Pronunciamento de Eduardo Suplicy em 02/07/1997
Discurso no Senado Federal
BALANÇO FEITO PELO PRESIDENTE DA REPUBLICA DOS TRES ANOS DO PLANO REAL, ABORDANDO APENAS O LADO ROSEO DO BRASIL, MAS OUVIDANDO A GRAVIDADE DO QUADRO SOCIOECONOMICO, A NECESSIDADE DA TOMADA DE MEDIDAS QUE POSSAM MELHORAR O NIVEL DE EMPREGO, ERRADICAR A MISERIA E TORNAR DE FATO MAIS EQUITATIVA A DISTRIBUIÇÃO DA RENDA E DA RIQUEZA.
- Autor
- Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
- Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
- BALANÇO FEITO PELO PRESIDENTE DA REPUBLICA DOS TRES ANOS DO PLANO REAL, ABORDANDO APENAS O LADO ROSEO DO BRASIL, MAS OUVIDANDO A GRAVIDADE DO QUADRO SOCIOECONOMICO, A NECESSIDADE DA TOMADA DE MEDIDAS QUE POSSAM MELHORAR O NIVEL DE EMPREGO, ERRADICAR A MISERIA E TORNAR DE FATO MAIS EQUITATIVA A DISTRIBUIÇÃO DA RENDA E DA RIQUEZA.
- Publicação
- Publicação no DSF de 03/07/1997 - Página 12871
- Assunto
- Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
- Indexação
-
- CRITICA, PRONUNCIAMENTO, AUTORIA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, BALANÇO, PLANO, ESTABILIZAÇÃO, ECONOMIA, MOEDA, CONTROLE, INFLAÇÃO, MOTIVO, NEGLIGENCIA, ANALISE, AGRAVAÇÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS, NATUREZA SOCIAL, DESEMPREGO, AUMENTO, DESIGUALDADE SOCIAL, INJUSTIÇA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, SUBSTITUIÇÃO, EMPREGO, UTILIZAÇÃO, CARTEIRA DE TRABALHO, INGRESSO, TRABALHADOR, ECONOMIA INFORMAL, CRESCIMENTO, DEMISSÃO, AMBITO, INICIATIVA PRIVADA.
- ANALISE, INICIATIVA, APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, FLAVIANO MELO, SENADOR, CRIAÇÃO, INCENTIVO FISCAL, PESSOA JURIDICA, QUALIDADE, EMPREGADOR, CONDICIONAMENTO, COMPOSIÇÃO, EMPREGADO, EMPRESA PRIVADA, SUPERIORIDADE, IDADE.
O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco-PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Senadora Júnia Marise, Srs. Senadores, o Presidente Fernando Henrique Cardoso precisa de um novo óculos que lhe permita ver a realidade do Brasil.
Os pronunciamentos que fez, relativos aos três anos do Plano Real, indicam que Sua Excelência está vendo apenas o Brasil de forma rósea, somente os aspectos positivos como se não houvesse graves, gravíssimos problemas sociais, como se a desigualdade já houvesse sido, em grande parte, resolvida, como se estivéssemos vivendo numa situação quase que de pleno emprego. E também assim fizeram os seus Ministros, os seus Líderes: num balanço dos três anos do Plano Real, trilharam o caminho do róseo. Inclusive ontem, aqui da tribuna, o Líder do Governo, Elcio Alvares, fez um pronunciamento nesse sentido.
Seria importante podermos dar uns óculos ao Presidente Fernando Henrique Cardoso que lhe permitissem ver que no Brasil há problemas sérios, problemas que aconteceram durante os três anos do Plano Real, sobretudo no que se refere à questão do emprego. Desde a implantação do Plano Real, o Brasil perdeu 733.177 empregos formais, segundo levantamento do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho - Cesit, da Unicamp. O estudo, baseado em dados do Ministério do Trabalho, que não considera os trabalhadores autônomos, nem os que não têm carteira assinada, mostra que a redução ocorreu em todos os setores. A indústria foi responsável pelo fechamento da maior parte dos postos de trabalho: 464.909; o setor de serviços eliminou 108.727 vagas; a agricultura, 81.262 vagas; a construção civil, 75.256; o comércio, 1.771, enquanto outros setores fecharam 1.252 empregos.
