Pronunciamento de Eduardo Suplicy em 26/06/1997
Discurso no Senado Federal
ESCLARECIMENTOS ACERCA DO PROJETO DE LEI 1.151, DE 1995, DE AUTORIA DA DEPUTADA MARTA SUPLICY, QUE INSTITUIU CONTRATO DE PARCERIA CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO.
- Autor
- Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
- Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA SOCIAL.:
- ESCLARECIMENTOS ACERCA DO PROJETO DE LEI 1.151, DE 1995, DE AUTORIA DA DEPUTADA MARTA SUPLICY, QUE INSTITUIU CONTRATO DE PARCERIA CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO.
- Publicação
- Publicação no DSF de 27/06/1997 - Página 12576
- Assunto
- Outros > POLITICA SOCIAL.
- Indexação
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- JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, MARTA SUPLICY, DEPUTADO FEDERAL, CRIAÇÃO, CONTRATO, PARCERIA, HOMOSSEXUAL.
- ESPECIFICAÇÃO, GARANTIA, DIREITOS, HERANÇA, SUCESSÃO, BENEFICIO, PREVIDENCIA SOCIAL, PLANO, SAUDE, DECLARAÇÃO, IMPOSTO DE RENDA, AMPLIAÇÃO, CIDADANIA.
O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Leomar Quintanilha, Srªs e Srs. Senadores, a Câmara dos Deputados tinha ontem na sua pauta a votação do Projeto de Lei nº 1.151, de 1995, da Deputada Marta Suplicy, que institui a parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo.
O projeto reconhece e assegura legítimo direito de cidadania, dignidade e respeito aos direito humanos de milhares de pessoas que, por sua orientação sexual, não podem ter seus direitos negados.
Diz a Constituição Federal, no seu art. 5º: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza"
Os principais pontos do projeto são: direito à herança, à sucessão, aos benefícios previdenciários, ao seguro saúde conjunto, à declaração conjunta de Imposto de Renda; direito à nacionalidade no caso de estrangeiro que tenha como parceiro cidadã ou cidadão brasileiro, à renda conjunta para compra de imóvel.
O projeto não propõe dar status de casamento ao contrato de Parceria Civil Registrada; permitir que um use o sobrenome do outro; mudar o estado civil durante a vigência do contrato; não propõe constituir família; veda a adoção, tutela ou guarda de crianças ou adolescentes em conjunto, mesmo que se tratem de filhos legítimos de um dos parceiros.
Pelo projeto, pessoas do mesmo sexo, solteiras, viúvas ou divorciadas poderiam registrar um contrato de parceria civil em Cartório. O contrato deve tratar sobre o patrimônio, deveres, impedimentos e obrigações mútuas. O contrato desfaz-se por desistência das partes ou por morte de um dos contratantes ou mediante decretação judicial. O contrato não pode ser assinado com mais de uma pessoa, e os contratantes não se podem casar durante a vigência do mesmo.
Sr. Presidente, manifestações muito importantes dos mais diversos segmentos da sociedade referiram-se a esse projeto, dentre os quais ressalto a do atual Presidente do Supremo Tribunal Federal, José Celso de Mello Filho. Em entrevista publicada nas Páginas Amarelas da Revista Veja, em 5 de março de 1997, quando perguntado especificamente sobre o reconhecimento da união entre homossexuais - uma das proposições sobre as quais muitas vezes os magistrados têm dificuldades em romper barreiras - S. Exª diz que é a favor.
Explicou textualmente o Presidente do Supremo Tribunal Federal, José Celso de Mello Filho:
"Sou a favor da legitimação da união de pessoas do mesmo sexo. Essa é uma realidade inevitável e que deve ser objeto de adequada normatização. O Poder Judiciário já reconheceu que a formação de um patrimônio comum, a partir do esforço de ambos os consortes, impõe a divisão dos bens na hora da separação. É o princípio da justiça. Mesmo porque nada existe em nosso sistema jurídico que impeça esse tratamento no caso de uma união homossexual. Nada impede que o Magistrado construa interpretações próprias a partir da necessidade de realizar os fins sociais a que se dirige a lei. O problema é que, muitas vezes, essa visão é condicionada por uma abordagem conservadora, que, ignorando o espírito do tempo, restringe o alcance da lei."
Sr. Presidente, entre as pessoas que se manifestaram com coragem a respeito deste assunto, surpreendentemente - porque muitas vezes têm demonstrado sua divergência publicamente - estão os Presidentes das Centrais Sindicais mais importantes do Brasil: Enir Severino da Silva, da CGT; Luiz Antonio de Medeiros, da força sindical; e Vicente Paulo da Silva, Presidente da Central Única dos Trabalhadores. Em 05 de maio de 1997, os três publicaram na Folha de S. Paulo artigo intitulado "Junto pelos Direitos Humanos, que passo a ler:
"Chegamos ao final do segundo milênio com muitos problemas não resolvidos: fome, desemprego, concentração de renda, epidemias, violência, desencontros, conflitos étnicos. Mas há de se reconhecer o avanço na afirmação de direitos das chamadas minorias - mulheres, negros, portadores de deficiência, índios, homossexuais -, fruto da intensa luta de grupos sociais e dos ventos democratizantes da consciência mundial. Todas as pessoas têm direito à cidadania plena.
