Discurso no Senado Federal

TRANSCRIÇÃO NOS ANAIS DO SENADO DE FAX DA EMBAIXADA DO BRASIL EM PARIS, DIRIGIDO AO SENADOR JADER BARBALHO, LIDER DA BANCADA DO PMDB, PELO SENADOR JOSE SARNEY, SOLIDARIZANDO-SE COM A SUA BANCADA CONTRA A CASSAÇÃO DO GOVERNADOR E DO VICE-GOVERNADOR DE SANTA CATARINA.

Autor
José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA.:
  • TRANSCRIÇÃO NOS ANAIS DO SENADO DE FAX DA EMBAIXADA DO BRASIL EM PARIS, DIRIGIDO AO SENADOR JADER BARBALHO, LIDER DA BANCADA DO PMDB, PELO SENADOR JOSE SARNEY, SOLIDARIZANDO-SE COM A SUA BANCADA CONTRA A CASSAÇÃO DO GOVERNADOR E DO VICE-GOVERNADOR DE SANTA CATARINA.
Publicação
Publicação no DSF de 28/06/1997 - Página 12654
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA.
Indexação
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, CONTEUDO, FAX, AUTORIA, JOSE SARNEY, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ENCAMINHAMENTO, JADER BARBALHO, SENADOR, LIDER, BANCADA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), SOLIDARIEDADE, OPOSIÇÃO, CASSAÇÃO, GOVERNADOR, VICE-GOVERNADOR, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC).

O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB-RS. Para uma comunicação. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, peço a palavra para uma manifestação em torno do que está acontecendo no Estado de Santa Catarina.

Quero dizer que, do meu ponto de vista, considero que o Estado é uma unidade autônoma da Federação, e as Assembléias Legislativas são a representação política mais abrangente desta Unidade Federativa. Portanto, em nenhum momento, desejo ou desejaria manifestar qualquer objeção ao princípio de autonomia que resguarda à Assembléia Legislativa de Santa Catarina o direito de tomar as suas decisões.

No entanto, Sr. Presidente, quero fazer uma manifestação que considero do meu dever moral. Em primeiro lugar, acompanhei a Comissão Parlamentar de Inquérito que tratou dos precatórios com aquela atenção criteriosa que, imagino, todos os Senadores tiveram. Mas, mesmo assim, com toda a atenção, não sendo membro da Comissão, não posso ser um fiel reprodutor dos detalhes que levaram ao relatório final e que levarão às conclusões finais desta Comissão Parlamentar de Inquérito. Portanto, não estou, aqui, fazendo qualquer análise em função dos trabalhos da CPI dos Precatórios, não estou fazendo, aqui, qualquer ilação ou inferência que possa ser deduzida do processo investigatório, analítico, importante que foi realizado pelo Senado Federal.

Quero apenas, primeiramente, dar um atestado pessoal, um testemunho pessoal. Não se trata de intervir em uma decisão, objetar uma decisão, mas se trata de fazer um livre, espontâneo e, para mim, moralmente imprescindível depoimento pessoal. Sr. Presidente, tenho, em relação ao Governador de Santa Catarina, Paulo Afonso, o conceito de um homem honesto, decente, de vida limpa e inatacável. Ao longo do tempo em que o conheço, como homem de nosso Partido no sul do País, ao longo do tempo em que convivemos desde o surgimento fulminante da sua liderança na campanha eleitoral de 1990, em alto conceito.

O registro que faço é o de que, quanto a sua vida pessoal, a sua vida pública, não há sequer o mínimo questionamento. É um homem íntegro, sério, ilibado; é um homem probo. E mesmo não tendo sido membro da Comissão, mesmo não tendo integrado seus trabalhos da forma diuturna, constante, como o ilustre Presidente, que conduz a Mesa neste momento, Senador Geraldo Melo, tão competentemente o fez, constato que não há indícios, não há elementos mais consistentes que possam dizer que o Governador de Santa Catarina tenha se beneficiado pessoalmente, que tenha desviado recursos em favor de si mesmo, que tenha utilizado para sua vantagem personalíssima a já conhecida situação dos títulos precatórios, que foram emitidos pelo seu governo de Estado.

Como disse, não quero entrar na análise do procedimento de governo; a estes coube o trabalho da CPI. Quero fazer o depoimento pessoal de quem conhece o homem público e quem conhece o cidadão, o homem, o pai de família.

