é o que dá substância ao pregador. "Ter nome de pregador - diz ele nesse sermão - ou ser pregador de nome não importa nada; as ações, a vida, o exemplo, as obras são as que convertem o mundo. O melhor conceito que o pregador leva ao púlpito, qual cuidais que é? É o conceito que têm os ouvintes".

Falava ele na conversão do mundo no sentido religioso, no sentido dos ditames do Evangelho; mas aplicou esses ensinamentos também, e não poucas vezes, no sentido da conversão para bem fazer as coisas do mundo, voltando-se para os pregadores das coisas públicas, para os que, por ofício, se devem ocupar das coisas da coletividade, na seara da política, exortando para a coerência da palavra com a obra, para a justificação da palavra pela ação, da explicação do conceito pelos feitos.

No Maranhão, caracterizou-se seu desempenho missionário pela ação. Em primeiro lugar, porque amou a terra e a sua gente. Em 1654, encontrando-se em Portugal, D. João IV, fascinado de novo pelo talento de Vieira, quis retê-lo, impedindo-lhe o regresso ao Brasil. Nada prendeu o grande jesuíta, empolgado como estava pelo trabalho que havia iniciado, cujas fadigas e asperezas não substituiu pelos esplendores da Corte.

De novo entre os índios, diz Lúcio de Azevedo, um de seus biógrafos, Vieira recomeçou imediatamente "a errar constante de núcleo em núcleo de catequese, como se possuíra o dom da ubiqüidade. Onde quer que necessitassem os selvagens de defensor lá estava..." o Payassu - o Padre Grande -, como o chamavam os índios, lá estava num constante "viver de nômade, sem teto fixo; dias e dias em canoa, pelo sol ardente, sob o toldo rústico de palha; noites ao ar livre, para retemperar ao bafo úmido da mata o corpo abatido da calma (...). No Pará e no Maranhão, depois de regressar de Portugal, passou Vieira seis anos em permanente jornada, tão continuamente imerso em sua vida de apóstolo quanto anos antes se integrara na de cortesão e político. De saúde débil, prostrado amiúde por doenças e cansaço, sacramentado já e à espera do último instante, como em 1658, no Tocantins, e todavia sempre indômito, sem capitular com estorvos e fadigas".

Perfez trabalhos inumeráveis. Andou ora a pé, ora embarcado, da serra da Ibiapaba ao Tapajós, superando rios, baías, costas e sertões. Plantou inúmeras igrejas. Elaborou formulários e catecismos em várias línguas locais, com o português ao lado. Pacificou, converteu e civilizou gente das nações Tapuias, Tabajaras, Nheengaíbas, Cambocas, Mapuás, Mamaianases, Aruans, Anaiás, Gujurás, Pixipixis, Potiguaras, Catingas, Juruunas, Pazaís, Nondanas, Tapajós, Arnaquises e Tricujus. Todos esses nomes são encontrados em suas cartas referentes a essas regiões.

Seu trabalho entre as gentes de todas essas nações foi visto como milagroso, especialmente o realizado com os Tapuias da Ibiapaba e os Nheengaíbas da ilha de Marajó. Entre os Tapuias, o que as armas portuguesas, perversas e cruéis, não conseguiram, conseguiram os bons modos do grande evangelizador. Com os Nheengaíbas de Marajó - especialistas de guerrilha na selva - não foi diferente. Nas estimativas de Vieira, os Nheengaíbas eram mais de quarenta mil na ilha e possuíam uma invulgar estratégia de defesa, valendo-se das características da ilha, dos rios e das matas para se defender e também para atacar.

Pela própria natureza, seu labor missionário era também político. Não trabalhou, porém, a política no sentido maneiroso, com atitudes dúbias, movido apenas por interesses pessoais, sem comprometer-se com nada ou se comprometendo e descomprometendo-se, despistando ou dissimulando. Praticou a política com larga visão dos negócios públicos, considerando-os no seu conjunto, para melhor servir aos interesses coletivos, defendendo-os com denodo, lançando programas, concebendo planos e perseguindo a sua implantação com desassombro e energia, de peito aberto sempre, com vistas não só no presente, mas também no porvir.

