Discurso no Senado Federal

COMENTANDO DOCUMENTO FORMULADO PELO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, INTITULADO 'REFORMA AGRARIA - COMPROMISSO DE TODOS'.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • COMENTANDO DOCUMENTO FORMULADO PELO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, INTITULADO 'REFORMA AGRARIA - COMPROMISSO DE TODOS'.
Publicação
Publicação no DSF de 02/07/1997 - Página 12835
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • REGISTRO, AUMENTO, COMPROMISSO, SOCIEDADE CIVIL, REFORMA AGRARIA.
  • ANALISE, DOCUMENTO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, ARTICULAÇÃO, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, PROVIDENCIA, ASSISTENCIA, ASSENTAMENTO RURAL, GARANTIA, VIABILIDADE.
  • ANALISE, ESTATISTICA, NUMERO, FAMILIA, ASSENTAMENTO RURAL, REFORMA AGRARIA, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REGISTRO, PROGRAMA, REFORÇO, PRODUÇÃO AGRICOLA.

           O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, reforma agrária é um tema que está na agenda dos grandes assuntos nacionais deste final de século. Dela tratam sem cessar os meios de comunicação, dela tratam fóruns de especialistas pelo Brasil afora, dela tratam os parlamentos e as assembléias, dela tratam entidades de estudantes e sindicalistas, diferentes níveis de governo, dela tratam, enfim, diversas instâncias representativas da sociedade. 

           Muitos o fazem tomados por um impulso apaixonado que, na maior parte das vezes, acaba por exacerbar os ânimos, situação incapaz de contribuir para se alcançar o consenso amadurecido que aponte com serenidade para os melhores caminhos e para as soluções mais duradouras.

           Que a sociedade brasileira discuta e se posicione favoravelmente em relação ao tema é desejável e louvável. Talvez, ao longo de nossa história, nunca tenhamos contado com a adesão tão explícita de parcelas significativas de nossa sociedade em prol da reforma agrária. Prova disso testemunhamos recentemente. A marcha dos sem-terra rumo a Brasília foi apoiada e saudada em todos os lugares por onde passou. Agigantou-se a olhos vistos, nesses últimos anos, a vontade brasileira de ver modificada a estrutura agrária do País e reduzidas as desigualdades no meio rural.

           Isso é bom, Senhor Presidente! Fazer a reforma agrária não é tarefa para os governos realizarem sozinhos. A participação da sociedade civil é necessária, fundamental, indispensável! Não é sem razão que o Presidente Fernando Henrique Cardoso afirma, no documento Reforma Agrária -- Compromisso de Todos, que ela "só poderá ser resolvida mediante a integração dos esforços das três instâncias de governo e de um compromisso efetivo de toda a sociedade."

           É verdade que cabe aos governos a responsabilidade maior de promover as ações necessárias para sua implantação. Mas qualquer iniciativa governamental tem mais possibilidade de obter sucesso se contar com o apoio da sociedade. O Presidente Fernando Henrique Cardoso já demonstrou cabalmente que quer a reforma agrária. E o fez explicitamente no programa de sua campanha à Presidência da República. Lembramo-nos todos de seus compromissos enquanto candidato.

           Imbuído do princípio de não vender ilusões, o então candidato Fernando Henrique Cardoso evitou o apelo eleitoral fácil de resolver o problema da injusta concentração de terra no Brasil por meio de farta distribuição de lotes. Distribuir terra aos mais pobres configuraria, segundo a arguta visão do sociólogo, dirigir-se em sentido contrário ao pretendido, ou seja, ao invés de levar justiça social ao campo, estaríamos caminhando para reproduzir a pobreza no meio rural. A posse de um pedaço de terra, por mais produtiva que seja, não garante por si só, como sabemos, nem a produção desejada, nem os efeitos sociais benéficos de uma política igualitária. Ainda mais se considerarmos o cenário mais amplo que cerca a atividade econômica da época atual, que escancara diante de nossos olhos realidades como a globalização de mercados, a sofisticação tecnológica e a alta competitividade.

           Dessa maneira, objetivou o governo, além de promover políticas de reforma agrária, privilegiar a agricultura de base familiar, e formular uma estratégia capaz de gerar mais e melhores empregos na área rural, visando ao aumento do volume de produção, dos níveis de produtividade e do salário real dos trabalhadores.

           Por outro lado, não permaneceu esquecida, como se comprova na leitura do documento Reforma Agrária -- Compromisso de Todos, a necessidade de revisar a legislação sobre desapropriações de terras e do imposto sobre a propriedade, a urbanização da zona rural, a regularização fundiária, a colonização, os programas de assistência técnica e qualificação profissional e os investimentos na melhoria da infra-estrutura.

