Discurso no Senado Federal

SITUAÇÃO DRAMATICA E CAOTICA DO SISTEMA PUBLICO DE SAUDE, DECORRENTE DA PRIORIZAÇÃO DE AJUSTES ECONOMICOS EM PREJUIZO DE POLITICAS SOCIAIS. DISPOSITIVO DA LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTARIAS QUE OBRIGA A DESTINAÇÃO DE RECURSOS A SAUDE NO ANO DE 1998, NO MESMO VALOR APLICADO EM 1997.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • SITUAÇÃO DRAMATICA E CAOTICA DO SISTEMA PUBLICO DE SAUDE, DECORRENTE DA PRIORIZAÇÃO DE AJUSTES ECONOMICOS EM PREJUIZO DE POLITICAS SOCIAIS. DISPOSITIVO DA LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTARIAS QUE OBRIGA A DESTINAÇÃO DE RECURSOS A SAUDE NO ANO DE 1998, NO MESMO VALOR APLICADO EM 1997.
Aparteantes
Jefferson Peres, Otoniel Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 03/07/1997 - Página 12874
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, PRIORIDADE, GOVERNO, FAVORECIMENTO, AJUSTAMENTO, NATUREZA ECONOMICA, PREJUIZO, ADOÇÃO, POLITICA SOCIAL, RESULTADO, CRISE, SETOR, SAUDE PUBLICA, BRASIL.
  • COMENTARIO, INSUFICIENCIA, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, DESTINAÇÃO, SETOR, SAUDE PUBLICA, BRASIL, RESULTADO, REAPARECIMENTO, DOENÇA ENDEMICA, PREJUIZO, QUALIDADE, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, POPULAÇÃO CARENTE.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em nosso País, nos últimos anos, a priorização de ajustes econômicos em prejuízo de políticas sociais levaram o sistema público de saúde a uma situação verdadeiramente dramática e caótica.

O cidadão brasileiro, que tem assegurado pela Constituição Federal o direito à saúde e deveria ter acesso universal e igualitário a um atendimento público adequado e digno, sofre, infelizmente, as conseqüências da profunda crise que atinge a saúde pública nacional, sempre carente de recursos e envolta em um mar de denúncias, de desmandos, de malversação de recursos, de desperdícios e de fraudes.

A realidade caótica do setor, freqüentemente divulgada pela mídia, vem confirmar o que todos já sabemos: os gastos sociais não têm sido considerados prioritários pelos governantes que dirigiram os destinos do Brasil, nas últimas décadas.

No Governo atual, o quadro alterou-se, mas, infelizmente, alterou-se pouco.

Em 1995, o Ministro da Saúde recebeu R$14.700 bilhões e, no ano passado, ainda menos, R$14.300 bilhões, valores absolutamente insuficientes para resolver os graves problemas da saúde pública em nosso País.

Desde o início do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso vem-se registrando, lamentavelmente, uma tendência de redução dos gastos sociais previsto no Orçamento da União, enquanto a conta dos juros da dívida externa e interna não pára de crescer, engolindo parcela cada vez maior da arrecadação do Tesouro Nacional.

Segundo matéria publicada na Folha de S.Paulo, do dia 17 de março, intitulada: "Conta de juros supera saúde e educação", nos anos de 1995 e 1996, caíram, nesses dois anos, as despesas nas funções do Orçamento mais ligadas à área social, como educação e cultura, saúde e saneamento, agricultura, e outras.

Embora a saúde faça parte das prioridades do Governo, nos discursos oficiais, mesmo sendo considerada uma das áreas de prioridade máxima, na prática, não se pode dizer, que, nos últimos dois anos, houve melhora significativa do setor. Em 1995, o gasto federal per capita com a saúde foi de US$96.97, mas, em 1996, esse valor sofreu uma redução de 7,6% caindo para, apenas, US$88,70, por habitante.

