Discurso no Senado Federal

DEFENDENDO A CONVOCAÇÃO DE UMA NOVA REVISÃO CONSTITUCIONAL.

Autor
José Serra (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SP)
Nome completo: José Serra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL.:
  • DEFENDENDO A CONVOCAÇÃO DE UMA NOVA REVISÃO CONSTITUCIONAL.
Publicação
Publicação no DSF de 27/06/1997 - Página 12578
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL.
Indexação
  • ANALISE, INSUCESSO, REVISÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ERRO, ANTERIORIDADE, ELEIÇÕES.
  • DEFESA, CONVOCAÇÃO, CONFIRMAÇÃO, REFERENDO, PLEBISCITO, REVISÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

O SR. JOSÉ SERRA (PSDB-SP. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, creio que um dos maiores equívocos da vida política brasileira neste fim de século foi cometido há pouco menos de quatro anos quando o Congresso Nacional decidiu começar a fazer a revisão constitucional um ano antes da eleição de 1994. A Constituição brasileira de 88 havia determinado que ela própria seria revista a partir de 5 de outubro de 1993, mas não havia obrigação alguma de que o processo de revisão fosse iniciado nessa data. É só entender o significado da expressão "a partir", ou seja, poderia ser feita a revisão no ano 2000, 2020. Não havia obrigação alguma de se começar no dia 5 de outubro de 1993.

Com o Congresso, naquela época, esfrangalhado pelo esforço em torno à cassação do Presidente Collor de Melo, perplexo face aos efeitos da CPI do Orçamento - que começou no fim do ano - e excitado pela incerta campanha eleitoral que se avizinhava, a revisão, evidentemente, não andou. Uma oposição pequena mas aguerrida, uma elevadíssima taxa de absenteísmo dos parlamentares e o horror de votar temas que colocassem em risco o possível colégio eleitoral de cada parlamentar, transformaram a rápida, drástica e massiva reforma da Constituição num parto da montanha.

O que deveria ter sido feito na minha opinião e que defendi naquela época? Obviamente, marcar a revisão para depois das eleições, no primeiro ano de mandato dos novos Presidente, Governadores, Senadores e Deputados. Com isso até a Oposição concordaria.

Creio, trata-se, Sr. Presidente, de fascinante investigação na linha da sociologia ou da psicologia do conhecimento: compreender por que esse erro tão elementar foi cometido.

Apenas como contribuição aos analistas do futuro, vou sublinhar quatro fatores concorrentes e explicativos que levaram a esse grande equívoco do final do século. Primeiro, houve o receio de alguns setores políticos, particularmente do PFL e do PPB; de que Lula, então favorito nas pesquisas, ganhasse a eleição presidencial e, a partir daí, tivesse força para moldar a Constituição segundo as concepções da esquerda. Evidentemente, Lula não ganhou, mas mesmo que tivesse ganho continuava equivocada a hipótese de um Presidente da República poder moldar a Constituição de acordo com seu desejo.

Em segundo lugar, havia também a ignorância de outros setores, inclusive empresariais, sobre os aspectos mais conflitivos da reforma constitucional. A reforma administrativa, por exemplo, por vezes, nem era citada no elenco das mudanças necessárias. Isso os levou, naturalmente, a subestimar a resistência social que a revisão constitucional despertaria, especialmente em um ano eleitoral.

Em terceiro lugar, superestimou-se o poder de mobilização das elites econômicas para forçar as mudanças constitucionais por cima dos interesses de Parlamentares que buscavam a reeleição.

Houve um quarto fator, desmentido de maneira flagrante pela experiência concreta: a crença de que, sem reformar a Constituição (mesmo sem saber direito o quê), não seria possível lançar a estabilização da economia. Aqui havia uma idéia errada que, até hoje persiste. Essas reformas são importantes para diminuir o custo do funcionamento da economia brasileira, o custo da manutenção da estabilização, o custo da retomada do desenvolvimento, mas não constituem um fator, a priori, que inviabilize a estabilização. A prova é que o real veio mesmo sem as reformas.

Por incrível que hoje possa parecer, até fevereiro ou março de 1994, quando estava claríssimo que a revisão não ia dar em nada, os fatores citados continuaram dominando as decisões sobre a revisão, e ela continuou. Para quê? Para nada.

Na época, empenhei-me para esse adiamento, tivesse conseguido persuadiro Congresso, a revisão teria sido feita no primeiro semestre do Governo Fernando Henrique. Recordo-me que, em palestras para empresários, quando defendia essa tese, a única coisa que muitos entendiam - ou acreditavam entender - era que eu me opunha à revisão constitucional! Era exatamente o oposto. Exatamente por valorizar a revisão é que eu queria que ela fosse viável e não fosse uma revisão virtual que servisse apenas para propaganda e mobilizações custosas que a nada levavam.

Assim, a tarefa de reformar a Constituição ficou para o novo Governo e o novo Congresso, em 1995, mas pelas vias tradicionais das mudanças constitucionais: maioria de três quintos; quatro votações (duas na Câmara, duas no Senado); processo diluído no tempo; perspectiva do pingue-pongue constitucional - a Câmara aprova; se o Senado modifica, volta para a Câmara; se for modificado na Câmara, volta para o Senado - um pingue-pongue eterno, na base da estratégia caça-frango em um terreiro: soltam-se os frangos, e se inicia um processo desgastante de caçar um a um, sendo cada mudança constitucional um "frango rebelde" para ser conquistado.

Ao mesmo tempo, desistir das reformas à Constituição significaria resignar-se a um texto constitucional que é prolixo, detalhista e está eivado de nós jurídicos e corporativistas que, no fundo, amarram a vida do País. Isso vale para qualquer Governo e para qualquer Partido.

A história recente é mais conhecida: o Governo enveredou pelo caminho das reformas pela via tradicional. Foi possível mudar a ordem econômica: extinção de monopólios estatais e reservas de mercado. Mas isso não é mais do que 10% das reformas necessárias. O resto ficou paralisado ao sabor das pressões e contrapressões da conjuntura política.

Estou convencido, ainda, que com excepcional esforço poderemos aprovar alguns pontos da reforma administrativa e alguns avanços no texto da Previdência. Mas muito ficará faltando. Devemos nos empenhar porque, além da área econômico-administrativa, faltarão questões no campo político e jurídico. Mais não dá para contemporizar, sequer, com a idéia de termos um novo Governo, em 1999, de novo envolvido em processos de reformas constitucionais lentas, inseguras e desgastantes.

Pergunto-me: qual a saída? Estou convencido que a saída é convocar nova revisão constitucional, aprovando uma emenda constitucional sujeita a referendum ou apoiada em plebiscito para evitar problemas da inconstitucionalidade. Falo em uma emenda na linha da proposta do Senador Pedro Simon. É um processo cansativo? Sem dúvida, muito cansativo. Penoso? Não só penoso, como difícil. Mas aqui trata-se de escolher, entre as diferentes alternativas, a menos ruim. 

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/06/1997 - Página 12578