Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

REALIZAÇÃO, NO MES DE JUNHO PASSADO, NO ZIMBABUE, DA ASSEMBLEIA DA ONU SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO - A CHAMADA CUPULA DA TERRA -, REUNINDO CHEFES DE ESTADO E DE GOVERNO DE 70 PAISES, COM O PROPOSITO DE FAZER UMA ANALISE CRITICA DA EXECUÇÃO DA AGENDA 21. CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRESERVAÇÃO DA FAUNA SILVESTRE DA AMAZONIA.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • REALIZAÇÃO, NO MES DE JUNHO PASSADO, NO ZIMBABUE, DA ASSEMBLEIA DA ONU SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO - A CHAMADA CUPULA DA TERRA -, REUNINDO CHEFES DE ESTADO E DE GOVERNO DE 70 PAISES, COM O PROPOSITO DE FAZER UMA ANALISE CRITICA DA EXECUÇÃO DA AGENDA 21. CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRESERVAÇÃO DA FAUNA SILVESTRE DA AMAZONIA.
Aparteantes
Jefferson Peres, Nabor Júnior.
Publicação
Publicação no DSF de 05/07/1997 - Página 13123
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ZIMBABUE, ASSEMBLEIA GERAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), DEBATE, ANALISE, CRITICA, DOCUMENTO, APROVAÇÃO, CONFERENCIA INTERNACIONAL, MEIO AMBIENTE, DESENVOLVIMENTO, CONFERENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (ECO-92).
  • DEFESA, AUMENTO, FISCALIZAÇÃO, GOVERNO, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), ATIVIDADE PREDATORIA, FLORESTA AMAZONICA, CAÇA, CUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, MEIO AMBIENTE, PRESERVAÇÃO, FAUNA SILVESTRE, REGIÃO AMAZONICA.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho daquela escola em que era costume usar a tribuna apenas com ligeira anotação. Á época em que se disputava concurso de oratória, lembro-me do orador da minha turma rebelando-se contra a exigência do discurso escrito. Parecia-me, àquela altura, uma exigência descabida. Tantas vezes o orador, na ardência dos acontecimentos, pode sentir o que vai na alma. Com o tempo, a maturidade, verifiquei que quando não há uma forma escrita, esmaece com o tempo o que foi dito e nem sempre se pode cobrar mais adiante aquilo que se pretendia fazer.

Rebelava-me contra esse formalismo, que considerava tantas vezes tolo. Entretanto, hoje - e V. Exª, Sr. Presidente, é da mesma escola - vejo que há necessidade, vez por outra, de deixar consignado por escrito. Essa é a razão de estar trazendo este discurso, redigido com a cautela de quem precisa chamar a atenção para a nossa Região, para a Amazônia.

Tantas vezes se tem escrito sobre ela; fruto apenas de compilações, de pegar o que já existe na literatura anterior e copiar páginas inteiras, descambando-se para o chamado inferno verde, pulmão do mundo e tantas outras qualidades de mitos que nada engrandece. Quem vive ali e quem conhece de perto a região sabe que precisamos dar um brado de alerta de vez em quando.

Sr. Presidente, quero lembrar que se realizou, no mês do junho, em Harare, no Zimbábue, a Assembléia das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - a chamada Cúpula da Terra -, reunindo Chefes de Estado e de Governo de 70 países, com o propósito de fazer uma análise crítica da execução da Agenda 21, o documento mais importante aprovado pela Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em julho de 1992, e que ficou conhecida como Eco-92.

Sabe-se, de antemão, que tal avaliação não será positiva. É consenso entre aqueles que se dedicam à questão do meio ambiente que os itens mais importantes da Agenda 21 ainda estão no papel. O que se pode almejar, portanto, nesse contexto, é que o novo conclave traga uma vez mais a causa da ecologia ao primeiro plano das atenções mundiais e que, dessa feita, sejam logrados avanços mais concretos nessa área. Afinal, é sempre bom repetir que do efetivo comprometimento de governos e sociedades com a preservação do meio ambiente depende nada mais nada menos do que a própria sobrevivência da espécie humana.

Aproveitando este momento que, como afirmei, espero seja caracterizado pelo revigoramento do debate acerca da ecologia, dirijo algumas palavras escritas a este Plenário no que tange, em particular, à questão da preservação de nossa fauna silvestre.

Chegou-me às mãos recentemente artigo de autoria do médico amazonense Gilberto Fernandes, publicado na revista Planeta Água. Com a mesma combatividade e percuciência demonstradas em livros, entrevistas e outros artigos, o Dr. Gilberto Fernandes denuncia o absurdo que é a impunidade dos crimes ostensivamente praticados contra esse legado de incalculável valor que é a nossa fauna silvestre.

Reportando-se a uma recente pescaria que realizou na represa de Balbina, nas imediações de Manaus, o médico relata que, tal como diversos outros pescadores amadores, foi ele alvo de ação fiscalizadora de agentes do Ibama, que lhe cobraram o porte da competente licença para a prática da pesca amadorística. Conquanto seja totalmente favorável a essa fiscalização, o Dr. Fernandes não consegue entender - e tampouco consigo eu - a priorização dos esforços daquele órgão oficial em relação aos pescadores amadores, quando fatos da maior gravidade - como a pesca e a caça predatórias - acontecem à vista de todos.

