Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO DE S.EXA, COM A APARENTE INDIFERENÇA DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO A DECLARAÇÕES CHOCANTES E CONSTRANGEDORAS DE SEUS MINISTROS DA JUSTIÇA E DOS TRANSPORTES E DO MINISTRO-CHEFE DA CASA MILITAR.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • PREOCUPAÇÃO DE S.EXA, COM A APARENTE INDIFERENÇA DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO A DECLARAÇÕES CHOCANTES E CONSTRANGEDORAS DE SEUS MINISTROS DA JUSTIÇA E DOS TRANSPORTES E DO MINISTRO-CHEFE DA CASA MILITAR.
Publicação
Publicação no DSF de 02/07/1997 - Página 12834
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • REGISTRO, OMISSÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, IMPROPRIEDADE, DECLARAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), MINISTRO, CHEFE, CASA CIVIL, JUSTIFICAÇÃO, CRIME.
  • REPUDIO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, DECLARAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DOS TRANSPORTES (MTR), EXPECTATIVA, PROVIDENCIA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DEFESA, PRINCIPIOS GERAIS DE DIREITO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador Lúcio Alcântara, Srªs e Srs. Senadores, preocupa-me a aparente indiferença do Presidente Fernando Henrique Cardoso com respeito às declarações de seus ministros e aos valores que, um após outro, vêm consternando a população brasileira, chocando mesmo. Não há uma reação, à altura, por parte do Presidente da República. Será que Sua Excelência realmente está de acordo com declarações tais como a feita por Iris Rezende, por ocasião de sua posse como Ministro da Justiça, quando expressou que, "às vezes, o crime é inevitável"? Estava em debate a questão do projeto de lei do Deputado Hélio Bicudo, segundo o qual os crimes perpetrados por membros da Polícia Militar, quando no exercício de suas funções, deveriam ser julgados pela Justiça Comum. Daí surgiu aquela frase.

Ora, será que poderíamos considerar que, em algumas ocasiões, o crime realmente é inevitável? Que situações são essas?

A lei não permite que uma pessoa cometa um crime em função de qualquer situação. Vejamos alguns exemplos. Ainda há pouco, o Senador Lúcio Alcântara me dizia que, às vezes, uma pessoa pode, por razão passional, ser levada a cometer algo que normalmente não faria. Digamos que uma pessoa no trânsito, de repente, se veja tão ofendida ou porque foi fechada, ou porque levou uma abalroada ou coisa dessa natureza, e fique tão furiosa com a atitude daquele que o fechou, que cometeu uma infração, que atropelou ou feriu alguém que seja levada a atitudes inesperadas que normalmente não faria. Tal situação, no entanto, não deixa de significar que a pessoa cometeu um crime se, porventura, tirar seu revólver e matar ou ferir alguém. Ainda que se possa compreender as razões, a emoção de uma pessoa, há que se tentar evitar o crime.

Dois bilhões de pessoas no mundo ficaram chocadas ao assistirem à luta entre Mike Tyson e Evander Holyfield nas primeiras horas de domingo passado. É verdade que Evander Holyfield deu uma cabeçada em Mike Tyson no primeiro assalto, ferindo seu supercílio. Mas daí a reação de Mike Tyson, mordendo a orelha de Holyfield e arrancando um pedaço... Ora, vai-se dizer que é um crime inevitável! Não pode. Deixo aqui uma ponderação que - imagino - o Presidente Fernando Henrique Cardoso deveria estar fazendo com o seu Ministro da Justiça.

O Presidente Bill Clinton reagiu, dizendo que havia ficado "horrorificado", assim como, certamente, todo o povo norte-americano diante da mordida de Mike Tyson na orelha de Holyfield. Trata-se, certamente, de uma ação que representou um momento de desequilíbrio, totalmente inaceitável, sobretudo para um campeão dos maiores que já houve na história do boxe, que, entretanto, ali se descontrolou.

Ainda bem que, ontem, Mike Tyson pediu desculpas a todos que assistiram a sua luta e que esperavam estar presenciando um dos maiores combates da história do pugilismo e que ficaram inteiramente decepcionados com aquela atitude. É até compreensível que tenha, felizmente, tomado a atitude de pedir desculpas ao povo, a todas as pessoas que assistiram à luta, ao próprio Holyfield. Disse ele que irá, inclusive, procurar um médico para verificar que razões o teriam levado a uma ação daquela natureza.