Foi como político, sobretudo, que se bateu sem trégua contra os desmandos dos colonizadores sobre os índios. A escravização dos índios era violenta, praticada e mantida à base de azorrague, de tortura, de caprichos cruéis. No Sermão da Epifania, pregado na Capela Real em 1662, descreveu essa barbárie sem eufemismos: "Querem que tragamos os gentios à fé e que os entreguemos à cobiça: querem que tragamos as ovelhas ao rebanho, e que as entreguemos ao cutelo: querem que tragamos os Magos a Cristo e que os entreguemos a Herodes. E porque encontramos esta sem-razão, nós somos os desarrazoados: porque resistimos a esta injustiça, nós somos os injustos: porque contradizemos esta impiedade, nós somos os ímpios".

Há quem diga que Vieira combateu a escravidão dos índios mas aceitou a dos negros. No Sermão Vigéssimo Sétimo do Rosário, encontra-se a postura de Vieira quanto a todo o tipo de escravidão, e fala especificamente d escravidão dos negros: "Os israelitas atravessaram o Mar Vermelho, e passaram da África à Ásia fugindo do cativeiro; estes (e se refere aos africanos) atravessam o Oceano na sua maior largura, e passam da mesma África à América para viver, e morrer cativos... Os outros nascem para viver, estes para servir. Nas outras terras, do que aram os homens, e do que fiam, e tecem as mulheres, se fazem os comércios: naquela o que geram os pais, e o que criam a seus peitos as mães, é o que se vende e se compra. Oh trato desumano, em que a mercancia são homens! Oh mercancia diabólica, em que os interesses se tiram das almas alheias, e os riscos são das próprias!".

Em outro trecho desse sermão, Padre Vieira pergunta: "Que teologia há ou pode haver que justifique a desumanidade e sevícia dos exorbitantes castigos com que os escravos são maltratados? Maltratados, disse, mas é muito curta esta palavra para a significação do que encerra ou na verdade encobre. Tiranizados deverá dizer, ou martirizados, porque ferem os miseráveis, pingados, lacrados, retalhados, salmourados; e outros excessos maiores, que calo, mais merecem o nome de martírio que de castigo".

Na defesa desses deserdados da vida, enfrentou inclusive a visão míope e desviada de muitos membros de sua própria Igreja, tanto em relação à escravidão dos índios e dos negros, quanto no que diz respeito ao tratamento dado aos acusados de heresia pela Inquisição. Exemplo disso é a defesa que empreendeu dos cristãos-novos de Portugal, enfrentando autoridades civis e eclesiásticas.

Denunciou a desonestidade dos inquisidores e a injustiça e arbitrariedade dos julgamentos. As regras e o funcionamento dos tribunais eram tais, que os réus não tinham outra saída a não ser assumir a culpa, garantindo-se, assim, os crimes e forjando-se os criminosos. Desmascarou a falta de proteção legal e de garantias dos prisioneiros, atirados que eram em labirintos, onde tateavam às escuras, sem esperanças de retorno.

Em seu "Memorial a favor da gente hebréia sobre o recurso que intentava ter em Roma, exposto ao sereníssimo Senhor Príncipe D. Pedro, regente deste Reino de Portugal", disse o grande defensor: "No tribunal, os inocentes perecem e os culpados triunfam, porque esses na boca têm o remédio e no coração o veneno".

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais poderia alongar-me trazendo testemunhos da estofa desse homem, desse religioso e desse político, tão rica e vasta é sua obra e tão profunda e convicta foi sua ação. Restrinjo-me ao que disse, na certeza de ter pronunciado minha palavra e a palavra da gente do meu Estado em homenagem ao Grande Padre Antônio Vieira. Em reconhecimento ao trabalho feito no Brasil e pelo Brasil, por sua gente, por esta pátria que tanto amou, onde tantas dores curtiu e tantas alegrias vivenciou, onde deixou indelével admiração, respeito e carinho.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/06/1997 - Página 12508