           Como se pode ver, Senhor Presidente, tratou o Governo Fernando Henrique de reformar a reforma agrária. De que modo alcançaria esse intento? Ao invés de reduzir as iniciativas a ações de caráter meramente distributivista, optou inteligentemente por privilegiar um conjunto articulado de políticas públicas capazes de promover a sobrevivência dos assentamentos e garantir sua viabilidade econômica.

           É injusta a acusação de que o Governo Fernando Henrique Cardoso tem feito pouco para promover a reforma agrária. Ocorre que a meta de assentar 280 mil famílias em quatro anos de governo é, aos olhos do próprio Executivo, ao mesmo tempo modesta e audaciosa. "É modesta, diante da magnitude do problema fundiário brasileiro, mas é audaciosa, se comparada ao que foi feito ao longo da história do País." Mas o importante é que as metas anuais têm sido cumpridas, e com relativa folga! No biênio 1995/96 a meta era assentar 100 mil famílias. O Governo foi além: distribuiu terra para 104.956 famílias. Foram desapropriados ou adquiridos pelo Governo, nesses dois anos, mais de 3 milhões e 500 mil hectares. É como se o território de um país como a Bélgica, por exemplo, tivesse sido inteiramente desapropriado, recortado e distribuído por milhares de famílias, numa média que chegou a atingir até 5 mil famílias beneficiárias por mês!

           Esses números, embora sempre insuficientes diante da contínua demanda do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra -- MST, torna-se expressivo se visto à luz dos resultados obtidos ao longo da história do País, pois corresponde, em dois anos, a quase metade de tudo o que foi executado nas administrações anteriores, que chegaram a totalizar 218.033 famílias assentadas, excluídos os projetos de colonização.

           Passo agora a falar dos programas e ações articulados em diversos ministérios e instituições públicas, no intuito de garantir a sobrevivência e viabilidade econômica dos assentamentos.

           O Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária -- PROCERA é o principal instrumento de financiamento do processo produtivo. Garante recursos subsidiados aos assentados -- metade dos quais não terão de ser devolvidos ao governo --, para o financiamento do custeio da lavoura, investimentos e pagamento da quota-parte na cooperativa do assentamento. Em 1995, 18 mil famílias se beneficiaram com os recursos do Procera. No ano seguinte, o volume de financiamento cresceu 144%, e o benefício chegou a 42 mil famílias. Prevê-se um crescimento também para 1997, com verba estimada em 250 milhões de reais, distribuídos por 50 mil famílias. Ou seja, em três anos, vislumbra-se que aproximadamente 110 mil famílias tenham recebido os créditos do Procera, programa que, criado em 1985, somente em 1993 passou a cumprir suas finalidades.

           Para prover apoio técnico às famílias de agricultores assentados, foi criado o Projeto Lumiar, que prevê a formação de equipes locais de assistência técnica e capacitação profissional para orientar o desenvolvimento autônomo dos assentamentos. Ainda em fase de implantação, o Projeto Lumiar já envolveu 40 equipes, a maioria trabalhando na região nordestina, estando outras 250 equipes em fase de seleção e treinamento. Com a destinação de mais de 90 milhões de reais no biênio 1996/97, o Projeto já atendeu 150 mil famílias, devendo alcançar 240 mil famílias em 1998.

           Atuando na esfera de emancipação dos assentamentos rurais, o Projeto Emancipar visa assegurar a todo cidadão beneficiário do programa de reforma agrária o direito à independência econômica. Essa ação vem corrigir uma situação que o próprio Governo reconhece como inaceitável e injusta, Senhor Presidente, pois os assentamentos não emancipados permanecem sob a tutela do governo federal, o que origina uma forma indesejável de paternalismo, na medida em que privilegia esses agricultores, em detrimento dos demais pequenos proprietários do País e do próprio conjunto da população, inclusive dos segmentos mais pobres e carentes, que é quem acaba arcando, no final das contas, com os custos dessa situação. Os trabalhos do INCRA com vistas à emancipação, no ano em curso, estarão concentrados em um grupo de 650 projetos antigos de colonização pública e de reforma agrária, e deverão emancipar mais de 180 mil famílias.

           Funcionando nos moldes de uma carta de crédito cooperativo, o Programa Cédula da Terra, negociado com o Banco Mundial -- BIRD, visa conceder financiamento para a compra de terra, com prazo de pagamento de 20 anos. Seu funcionamento é bastante simples: grupos de agricultores sem-terra identificam a área que desejam comprar e submetem o processo de aquisição à unidade técnica do Estado. Apresentando-se como experiência-piloto de um novo modelo de política fundiária, a Cédula da Terra conta, num primeiro momento, com o aporte de 150 milhões de reais, dos quais 45 milhões do Brasil, destinados à compra da terra; 90 milhões de reais do Banco Mundial, para financiamento da infra-estrutura coletiva, produtiva e social; e 15 milhões de reais como contrapartida dos grupos de trabalhadores interessados.