As conseqüências da insuficiência desses recursos todos sabemos muito bem: a deterioração dos serviços públicos de saúde, estampadas uma tragédias das mortes dos pacientes renais, de Caruaru, dos velhinhos da Clínica Santa Genoveva e dos recém-nascidos infectados nos hospitais e diversas capitais brasileiras.

Essas tragédias, que foram amplamente divulgadas, infelizmente, não são as únicas. Nas estatísticas aterradoras do descaso e do desrespeito aos direitos humanos, que tão bem conhecemos, com certeza não estão registradas as milhares de mortes anônimas em razão do desaparelhamento da rede pública de hospitais.

Da falta de atendimento médico, da falta de atendimento e até, mesmo, de simples analgésicos, do sucateamento dos equipamentos médico-hospitalares e de tantas outras carências que contribuem para o quadro calamitoso que hoje temos na área da saúde.

Setores importantes do Ministério foram duramente afetados por cortes e remanejamento de recursos orçamentários, feitos indiscriminadamente, segundo critérios que priorizam muito mais o aspecto financeiro do que o técnico. Verbas da Fundação Nacional de Saúde, destinadas a programas prioritários como o combate de doenças transmitidas por vetores, como a malária e a dengue, dotações da recém-extinta Central de Medicamentos - CEME, e do Programa de Combate à Desnutrição Infantil, para citar algumas, foram utilizadas para o pagamento de internações hospitalares, prejudicando a execução de ações básicas de saúde, que jamais poderiam ter sido afetadas ou interrompidas.

No meu Estado não havia casos de dengue, Srª Presidente, hoje não há cidade do meu Estado - uma região de semi-árido - que não tenha caso de dengue. Era uma coisa que não conhecíamos, que hoje está generalizada na Paraíba e no Nordeste.

A ser verdade que metade dos gastos de custeio do Ministério da Saúde destina-se aos pagamentos de atendimento de ambulatório e a outra metade ao pagamento de internações hospitalares, torna-se patente que a política nacional de saúde está priorizando a doença e não, a saúde.

Gasta-se muito com doenças que poderiam ser facilmente evitadas. Desperdiçam-se bilhões de reais com aplicação indiscriminada de recursos para o atendimento ambulatorial e hospitalar, sem rigorosa fiscalização da qualidade dos serviços, enquanto milhões de brasileiros não têm sequer acesso ao atendimento básico ou aos medicamentos mais elementares.

Não é de espantar, portanto, o recrudescimento do número de casos de doenças como a dengue, a malária, a tuberculose, a cólera e tantas outras doenças infecciosas e parasitárias em diversos Estados da Federação, com conseqüências graves, que só poderão ser mensuradas totalmente a médio prazo, quando, lamentavelmente, a população já tiver sido amplamente afetada.

Todos sabemos que os resultados de políticas e ações desenvolvidas especificamente para o controle da incidência e prevalência de doenças como as que acabei de citar dependem diretamente da disponibilidade de recursos para a sua execução, e que qualquer interrupção nos programas em andamento joga por terra não só o dinheiro público já investido, mas também boa parte do êxito já alcançado.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao relegar a segundo plano áreas importantíssimas de atuação do Ministério da Saúde, o Governo Federal está penalizando uma enorme parcela da população brasileira, principalmente da população mais carente, que vive em locais de péssimas condições sanitárias e depende exclusivamente dos serviços públicos de saúde.

É essa população sofrida, que não tem acesso a quase nenhum socorro médico e padece das doenças da miséria e da fome, que mais está sendo penalizada com os cortes no orçamento da saúde e a insuficiência de verbas para o setor, Sr. Presidente.

É bem verdade que, para o ano de 1997, o orçamento previsto é de vinte bilhões e trezentos milhões de reais, sendo que, desse total, quinze bilhões virão do Tesouro Nacional, e os cinco bilhões e trezentos milhões restantes serão provenientes da arrecadação da CPMF - Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira.

O problema, e ainda hoje eu falava com o Ministro sobre isso, é que boa parte dos recursos, ou quase a totalidade, a serem arrecadados pela CPMF serão empregados para saldar dívidas anteriores, não vinculadas ao Sistema Único de Saúde, tais como o resgate de empréstimos tomados ao Fundo de Assistência ao Trabalhador - FAT.