O Plano Real consolidou um movimento de desestruturação do mercado formal de trabalho iniciado no começo da década. Desde os anos 30 o movimento era contrário: crescia o assalariamento e se reduzia o número de empregos sem carteira e por conta própria, diz o coordenador da pesquisa Márcio Pochman.
Agora, o movimento foi em direção outra; as oportunidades de emprego no setor formal da economia estão crescendo pouco, ou mesmo se encolhendo, e dado que os trabalhadores no mercado formal têm grande dificuldade de encontrar oportunidade, obviamente surgem situações no mercado informal. É a forma de sobreviver que os trabalhadores encontram.
A substituição de empregos com carteira assinada por ocupações informais vem sendo apontada pelo Governo como um paliativo para o desemprego. Entretanto, para os economistas do Cesit e do Dieese, esses novos empregos são precários porque não dão garantias trabalhistas e oferecem, na média, rendimentos menores do que as vagas registradas. Para Pochman, o autônomo bem-sucedido e com altos rendimentos existe mas é uma exceção. A grande maioria dos trabalhadores informais é de pessoas que não conseguem empregos formais e aceitam biscates para sobreviver.
A criação de empregos informais não está sendo suficiente para compensar o fechamento dos postos de trabalho. Na Grande São Paulo, em Porto Alegre e Brasília, o desemprego aumentou nos últimos três anos. Segundos dados da Fundação Seade e do Dieese, do início do Plano Real até maio, 177 mil pessoas ficaram sem qualquer tipo de emprego em São Paulo, elevando o contingente de desempregados na região para 1,387 milhão de pessoas - 14,6% a mais do que há três anos. A taxa de desemprego na grande São Paulo foi de 16% em maio último, permanecendo em torno disso nos últimos três meses - março, abril e maio.
Em Porto Alegre, o número de desempregados, 218 mil, aumentou 21,1%, enquanto que em Brasília o desemprego cresceu 30,5% no período, com 151 mil pessoas sem conseguir trabalho.
O coordenador do Dieese, Sérgio Mendonça, ressalta que os altos patamares de desemprego enfrentados ainda são uma herança da recessão de 1992. O problema é que o crescimento comedido da economia não tem sido suficiente para alterar a pressão sobre o mercado de trabalho. A taxa de desemprego nos anos 80 na Grande São Paulo girava em torno de 10%. Em 1994, 14,2%; em 1995, 13,2%; em 1996, 15,1%. Nos primeiros meses deste ano, a média se manteve em 15%, mas no último mês foi de 16%.
Enquanto a economia não crescer acima de 6 ou 7%, não serão gerados empregos suficientes para compensar o aumento da população e os ganhos de produtividade, segundo o diretor-executivo da Fundação Seade, Pedro Paulo Martoni Branco.
Por que será que o Presidente Fernando Henrique Cardoso, no seu pronunciamento à Nação, no último dia 30, não colocou com maior clareza essa grave situação?
Em 1.994, o povo brasileiro elegeu um Presidente que defendia em sua campanha, em claro e bom som, a criação de empregos com maior estabilidade e segurança. Mais ainda, dizia que priorizava a geração de empregos, como se lê no seu programa de governo, o "Brasil em Ação". Mas o que se vê até o presente é que essa saída não se encontra a curto prazo.
Nesse perverso contexto está incluído um grupo de trabalhadores que sofrem duplamente os efeitos da demissão: aqueles que ficam privados de seus postos de trabalho ao alcançarem idade superior a 45 anos e, devido a preconceitos de variada ordem, não encontram mais colocação no mercado de trabalho. São muitas as pessoas que chegando à meia idade, com uma folha de serviços prestados a empresas, são por elas descartados como se tivessem se tornado um objeto em desuso, um móvel que atravanca o caminho da empresa rumo a uma discutível modernização, uma mera folha de papel que se amassa e se lança ao cesto de lixo. Não importa se têm família, filhos a educar, compromissos financeiros assumidos. Descarta-se e pronto! É desses trabalhadores que seria importante também falarmos, porque são vítimas da perversa face com que se mostra a natureza do sistema que caracteriza a economia brasileira, pois em nome da integração econômica, da chamada globalização de mercado, da corrida tecnológica, muitas vezes sentimos um verdadeiro massacre de seres humanos no que têm de mais precioso para garantir a sobrevivência de suas famílias: a sua vontade de contribuir para a geração de riqueza no País, a sua vontade de trabalhar e levar para casa uma remuneração condigna.