           Não fora a limitação de tempo, poderia eu me alongar por muitas mais páginas para comprovar minha convicção de que o Governo Fernando Henrique Cardoso não tem se descuidado de criar as condições favoráveis para promover a reforma agrária no Brasil. É meta de seu governo, e o Presidente a está fazendo! Poderia mencionar muitos outros programas, como o Projeto Casulo, que virá descentralizar e acelerar a execução dos projetos de reforma agrária. Poderia falar ainda dos projetos de governo direcionados aos pequenos agricultores familiares e às cooperativas e associações de produção, como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar -- PRONAF, que beneficiou, em 1995 e 1996, mais de 350 mil famílias, com financiamentos a juros favorecidos para custeio da lavoura e da pecuária e para investimentos, como compra de máquinas, equipamentos agrícolas, bens de produção e outros itens de infra-estrutura indispensáveis ao empreendimento.

           Poderia falar também do Programa de Geração de Emprego e Renda Rural -- PROGER RURAL, que destina recursos para a agroindústria, visando aumentar a produção, melhorar a produtividade, criar mais postos de trabalho e fixar o homem no campo. No biênio 1995/96, foram aplicados mais de 1 bilhão e 300 milhões de reais nas mais de 180 operações cobertas por esse Programa.

           Há muito mais realizações do Governo Federal na área da reforma agrária para se falar, Senhor Presidente. Mas há um cenário onde ocorreram mudanças as quais não posso me furtar de mencionar, ainda que brevemente, para não abusar da paciência com que os colegas ouvem minha elocução. Trata-se do complexo cenário da legislação agrária brasileira, no qual se verificaram mudanças necessárias, significativas, vindas -- bem-vindas, melhor dizendo -- para favorecer os mais fracos e mais desprotegidos.

           Podemos dizer que se operou um verdadeiro saneamento no Imposto Territorial Urbano -- ITR, transformado, com o passar do tempo, num poderoso instrumento de injustiça fiscal no campo, pago pelos pequenos proprietários -- que sempre pagam, como sabemos, porque a inadimplência se concentra do outro lado, do lado dos grandes -- em proporções injustas se compararmos com o que pagavam os detentores dos grandes imóveis rurais. Pois bem, Senhor Presidente, no final do ano passado foram aprovadas, com o apoio maciço do Congresso Nacional, alterações substanciais na sistemática de cálculo do ITR, que vieram não só corrigir uma situação injusta, como também pôr fim à compra de terras para fins especulativos ou de reserva de valor.

           Também na mesma época o Governo apresentou e conseguiu aprovar proposta de alteração na Lei Complementar 76/93, conhecida como lei do rito sumário, que trata do processo de desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária. A nova lei contribui para eliminar sérios conflitos fundiários brasileiros, que se instalavam exatamente no período entre a desapropriação do imóvel e a imissão de posse, ocasião em que famílias de sem-terra, revoltadas com a demora do processo de desapropriação, acampavam nas proximidades das terras em litígio, situação que fomentava choques e conflitos com os fazendeiros e seus empregados. A contestação judicial apresentada pelos proprietários de área desapropriada agora não mais impede a imissão de posse da terra para o governo.

           Ainda na seara legislativa, foram consolidadas normas relacionadas às armas de fogo, que dificultam e restringem o registro e o porte. As novas medidas concedem o necessário amparo legal para o Governo desencadear uma ampla operação de desarmamento em massa no campo, que, com certeza, contribuirá para eliminar, senão diminuir, as mortes ocorridas em conflitos agrários.

           Já vou me aproximando do final deste pronunciamento, Senhor Presidente. Quero, antes de encerrar, contudo, num último esforço de atenção dos colegas que me ouvem, enfatizar que a reforma agrária não se impõe por razões ideológicas e econômicas. Como afirma o Presidente Fernando Henrique Cardoso, no documento Reforma Agrária -- Compromisso de Todos, a questão agrária é "sobretudo social e moral". O conjunto de benefícios que ela pode trazer como parte de uma estratégia global de desenvolvimento socioeconômico que visa ao fortalecimento da pequena propriedade e da agricultura familiar, a geração de mais e melhores postos de trabalho, o crescimento da renda no campo, a redução do êxodo rural, esse conjunto de benefícios é que deve ser o norteamento de toda e qualquer política governamental e de toda e qualquer iniciativa da sociedade civil em prol da reforma agrária.

           O Governo está fazendo sua parte, como demonstram os resultados que acabo de expor. Cabe a cada um de nós somar nossos esforços ao bom direcionamento que vêm alcançando as políticas públicas em execução. A sociedade está manifestando inequivocamente o desejo de ver resolvidos os problemas do setor agrário. O momento, portanto, Senhor Presidente, é altamente propício para que estruturas e relações iníquas, herdadas dos tempos coloniais, sejam corrigidas com vontade firme, atitudes fortes e conduta pautada pelo respeito às leis.

           Era o que tinha a dizer.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/07/1997 - Página 12835