Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE O DESEMPREGO DO PLANO REAL. RESULTADO DOS PROGRAMAS DE EMPRESTIMOS POPULARES, RENDA MINIMA E BOLSA-ESCOLA NAS ADMINISTRAÇÕES MUNICIPAIS E ESTADUAIS DO PARTIDO DOS TRABALHADORES, RESULTANTES DA IMPLANTAÇÃO DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • REFLEXÕES SOBRE O DESEMPREGO DO PLANO REAL. RESULTADO DOS PROGRAMAS DE EMPRESTIMOS POPULARES, RENDA MINIMA E BOLSA-ESCOLA NAS ADMINISTRAÇÕES MUNICIPAIS E ESTADUAIS DO PARTIDO DOS TRABALHADORES, RESULTANTES DA IMPLANTAÇÃO DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO.
Publicação
Publicação no DSF de 28/06/1997 - Página 12637
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, IMPLANTAÇÃO, DESENVOLVIMENTO, PLANO, ESTABILIZAÇÃO, ECONOMIA, MOEDA, CONTROLE, INFLAÇÃO, PROVOCAÇÃO, AUMENTO, INDICE, NIVEL, DESEMPREGO, DEFICIT, BALANÇA COMERCIAL, ATRAÇÃO, RECURSOS, EXTERIOR, CRESCIMENTO, TAXAS, JUROS.
  • ANALISE, NECESSIDADE, NATUREZA SOCIAL, IMPLANTAÇÃO, PROGRAMA, RENDA MINIMA, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, MAIORIA, POPULAÇÃO, POPULAÇÃO CARENTE, BRASIL, PROMOÇÃO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, PAIS.
  • COMENTARIO, EFICACIA, IMPLANTAÇÃO, PROGRAMA, RENDA MINIMA, MUNICIPIOS, ESPECIFICAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL, RESPONSABILIDADE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Geraldo Melo, Srs. Senadores, no próximo 1º de julho teremos os três anos do início do Plano Real. É importante que façamos aqui uma reflexão sobre o que foi obtido, sobre quais as principais limitações e, sobretudo, sobre as proposições que temos no sentido de resolver problemas que estão certamente longe de serem resolvidos pelo Governo, pela sociedade brasileira.

Claro que o Plano Real conseguiu diminuir significativamente a inflação. Tínhamos taxas, no primeiro semestre de 1994, que atingiam 40% ao mês. Agora, são bem menores. O índice de maio último, segundo o IBGE, foi 0,11%; o IPC da FIPE, 0,55%; o índice do custo de vida do DIEESE foi praticamente zero, menos 0,01; o Índice Geral de Preços, disponibilidade interna, da FGV, 0,30%. Portanto, há uma diminuição considerável. A taxa de inflação acumulada nos últimos doze meses foi de 7% a 9%.

O Governo está prevendo que em 1997 a taxa de inflação poderá atingir algo em torno de 7%. Obviamente, há que se considerar isso como algo positivo, pois a sociedade brasileira conviveu com taxas extraordinárias de inflação por três décadas e o fato de alcançarmos uma estabilização crescente precisa ser registrado. Entretanto, o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso, quando do anúncio da instituição do Plano Real, falava da necessidade de alcançarmos não apenas o objetivo da estabilidade, mas também o do crescimento, com a resolução dos graves problemas resultantes da intensa desigualdade social. Os demais objetivos, referentes ao crescimento da economia, das oportunidades de emprego e à melhoria da distribuição de renda, não foram atingidos a contento até o presente momento. O crescimento do Produto Interno Bruto, ainda que nos três últimos anos tenha sido positivo - em torno de 3 ou 4% -, certamente está aquém da potencialidade da economia brasileira, que, sobretudo nas décadas posteriores à Segunda Grande Guerra Mundial, mostrou capacidade de crescer pelo menos 7% e, obviamente, com taxas de crescimento de emprego muito mais adequadas do que aquelas que estamos vendo.

A taxa de desemprego em 1993 foi de 5,3%; em 94, de 5,6%; em 95, de 4,64% e, se examinarmos as taxas de desemprego ao longo de 96, vamos observar que foram em torno de 5,7%. Se examinarmos as taxas de desemprego registradas pela Fundação SEADE e pelo DIEESE, no que se refere à Grande São Paulo, observaremos que são extremamente altas - da ordem de 16% -, o que representa mais de 1,3 milhão de trabalhadores desempregados só naquela cidade.

A outra limitação importante é a questão relativa ao desequilíbrio externo. Para conseguir essa estabilização de preços, o Governo insistiu numa política de manutenção da taxa de câmbio relativamente sobrevalorizada, o que resultou em aumento considerável do déficit da balança comercial e da balança de serviços. Para compensar isso, o Governo resolveu atrair recursos externos, na forma de investimentos diretos e indiretos, elevando significativamente as taxas de juros.