Lembro-me de que uma vez, cerca de um ano atrás, quando cheguei a Florianópolis muito cedo pela manhã, tentei um contato com o Governador na sua residência, porque tínhamos uma reunião ao longo do dia, um breve encontro, e soube que ele não estava em casa porque tinha ido levar os filhos ao colégio, em seu veículo particular. Como sei que essa é a rotina diária desse Governador, desse homem de família, sério, honesto, ilibado, não posso deixar de mencionar que, ao longo da convivência que tivemos, ao longo da experiência comum que tivemos como membros do mesmo Partido, não há registro, de quem quer que fosse, da mínima suspeita possível ou imaginável a respeito da sua conduta pessoal.

Faço o mesmo porque conheço e sei, porque fui colega durante muitos anos em relação ao Governador Divaldo Suruagy, em Alagoas, e ao Governador Miguel Arraes, de Pernambuco, de quem também fui colega, nesta Casa, durante muitos anos e com quem convivi, na sua condição de Líder de Pernambuco e como Liderança expressiva do nosso Partido em todo o País.

Não tiro da Assembléia de Santa Catarina o direito de tomar a sua decisão autônoma em um nível de soberania que a autonomia dos Estados lhe dá, mas creio que há de pesar também a análise e a concepção de que, ficando no governo um homem honesto como Miguel Arraes, um homem honesto como Divaldo Suruagy, será difícil explicar ao País por que um homem honesto como Paulo Afonso terá que sair do governo. Aliás, fica difícil explicar ao País, ao mundo e ao futuro. Fica difícil manter a imagem de que este é um País sério.

De qualquer forma, aqui o que faço não é julgar a Assembléia de Santa Catarina ou de prejulgá-la, estou aqui apenas fazendo este registro em relação ao qual me sinto endividado. Endividado comigo mesmo, com a minha consciência, já que isso não me foi solicitado por ninguém.

Sr. Presidente e Srs. Senadores, no entanto, enquanto faço apenas este registro relativamente ao Governador de Santa Catarina, também me dou ao direito de fazer uma reflexão a respeito do que o noticiário dos jornais nos traz.

O noticiário que nos chega é o de que, mancomunada, a Oposição em Santa Catarina deseja fazer uma dupla cassação, de Governador e vice-Governador, ao mesmo tempo. Ora, ao mesmo tempo em que respeito a autonomia do Estado em sua decisão, no mesmo nível de soberania que a autonomia dá a uma Unidade da Federação, não posso entender, não há lógica que me convença, não há o que me faça aceitar essa tese esdrúxula, estapafúrdia, absurda, de que o vice acompanha o titular na responsabilidade.

Ontem, quando lia alguns livros sobre a expansão territorial dos Estados Unidos, caiu-me aos olhos a passagem de um presidente americano, extremamente medíocre, desconhecido, um homem do Tennessee, Andrew Johnson, que foi objeto de um processo de impeachment. Por uma questão de terras, por uma questão de relações externas, o processo de impeachment foi inteiramente desenvolvido e a conclusão final foi a absolvição; ou seja, ele manteve o cargo por um voto apenas. Aquilo me suscitou o interesse por uma análise: quais os casos na história americana, que é o berço do presidencialismo, o berço jurídico e formal desse modelo institucional e político, em que o vice-presidente fosse indelevelmente associado, inexplicavelmente associado à figura do presidente? Não há registro, Sr. Presidente e Srs. Senadores. Essa santíssima dualidade de dois num só não ocorreu em nenhum evento não-fictício da história do homem. Essa santíssima dualidade de dois ocuparem a responsabilidade de um só não tem precedentes.

O processo que seria movido contra Nixon levaria de roldão, então, o Sr. Gerald Ford. O processo que foi movido contra Collor levaria de roldão o Sr. Itamar Franco, e não levou.

Sei que isso não irá acontecer. Tenho certeza de que a Assembléia de Santa Catarina não tomaria essa decisão inominável de fazer o vice responder pelo titular numa santíssima dualidade, teologicamente explicável, mas aqui, na rama da Terra, jamais vista ou experimentada pelo ser humano.

Tenho certeza de que Santa Catarina não admitirá que a sua Assembléia caminhe nessa direção. Porque se isso viesse a acontecer - e não acontecerá, porque trata-se apenas do desejo de algumas manifestações políticas, de pressões, de alguns interesses políticos -, estaríamos diante talvez da mais ousada, da mais ilimitada ultrapassagem do Direito e do bom senso.