Com isso, "o cobertor" da saúde continuará "curto", pois a Presidência da República já sabe que o Governo Federal precisa investir pelo menos R$18 bilhões por ano no setor saúde para garantir o funcionamento dos programas prioritários para o País, como redução da mortalidade infantil, combate a doenças endêmicas, e outros.

A determinação desse valor, feita por técnicos dos Ministérios da Saúde, da Fazenda e do Planejamento encarregados de fazer uma análise para descobrir qual a necessidade real de investimento federal em saúde, por determinação das mais altas autoridades do Poder Executivo, evidencia claramente que os gastos efetuados nos dois anos de gestão do atual Governo foram insuficientes para tirar a saúde pública brasileira do reconhecido caos em que se encontra.

Afirmei, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que melhorias foram feitas, mas ainda não são suficientes. Muitas vezes, ao me dirigir a Brasília, embarco no Rio de Janeiro às 5:30 horas, e nesse horário, quando passo ao lado do Jockey Club, já há uma fila de quase um quilômetro, de pessoas que lá dormiram para serem atendidas no hospital público. Isso se repete em todas as capitais brasileiras.

Não obstante os gigantescos números dos serviços de saúde pública prestados no País em 1996, recentemente divulgados, que registram 2,8 milhões de partos, 318 milhões de consultas, 12 milhões de internações hospitalares, 502 milhões de exames, 48 milhões de doses de vacinas, há muito ainda a ser feito para acabar com as tragédias, com as epidemias e para recuperar os serviços de saúde pública no Brasil.

Esperemos que as metas recentemente divulgadas não fiquem só nos discursos, Srªs e Srs. Senadores. Precisaremos de recurso para atingi-las.

Na LDO deste ano, colocamos que o ano de 1998 não poderá ter verba menor que a do ano de 1997. Onde o Governo vai conseguir o dinheiro ainda não sabemos, se vai reeditar a CPMF ou se vai buscar em outras fontes - emissão de títulos etc. Mas a verdade é que a saúde publica não pode piorar mais do que já está.

O Ministro Carlos Albuquerque é atuante, está fazendo tudo o que pode para vedar as brechas que existem no sistema. Mas S. Exª precisa de recursos, e cabe a nós...

O Sr. Jefferson Péres - V. Exª me permite um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA - Com muita satisfação, Senador Jefferson Péres.

O Sr. Jefferson Péres - Senador Ney Suassuna, concordo inteiramente com o dispositivo da LDO, que é inovador, que assegura que, no exercício de 1998, os recursos serão pelo menos do mesmo nível dos atuais para a saúde. Entretanto, creio que o Congresso está na obrigação também de assegurar recursos ao Governo, seja mediante a prorrogação da CPMF, seja de outra fonte. Creio que será uma atitude irresponsável também do Congresso obrigar o Governo a despender um determinado montante sem lhe assegurar as fontes. O Governo não tem como inventar de onde tirar dinheiro. Isso compete a nós, no Congresso. Portanto, temos essa responsabilidade também. Era o que eu tinha a dizer.

O SR. NEY SUASSUNA - Concordo com V. Exª em gênero, número e grau, tanto é que acabei de dizer que cabe a nós exatamente esta preocupação, porque em economia e em administração não há milagres, não se inventa recursos de onde não existem recursos. Mas a verdade é que o Congresso tomou essa atitude: o ano de 1998 não poderá ser inferior ao de 1997. Isso significa, Senador Jefferson Péres, R$80 per capita, quando os países desenvolvidos gastam entre US$700 e US$800 per capita. Então, cabe a todos nós realmente buscar um mutirão de ajuda a esta área.