Temos taxas das mais elevadas do mundo. Mesmo que declinando nos últimos meses, são ainda extremamente altas e, obviamente, taxas de juros elevadas tendem a brecar o ritmo de investimentos e de aumento da capacidade produtiva, contribuindo para que os empregos não cresçam da maneira como deveriam.

O Governo insiste, disse o Ministro Pedro Malan na entrevista que concedeu ainda ontem, e, recentemente, aqui, que não tem a intenção de fazer modificação significativa na política cambial brasileira, mas, na medida em que há capacidade ociosa e um desemprego tão significativo, um ajuste da taxa de câmbio não significaria, mesmo que feito de forma moderada e seguindo a política de bandas cambiais, uma pressão inflacionária não administrável.

Avalio que seria perfeitamente possível administrar-se a política cambial de forma tal que se evitasse aquilo que estamos observando, ainda mais quando levamos em conta que o que mais temos importado não são novos equipamentos para aumento da capacidade produtiva brasileira, sobretudo porque o aumento de importações de máquinas, equipamentos, instalações e de tecnologia moderna muitas vezes tem tido como contrapartida a diminuição da participação da produção de bens de capital da indústria doméstica nacional.

Queremos alertar para o fato de as importações serem destinadas sobretudo para o aumento de consumo e não para preparar a economia brasileira para um novo salto de expansão, de forma a viabilizar o crescimento das exportações, necessário nos próximos períodos.

O Presidente Fernando Henrique Cardoso por vezes observa que a Oposição não tem feito proposições e não tem cumprido a sua responsabilidade de propor caminhos alternativos para a economia brasileira. Com relação a isso, gostaria de dizer que a Oposição tem cumprido sua responsabilidade de estar aqui propondo caminhos alternativos para a economia brasileira.

Recentemente, o PT, PDT, PSB, PPS, PV, PC do B, os segmentos mais progressistas do PMDB e demais forças políticas amadureceram o diálogo em torno de uma plataforma comum, com vistas às propostas que temos a fazer ao Brasil e, inclusive, com vistas à sucessão presidencial de 1998. Dentre as principais prioridades estará justamente a necessidade de aprofundarmos o processo de democratização da sociedade, com a compatibilização do crescimento e da estabilidade de preços, melhoria significativa da distribuição da renda e da riqueza e um esforço dramático para a erradicação da miséria.

Dessa forma, se fará necessária a escolha dos instrumentos mais eficazes para atingirmos esse fim, com determinação muito maior do que aquela que, passados dois anos e meio do Governo Fernando Henrique Cardoso, tem sido levada adiante.

Acredito que os seguintes temas devam estar presentes na agenda de debates, do ponto de vista dos que consideram a erradicação da miséria como objetivo fundamental: a realização de forma mais intensa da reforma agrária, interagindo-se com movimentos sociais como o Movimento dos Sem-Terra, a Contag e as entidades que formam o Grito da Terra, que têm mobilizado os trabalhadores sem terra e os pequenos agricultores pelo País; o assentamento das famílias, hoje acampadas, com a devida desapropriação das áreas necessárias; suporte técnico-creditício e infra-estrutura para que os agricultores possam desenvolver suas atividades produtivas. Uma política agrícola que reverta o processo pelo qual dezenas de milhares de pequenos agricultores tiveram que deixar suas atividades. Transformar em curto espaço de tempo a estrutura fundiária em que os 2,8% maiores proprietários possuem 56,7% do total da área dos imóveis rurais do País - dados de 1992, segundo o Atlas Fundiário do INCRA de 1996.

Da plataforma deverão contar as experiências e o aprofundamento da prática do orçamento participativo, a exemplo da forma desenvolvida em Porto Alegre, Belo Horizonte, Espírito Santo, Distrito Federal e nas administrações municipais ou estaduais do Partido dos Trabalhadores que conseguiram alargar a participação de todos os segmentos da sociedade no debate e nas decisões sobre o destino do dinheiro público. Cabe tornar mais abertos os caminhos do conhecimento, fiscalização e participação nas decisões dos orçamentos dos Estados e da União.

Entre as prioridades estão a expansão em larga escala das experiências de crédito popular, como vem sendo realizadas com sucesso pelo Programa Banco Regional de Brasília-Trabalho, pelo Governo Cristovam Buarque, Programa Pôr do Sol e pelas administrações de Tarso Genro e, agora, de Raul Pont, em Porto Alegre, que envolvem a disponibilização de quantias modestas de crédito, a taxas de juros moderadas, mas positivas, sem a exigência de garantias ou entraves burocráticos, para pessoas de poucos recursos. O microcrédito desenvolveu-se muito nos últimos 20 anos, por exemplo, em Bangladesh, e em muitos outros países onde o crédito modesto foi constituído a grupos de cinco pessoas, entre as quais mulheres assumindo solidariamente pequenas quantias de crédito para a realização de atividades produtivas simples que lhes permitiram o auto-sustento e o pagamento do financiamento. Assim, o grau de inadimplência tem sido baixo, enquanto que se multiplicam as oportunidades de trabalho.