A nossa Constituição de 1988 foi chamada de Constituição Cidadã por ter como eixo de referência a defesa da cidadania. Lutamos muito para que ela se configurasse dessa forma. No primeiro capítulo, explicita o direito à não-discriminação por sexo, raça, origem ou religião. Faltou "orientação sexual", que, embora proposto, não passou pela Comissão de Redação (com a desculpa de "enxugamento" do texto).
A cultura latina, marcadamente machista, estigmatizou as relações homossexuais masculinas e inviabilizou as femininas. Estigma e invisibilidade têm impedido que as pessoas homossexuais vivam sua orientação sexual sem prejuízo de sua cidadania. Só o preconceito pode justificar o controle e a censura dos comportamentos afetivos e sexuais, o que de mais íntimo e pessoal existe em cada um de nós. Esse é um desafio para nós trabalhadores. Os tempos mudaram. Cresce a noção de que a cidadania deve ser para todos.
"O projeto de Marta Suplicy, Deputada pelo PT, que disciplina parceria civil entre pessoas do mesmo sexo, aprovado na forma de substitutivo do Deputado Roberto Jefferson, na Comissão Especial da Câmara, por 11 a 5, vai a votação nos próximos dias." Deveria ter ido ontem, foi adiado para agosto. "Esse projeto tem como finalidade regularizar uma situação de fato e tem o apoio do Ministro" - hoje Presidente do STF, que fez a declaração que há pouco citei.
"Por carregarmos tantos tabus em relação à sexualidade, esse projeto gera tanta polêmica." Esclarecem que o projeto não possibilita mudança de estado civil, nem adoção conjunta de crianças. "Não é, portanto, um projeto de casamento, mas estende alguns direitos a pessoas que firmarem tal sociedade.
Garante direitos de cidadania, tais como herança, benefícios previdenciários, seguro-saúde em conjunto, declaração conjunta de imposto de renda, direito à nacionalidade no caso de estrangeiros que tenham parceiro ou parceira brasileira e consideração de renda conjunta para aquisição de imóvel. O contrato poderá ser registrado em cartório por pessoas do mesmo sexo solteiras, viúvas ou divorciadas. Trata de patrimônio, deveres, impedimentos e obrigações mútuas. Desfaz-se por desistência das partes, morte de um dos contratantes ou sentença judicial."
Em muitos países do mundo, hoje, estão-se aprovando contratos de parceria ou de uniões com características como as propostas, às vezes de forma mais avançada. Essa é uma proposição do novo Primeiro Ministro da Inglaterra, Tony Blair. É também proposição do novo governo da França, sob a liderança do Primeiro-Ministro Lionel Jospin.
Houve muitas incompreensões de entidades religiosas, da igreja católica, de igrejas protestantes. Inclusive, diversos bispos da igreja católica se manifestaram ontem, telefonando para Parlamentares pedindo que não votassem o projeto.
Sou católico, portanto, membro da igreja católica, mas percebo que Dom Lucas Moreira Neves, Presidente da CNBB, e outros bispos que assinaram o manifesto sobre o projeto parecem não ter compreendido inteiramente que o referido projeto apenas disciplina a parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo, podendo, por exemplo, uma avó e sua neta registrarem um contrato dessa natureza, duas parentes, duas primas, um avô e seu neto, enfim, pessoas as mais diversas, mas não necessariamente homossexuais.
A anistia internacional, inclusive, tem elogiado o fato de o Brasil estar discutindo tal proposição. Na Dinamarca, Noruega, Suécia e Hungria, a parceria civil entre pessoas do mesmo sexo já é uma realidade instituída por lei, em âmbito nacional. Na Espanha, Holanda, Bélgica e em 234 prefeituras da França, já se permite legalmente essa instituição.
Quero aqui ressaltar a coragem da Deputada Marta Suplicy pelo fato de ter colocado tal proposição para ser discutida entre todos os brasileiros. Pessoas como Herbert de Souza encaminharam declarações favoráveis, como Antônio Joaquim Werneck de Castro, Secretário de Assistência à Saúde; Gilda Bacal Fucs, médica, sexóloga, psiquiatra, uma das mais eminentes educadoras na área da sexualidade, professora de psicopatologia sexual da Universidade Federal da Bahia; as católicas, pelo direito de decidir, Drª. Maria José Rosaldo Nunes, que disse, a respeito do projeto, que ele cumpre o importante papel de garantir que parcela da população discriminada, marginalizada, que sofre violência policial constantemente, passe a ter assegurados seus direitos à cidadania; Jane Galvão, da Associação Brasileira Interdisciplinar da AIDS; o Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde; o Conselho Federal de Psicologia, a conselheira presidente é Ana Mercedes Bahia - e tantas outras manifestações, inclusive do Plenário do Conselho Federal de Psicologia que, de alguma forma, se contrapõe à organização de entidades religiosas que também expressaram seu sentimento, sua opinião.
Creio que o esclarecimento sobre a matéria até agosto próximo dará oportunidade para que a sociedade brasileira compreenda melhor a proposição. Há muitas pessoas que, inclusive, tem tido o respeito da igreja católica e das igrejas protestantes das diversas denominações que lutam por justiça social, pelos direitos à cidadania e que, agora, ficaram um tanto assustadas quando ouviram seu pároco dizer, no sermão, "para não votarem mais em mim caso me pronuncie favoravelmente a tal projeto".
Ora, que se compreenda bem a natureza do projeto que, sobretudo, visa a assegurar um direito à cidadania com todo o respeito a todos os segmentos, a todas as religiões, sobretudo a cada pessoa.