A situação de perda de emprego é particularmente difícil para um trabalhador de meia idade. Para este último, as chances de obter um novo emprego se afunilam, em parte por que, muitas vezes, as mudanças econômicas afetam especialmente os setores nos quais os mais velhos têm maior presença, como agricultura, as atividades artesanais, pequenas lojas e oficinas. Além disso, os progressos tecnológicos e as transformações nos métodos de trabalho nas grandes empresas empurram para fora os trabalhadores de mais idade, cuja educação, formação, conhecimento e experiência não mais correspondem às novas necessidades de produção.
A mobilidade geográfica e profissional desses trabalhadores é também mais limitada. Enfrentam, acima de tudo, um obstáculo particularmente cruel: a discriminação etária que carrega o preconceito de que o trabalhador de mais idade é menos produtivo, menos dócil, mais predisposto ao absenteísmo e mais sujeito a acidentes.
Na verdade, o fenômeno do envelhecimento raramente é visto como positivo nas sociedades modernas. Se há sociedades que vêem as pessoas mais velha com grande respeito, dada a sua experiência e sabedoria, mais abundantes são as que menosprezam o fator idade e atribuem aos mais velhos o estigma de pessoas pouco capazes de produzir, pouco afeitas a idéias novas, verdadeiros entraves às conquistas da tecnologia. Não é incomum presenciarmos, em todas as áreas de atividade, a diminuição com a idade da importância social e profissional das pessoas, sendo-lhes subtraídas as funções que antes desempenhavam.
Esse quadro, transposto para a situação brasileira, nada tem de tranqüilizador. Ao contrário, nossas preocupações tendem a aumentar, dado o perfil que assume a pirâmide demográfica brasileira, com a redução do índice de natalidade e a extrema velocidade com que o envelhecimento da população vem ocorrendo.
Portanto, há espaço para iniciativas que busquem minorar o amargo panorama dos trabalhadores com idade acima de 45 anos, demitidos de seus empregos na pujança da capacidade laborativa. Em países industrializados e em muitos países em desenvolvimento, notadamente no setor urbano, medidas vêm sendo adotadas para garantir a manutenção do emprego para facilitar a reinserção no mercado dos trabalhadores de mais idade.
No Japão, desde 1963, o governo oferece ao trabalhador idoso programas de formação e reciclagem e, desde 1966, assegura a criação de empregos que tenham em conta a sua capacidade produtiva.
Em 1976, foi estabelecido que 6% do pessoal de tempo integral de uma empresa deveriam ser de trabalhadores idosos. Subvenções são concedidas às empresas que empreguem trabalhadores de 55 a 64 anos. Para os desempregados idosos, são reservados de 60 a 80% dos salários percebidos na ativa.
A Alemanha, por sua vez, financia para trabalhadores mais idosos cursos de formação complementar e de reciclagem em suas áreas de especialização. A Finlândia oferece programas de formação para trabalhadores de idade avançada, estimando-se que 75% dos "treinandos" reencontram um novo emprego. Também oferecem cursos de formação para trabalhadores de mais idade a Holanda, a França, a Nova Zelândia e o Canadá.
Na Espanha, há legislação que fomenta a contratação de trabalhadores maiores de 45 anos, em situação de desemprego. Há requisitos a serem cumpridos pelos trabalhadores e pelas empresas. Estas últimas recebem determinados incentivos, como subvenções pecuniárias por contrato firmado e redução da participação patronal no custeio da seguridade social.
Iniciativa semelhante tramita nesta Casa, provinda da lavra do ilustre Senador Flaviano Melo. Em seu projeto de lei, fica instituído incentivo fiscal para as pessoas jurídicas que, na qualidade de empregador, possuam pelo menos 30% de seus empregados com idade superior a 40 anos. Essas empresas poderão deduzir do lucro tributável, para fins de cálculo do Imposto de Renda, até 30% do montante dos salários e respectivos encargos sociais pagos, no período-base, a seus empregados, observado o limite de 15% do lucro antes de computada a dedução.