Sr. Presidente, o BNDES está abrindo possibilidades para que Estados e Municípios desenvolvam experiências de crédito popular. Considero que isso deva ser objeto de maior atenção de todas as administrações municipais e estaduais.

O programa deve conter ainda o apoio efetivo às formas cooperativas de produção rural e/ou urbana na agricultura, na indústria, no comércio, nos serviços e demais atividades. Deve-se estimular todas as formas de cooperação que tenham a iniciativa de trabalhadores se organizando ou mesmo as múltiplas maneiras de cooperação entre os proprietários do capital e dos trabalhadores, mesmo que essa relação envolva conflitos e dificuldades. A maior participação de todos em torno de um esforço produtivo, o acesso às informações e aos resultados podem avançar muito.

No último domingo, na Folha de S. Paulo, o Professor Paul Singer, da Universidade de São Paulo e do Cebrap, escreveu interessante artigo sobre as muitas formas de autogestão, de co-gestão, que se iniciaram em empresas que estavam em dificuldades, a ponto de quase serem fechadas. Entretanto, houve uma reação positiva de trabalhadores que, dialogando com os empresários, acabaram assumindo a responsabilidade da continuidade de empresas que, de outra forma, seriam fechadas. Isso foi feito através de formas de autogestão ou co-gestão. Avalio que essas experiências devem ser estimuladas.

Também os trabalhadores metalúrgicos do ABC têm dado exemplos recentes de participação interativa crescente com as empresas, solicitando a disponibilização de informações econômico-financeiras, de tal forma a partilharem mais efetivamente das decisões sobre a criação de oportunidades de emprego, evitando despedidas e participação na própria forma de destinação dos recursos de investimento, até no debate sobre a automação das empresas.

Importante a instituição nacional de uma renda de cidadania ou uma forma de garantia de uma renda mínima a todos os brasileiros, a partir de experiências locais bem-sucedidas de programas de renda mínima e bolsa-escola - inclusive aqui no Distrito Federal -, as quais proporcionaram às famílias carentes um complemento de renda, para que suas crianças freqüentem a escola ao invés de estarem trabalhando precocemente.

Avalio ser de grande importância o objetivo de um dia termos, no Brasil, a introdução de uma renda de cidadania com base nos princípios de que todas as pessoas devem ter o direito de partilhar da riqueza de uma nação e de que a ninguém deve ser negado o mínimo à sua sobrevivência.

De início, proveremos uma renda mínima para as pessoas que pouco ou nada têm, nas regiões mais pobres, relacionando esse complemento de renda à necessidade de suas crianças freqüentarem a escola. Caminharemos na direção de uma pequena renda, porém, incondicional, paga a todos os residentes no País, independentemente de sua origem, raça, sexo, condição civil, social ou de emprego, como um direito à cidadania crescente com o progresso da economia.

Essa renda pode ser paga com os recursos do Orçamento, mas pode também vir a ser financiada a partir da criação de um fundo de cidadania. Esse fundo pode ser formado com recursos advindos de receitas de privatizações de ativos pertencentes à população, como os decorrentes da Companhia Vale do Rio Doce, de parcela do valor adicionado na exploração dos recursos naturais do País, de toda a riqueza gerada, desde a produção de café, de milho, de petróleo, de automóveis, de computadores e serviços financeiros de qualquer natureza.

Hoje, ao conversar com o Economista Raul Veloso, que propõe a criação de um fundo construído a partir de receitas provenientes de privatizações e de outras fontes para se pagar os direitos dos inativos do INSS e do setor público como uma forma de garantia, expliquei-lhe - aliás, a sua proposição foi aceita pelo Senador Beni Veras -, a minha preocupação acerca desses recursos provenientes das privatizações. Por exemplo, o cheque de R$3,2 bilhões proveniente da venda da Vale do Rio Doce. A princípio, trata-se de um recurso que pertence a todos os brasileiros e o Governo, ao exibir o cheque de R$3,2 bilhões, que foi depositado no BNDES como algo que poderia beneficiar a todos, não sei se V. Exªs perceberam algum benefício a partir desse cheque ou se os cidadãos que nos ouve perceberam que o cheque do Grupo Vicunha, passado para o BNDES, tenha beneficiado alguém. Acredito não ser correto colocarmos isso em um fundo para pagar direitos de apenas uma parcela da população brasileira. Poderíamos pensar num fundo que viesse, de fato, beneficiar todos os cidadãos brasileiros. Enfim, outras propostas também serão importantes, mas a reforma agrária, o orçamento participativo, o crédito popular, as formas cooperativas de produção e a renda de cidadania ou a garantia de uma renda mínima deverão constituir-se em eixos fundamentais dos programas da oposição. Inclusive, fica aqui o registro para que possa o Poder Executivo considerar maneiras para mais eficazmente erradicar a miséria e melhorar a distribuição de renda em nosso País.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/06/1997 - Página 12637