Mas será que a cabeçada de Holyfield justificaria o crime? Aquilo teria sido inevitável? É claro que aquela atitude poderia ter sido evitada, tivesse Mike Tyson um pouco mais de reflexão, tivesse ele se acalmado e procurado revidar a falta grave de Holyfield, a cabeçada não registrada pelo juiz, com a potência de seus golpes extraordinários. É claro que, tendo machucado o olho, ele estava em desvantagem. Mas não se pode justificar a sua atitude. Obviamente, ele merece uma punição. Certamente, a Comissão de Boxe de Nevada vai decidir por uma punição.

Sr. Presidente, outra declaração que causou grande preocupação na opinião pública, ressaltada até pela Folha de S. Paulo, foi a do General Ministro-Chefe da Casa Militar, Alberto Mendes Cardoso, que considerou uma sorte muito grande o tiro disparado contra manifestantes em Belo Horizonte, apesar do sacrifício pessoal do Cabo Valério dos Santos Oliveira. O Governador de Minas Gerais, Eduardo Azeredo, enfrentou uma situação extremamente difícil de revolta justa dos policiais militares, em função da baixa remuneração e do fato de estarem há tanto tempo sem qualquer reajuste.

Mas vejam só o que disse o General Alberto Cardoso diante da pergunta "o que fez com que o movimento recuasse?", feita por Rui Nogueira e William França: "No momento do tiro, parece que houve um choque, e a turba percebeu a gravidade do que estava por vir. E, felizmente, tomou a consciência coletiva de que tinha que suspender suas ações agressivas. Foi uma sorte muito grande. O tiro foi uma fatalidade, mas que impactou a consciência coletiva, fez com que ela voltasse à razão. Infelizmente, com o sacrifício daquele cabo."

Ora, como afirmar "que a morte de um Cabo foi uma sorte tão grande, e que o sacrifício dele como que pareceu ter sido necessário", na avaliação do General Alberto Cardoso?

Trata-se da expressão de um valor que nos choca. E seria importante que o Presidente Fernando Henrique Cardoso tomasse uma atitude pública com respeito a tal declaração.

Sr. Presidente, outra declaração que gostaria de aqui ressaltar, também extremamente chocante e hoje já referida pelo Senador Abdias Nascimento, refere-se à declaração do Ministro dos Transportes, Eliseu Padilha: "No Brasil, existem dois pretos que são admirados por todos: um é o Pelé, que é o nosso rei de sempre, e o outro é o rei asfalto. Todo mundo gosta do asfalto; é o preto que todo mundo gosta."

Bem ressaltou o Senador Abdias Nascimento que não se pode comparar o preto com o negro. É estranho que ele mesmo, dizendo-se descendente de pessoa negra - seu pai tem ascendência negra - use o termo preto para coisa, referindo-se também ao Pelé.

Ora, o Ministro Edson Arantes do Nascimento até quis contornar a situação, como que não se dizendo tão ofendido. Mas eu gostaria de ressaltar, Sr. Presidente, que foram muitos os negros que vieram falar comigo de sua indignação diante dessa afirmação do Ministro Eliseu Padilha. Tanto no último sábado como no último domingo, no Encontro Municipal do Partido dos Trabalhadores, realizado em São Paulo neste final de semana, houve a decisão, aprovada por 976 delegados, de solicitar que o Presidente Fernando Henrique Cardoso tome as medidas cabíveis diante do fato que representou uma ofensa, um ato de discriminação racial, uma vez que na Constituição brasileira está expresso:

      "Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

      IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

      Art. 5º Todos são iguais perante e lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade..."

Está assegurado que ninguém será objeto de qualquer tipo de discriminação racial. Assim, é de se esperar que o Presidente Fernando Henrique Cardoso diante da observação do Ministro Eliseu Padilha tome providências cabíveis. Estamos aguardando porque, até o presente momento, não houve uma reação à altura por parte do Presidente Fernando Henrique Cardoso em que pese o protesto realizado pelos brasileiros, sobretudo, pelos negros e por todos aqueles de ascendência negra que têm, entre nós, os brancos, a solidariedade total.

Sr. Presidente, assim, queremos solicitar uma ação concreta do Presidente Fernando Henrique Cardoso diante de declarações que ferem o sentimento de nacionalidade, de solidariedade, de espírito de justiça, de eqüidade que, esperamos, esta Nação tenha a partir do exemplo que, sobretudo, o Senhor Presidente e seus Ministros tenham a dar.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/07/1997 - Página 12834