O Ministro é um homem sério e está tentando vedar todos os vazamentos internos do Ministério. Mas a máquina é gigantesca e não é fácil; é uma máquina onde se faz operação de fimose em mulheres e partos em homens, tudo no papel, apenas para arrecadar um pouco mais. Os hospitais, a maioria deles, desonestos, buscam só o lucro. O Ministro vai conseguir estancar, quem sabe, um bilhão. Mas, além desse um bilhão, vamos precisar de outros três ou outros quatro bilhões. Precisamos arranjar esses recursos.

Particularmente, sou contra a CPMF, mas, se for necessário, serei um dos que votarão a favor, porque não pode piorar mais do que já está. Dói vermos o contribuinte que compra um quilo de feijão e paga ali o imposto para ter saúde, educação e segurança. E dói, como eu disse, passar às cinco horas da manhã na frente de um hospital público e ver uma fila de um quilômetro de pessoas que estão ali sofrendo dor, mas na fila para receber auxílio, que muitas vezes não é o suficiente.

O Sr. Otoniel Machado - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA - Com muita satisfação, Senador.

O Sr. Otoniel Machado - Senador, nesta oportunidade, congratulamo-nos com o pronunciamento de V. Exª, pois o que mais nos comove é o estado precário da saúde no Brasil. Vivemos esse problema já há 32 anos, exatamente o tempo do nosso exercício na profissão. V. Exª está inteiramente lúcido quanto aos problemas da saúde no Brasil, que não se resumem simplesmente na falta de recursos. O problema maior hoje talvez esteja na má administração da rede hospitalar do Brasil. Hoje temos, em termos de território nacional, mais de 20 mil leitos ociosos, mas, em determinadas regiões, temos carências enormes de leitos. Temos hospitais muito mal administrados. Existe muitas vezes também o problema da desonestidade de muitos hospitais. Estamos sentindo que o pior problema da saúde é o mau gerenciamento da medicina, somado à falta de recursos, à falta de fiscalização por parte do Governo. De maneira que teríamos que exigir das nossas autoridades uma vigilância maior, porque o dinheiro está sendo mal administrado. Verificamos que o maior índice de mortalidade se registra na área infantil, muitas crianças morrem por falta de assistência médica, situando, assim, o maior percentual de internações, proporcionalmente, na pediatria, e o grande problema está na desnutrição. Temos uma experiência válida no nosso Estado, Goiás, quando o Governador resolveu dar uma ajuda especial na alimentação das crianças na fase escolar. E isto foi uma experiência muito boa, porque os leitos hospitalares na área infantil deixaram de ter uma ocupação tão grande como antes. De maneira que outro fator importante para diminuir a mortalidade infantil seria a atenção para com os problemas higiênicos e com uma complementação alimentar, visto que em Goiás o Governador adotou um critério de dar um litro de leite e um pão a cada criança pobre. Foi uma experiência muito válida e que tem resolvido em boa parte o problema da saúde em nosso Estado.

O SR. NEY SUASSUNA - Muito obrigado, Senador Otoniel Machado. V. Exª, como experto no assunto, foi diretamente ao fulcro da questão. O que é isso? Medicina preventiva. Temos que cuidar muito da medicina preventiva. Claro que as outras, a ambulatorial, a hospitalar, têm que existir. Mas a verdade é que o Ministro está consciente disso e está fazendo tudo o que pode. Mas cabe a nós, Parlamentares, apoiar o Governo nessas ações, não permitindo que tenha menor quantidade de recursos para uma área que é prioritária no País, principalmente no que se refere à profilaxia.

É neste sentido que hoje venho a esta tribuna para alertar o nosso povo, para alertar os nossos dirigentes, para apoiar e solidarizar-se com o Ministro Carlos Albuquerque, porque sei que, a exemplo do Jatene, que lutou numa direção, S. Exª continua na mesma direção, mas com o pé até mais fincado no chão, buscando corrigir os desvios, com mais elã, e encontrar soluções. Cabe a nós, Parlamentares, o apoiamento a esta ação, para que possamos, juntos, ter um Brasil mais saudável e um futuro melhor para a nossa população.

Muito obrigado, Srª Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/07/1997 - Página 12874