O Senador Lauro Campos apresentou um substitutivo, um voto em separado, onde, mantendo os propósitos do Senador Flaviano Melo, observou que há casos de pessoas de meia idade ou idade avançada que estão numa faixa que não causam preocupação. São justamente àqueles administradores de larga experiência, inclusive, são, muitas vezes, bastante procurados e, por causa disso, o nobre Senador Lauro Campos avaliou que poder-se-ia não considerar, para efeito desse incentivo fiscal, os trabalhadores acima de 40 ou 45 anos que recebessem mensalmente mais de R$3 mil. Propôs que o incentivo fosse no máximo em 25%, e que também houvesse uma limitação, não se admitindo o crédito fiscal no caso de se ultrapassar, com diversos formatos, uma situação que levasse uma empresa a ter um lucro líquido negativo, simplesmente pelo abuso do usufruto de créditos fiscais.
Assim, acredito que a Proposição do nobre Senador Lauro Campos aperfeiçoa o propósito do nobre Senador Flaviano Melo. Mas, certamente, o Senado Federal poderá ainda melhor apreciar, apresentando modificações.
Nas economias modernas, o crescimento requer força de trabalho cada vez mais qualificada. Incentivos ao treinamento, à especialização, ao complemento de formação, são ações fundamentais para a manutenção e melhor aproveitamento dos profissionais em seus postos de trabalho. Essas ações, aliadas à política de manutenção de emprego bem definidas, tornam possível combater o preconceito de que trabalhadores com mais idade são descartáveis do processo produtivo.
O Brasil tem, hoje, 21 milhões de idosos numa população estimada em 150 milhões. Só na Grande São Paulo, 30% da população ocupada tinha 40 anos ou mais, conforme revelado por pesquisa da Fundação Seade e do Dieese, no período compreendido entre dezembro de 1994 e fevereiro de 1995.
Não podemos deixar o contingente de trabalhadores brasileiros, no qual se incluem como "grupo de risco" as pessoas com mais idade, à mercê dos efeitos perversos de um quadro econômico marcado por crescimento econômico medíocre e taxas de juros elevadas, sobretudo para as empresas menores.
Srª Presidente, o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, mencionou a evolução da questão da desigualdade segundo os indicadores do Ipea, e observou que de 1994 até 1996, teria havido um crescimento da parcela da renda dos 50% mais pobres de 11,3 para 12,3%; enquanto a parcela da renda dos 20% mais ricos teria diminuído de 64,7 para 62,4%. Ressaltando, assim, que os mais ricos teriam crescido menos do que os mais pobres. Mas o Presidente não ressaltou que essas informações foram calculadas pelo Ipea a partir da Pesquisa de Emprego e Rendimento do IBGE para seis áreas metropolitanas, que se referem apenas à renda do trabalho e não ao rendimento do capital.
Gostaria de saber, Srª Presidente Júnia Marise, qual será a situação da distribuição da renda, dentre todos os brasileiros, quando forem considerados não apenas os indicadores de rendimentos de trabalho, mas também os rendimentos do capital. Ao fazermos, aqui, apenas uma análise preliminar, ressalto que, mesmo levando em conta apenas os dados de rendimentos do trabalho, a situação de desigualdade é ainda mais intensa do que a que aconteceu no último ano do Presidente Fernando Collor de Mello. A parcela da renda dos 50% mais pobres em 1992 era de 13,1% e, em 1996, passou para 12,3% - portanto, mais baixa -; enquanto que a parcela da renda dos 20% mais ricos, em 1992, era de 61,1% e, em 1996, de 62,4%. Assim, em relação ao último ano do Governo Fernando Collor de Mello, 1992, caracterizado, como sabemos, por tantos problemas, que nos levavam à condição ímpar de campeões da desigualdade, estamos com pior desigualdade.
A SRª PRESIDENTE (Júnia Marise)(Fazendo soar a campainha) - Solicito a V. Exª que finalize o seu pronunciamento.
O SR. EDUARDO SUPLICY - Assim, Srª Presidente, reafirmo que o Presidente Fernando Henrique Cardoso, seus Ministros e seus Líderes aqui no Senado precisam ganhar novos óculos, que lhes permitam ver não apenas o róseo, mas a realidade em que vive o povo brasileiro e a gravíssima situação de desigualdade socioeconômica.
Por isso, não podemos nos contentar com as poucas medidas que até agora foram extremamente modestas para o objetivo de se erradicar a pobreza e melhorar a distribuição da renda em nosso País.