Tenho certeza de que isso não vai acontecer. Conheço Santa Catarina, sua tradição e seriedade; mas colocar o vice de roldão com o titular, vinculá-los num mesmo processo, num mesmo julgamento, é algo que possivelmente irá para os Anais dos fatos estapafúrdios, impossíveis na história da política brasileira. Em primeiro lugar, porque do ponto de vista meramente processual seria preciso que - e aqui estou apenas no campo das suposições -, se viesse a acontecer ou a renúncia ou a cassação do Governador de Santa Catarina, o seu vice tomasse posse, assumisse o cargo e, eventualmente, se fosse o caso, seria necessário abrir-se contra ele um outro processo, um novo julgamento unipessoal, porque não há santíssima dualidade em Direito. Não pode ser atingido por esse tipo de julgamento quem não está no cargo, no exercício e não está ocupando esse recipiente jurídico, que é o cargo de Governador.

Vice-Governador não é um cargo, mas uma expectativa do exercício de uma função. Não há como cassar um vice, porque ele não faz nada, ele não realiza nada, ele não é nada, ele não existe enquanto vice para esses fins, para esses objetivos.

Não há cassação de vice. Se isso acontecesse, e não acontecerá obviamente, vejo repetidamente nos jornais a informação de que este é o desejo de alguns grupos políticos na Assembléia de Santa Catarina. Vejo com estupefação que há, de parte de possivelmente uma minoria, essa intenção sediciosa, mas sei que se trata apenas do desejo obscuro de um grupo minoritário.

A Assembléia de Santa Catarina tem tradições, tem história e tem compromissos com a ética, com o respeito à lei, ao Direito e à Constituição e sei que não irá afrontá-la inominavelmente, como faz supor o noticiário, como deixa subentender, como permite inferir algumas notícias que aqui ou ali são sugeridas ou trazidas. Porque isso não seria um ato autônomo de uma instituição parlamentar de uma Unidade da Federação; seria a prática do mais vil, do mais baixo e do mais condenável golpismo político, que provocaria uma revolta moral sem precedentes no País.

Tenho certeza, portanto, de que se trata apenas de um desejo muito mal expresso e muito mal resolvido de alguns grupos minoratários, que nem sempre se expressam de maneira definida nos jornais, na imprensa em geral.

Sei que os fatos estão aí, a realidade está aí. Este é um país, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em que nem sempre a lei vale para todos. Alguns são mais iguais do que outros, e é difícil explicar às vezes o que acontece aqui.

Após a Comissão Parlamentar de Inquérito do Orçamento, vi o Deputado Ibsen Pinheiro ser cassado. E vi Deputados que tinham processo em volume 3 ou 4 vezes maior que o seu serem absolvidos no plenário da Câmara dos Deputados. Dois pesos, duas medidas. Não prejulgo ninguém. Nem os Deputados que julgaram, nem os Deputados que foram condenados ou absolvidos. Mas até hoje, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há no Rio Grande do Sul uma sensação atravessada na garganta de que o Deputado Ibsen Pinheiro foi vítima de uma injustiça ou de que, no mínimo, para uns se fez justiça e para outros, não. O que, obviamente, como um todo, é uma injustiça.

Mas, de qualquer forma, neste caso, resumindo a minha intervenção, há duas coisas que quero deixar registradas com a maior veemência e com a maior convicção: a primeira, respeitando a Assembléia Legislativa de Santa Catarina, a sua autonomia e a sua hombridade, é um depoimento sobre a vida honesta, pessoalmente inatacável que sempre teve o líder político, o jovem profissional e o Governador Paulo Afonso. Quanto às notícias de que o Vice-Governador seria umbilicalmente confundido, sobreposto à figura do Governador; de que ele iria assumir e carregar também todas as suas responsabilidades, quanto ao fato de que o Vice-Governador iria responder pelas mesmas responsabilidades do Governador, quero manifestar aqui o meu espanto; no mínimo, o meu descontrolado espanto, Sr. Presidente. E fico só nisso, porque sei que tal fato não irá se perpetrar.

Feito este registro, mais uma vez, quero dizer que assim como o Senado cumpriu o seu papel, sei que a Assembléia Legislativa de Santa Catarina irá cumprir o seu com decência, com sentido ético, com respeito aos mais altos valores morais. O respeito que tenho pela Assembléia Legislativa de Santa Catarina é também o meu respeito pelas tradições e pelo povo catarinense.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/06/1997 - Página 12654