Na própria represa de Balbina, o médico testemunhou a presença de três acampamentos de pescadores profissionais, bem como o tráfego de várias canoas, levando enormes caixas de isopor, contendo pescado, tudo em plena luz do dia e sem sofrer qualquer espécie de repressão e fiscalização.

Mais incompreensível ainda é a ausência de repressão à venda de caça, também praticada à luz do dia nos mercados da Amazônia. A TVE de Manaus, dos nossos velhos amigos Felipe Down e Milton Cordeiro, exibiu, no mês de maio, programa mostrando a venda ostensiva, no mercado de Coari, de pacas, tatus e antas. Coari, como se sabe, é uma das cidades que fica no Solimões, não muito distante do Município de Manaus.

Nossa legislação ambiental é severa. A venda de caça, por exemplo, é definida como crime inafiançável. Lamentavelmente, porém, trata-se de mais um caso de legislação severa, mas não aplicada. Aliás, Srs. Senadores, minha firme opinião é que este é um dos desvios culturais do País que mais exige enfrentamento, se almejamos, de fato, transcender as diversas facetas do subdesenvolvimento. O Brasil precisa deixar de ser o país em que a lei é como gripe - às vezes pega, às vezes não pega.

Como é possível que o referido crime inafiançável seja praticado à luz do dia, em um mercado público, registrado pelas câmeras de televisão e não haja qualquer conseqüência? Para que serve a legislação severa, se inexiste fiscalização, se ninguém é punido?

As justificativas do pequeno número de fiscais, da deficiente estrutura material do Ibama, das vastas dimensões do País, todas caem por terra, quando a caça está cinicamente exposta à vista de todos, expostas inclusive às câmeras de televisão. Será possível que todos enxergam, menos o Ibama? Basta comparecer aos mercados para autuar os vendedores e, ainda mais importante, identificar e rastrear os caçadores.

Quando afirmo ser nossa fauna silvestre - e este é o ponto deste pronunciamento - é porque a considero um patrimônio de valor incalculável. E, aí, não se trata de força de expressão. Seu valor é incalculável, até porque a completa extensão de sua diversidade é até hoje desconhecida. O jornal O Globo, em sua edição do dia 3 de março do corrente ano, noticia pesquisa atualmente em desenvolvimento no Rio Amazonas, realizada, vejam bem V. Exªs, não por cientistas brasileiros, mas por um grupo de cientistas americanos, a qual já permitiu a catalogação de 125 mil peixes e 240 espécies, muitas das quais anônimas até então. Entre as particularidades do maior rio do mundo, foi descoberta uma espécie de peixe elétrico que se alimenta exclusivamente das caudas de outros peixes elétricos.

A matéria de O Globo, transcrita do prestigioso New York Times, esclarece que o grupo de pesquisadores, que já percorreu, pasmem, cerca de 4 mil quilômetros do Amazonas e de seus afluentes, já descobriu uma série de características dos peixes elétricos, como sua aptidão para caçar e navegar sem visão, usando, para isso, os seus órgãos elétricos que espalham luz ao redor de seus corpos. Um outro achado de grande interesse científico, segundo o mesmo jornal, é um pequeno grupo de peixes que vive no Amazonas e come pedaços de madeira jogados na beira do rio. Segundo os especialistas, esses peixes são os únicos vertebrados conhecidos que se alimentam de madeira.

O exemplo desta pesquisa serve para comprovar que, sequer, conhecemos ainda a completa diversidade em nossa fauna silvestre. Nesse caso específico, trata-se de um patrimônio de grande interesse científico e de interesse econômico ainda a ser determinado. Em outro caso, porém, a preservação de uma espécie animal da Amazônia já resulta em atividade economicamente lucrativa. Refiro-me à tartaruga-do-Amazonas, conhecida cientificamente como podecnemis expansa.

A comercialização da carne da tartaruga está proibida desde 1967, em vista de sua inclusão na lista oficial das espécies brasileiras ameaçadas de extinção. A ação predatória sobre a espécie foi impressionante. Informações dão conta de que, no período entre 1860 e 1900, portanto no final do século passado, cerca de 40 milhões de ovos dessa espécie de tartaruga eram destruídos e 200 mil fêmeas abatidas a cada ano.

Em 1979, porém, o Governo criou o Projeto Quelônios da Amazônia, hoje denominado Centro Nacional de Quelônios da Amazônia - Cenaqua - que, em apenas dez anos, conseguiu retirar a tartaruga de condição de espécie ameaçada de extinção, graças a um trabalho que consistiu, principalmente, na proteção às praias de desova, os chamados tabuleiros, que nós da Amazônia conhecemos tão bem. Hoje, o Cenaqua atua em 115 tabuleiros espalhados pelos Estados da Amazônia Legal, registrando produção média 3 a 4 milhões de filhotes por ano. Em 16 anos, foram manejados 26 milhões de animais.

Afastada a ameaça de extinção, foi possível autorizar a criação de tartarugas em cativeiro, a fim de abastecer o mercado consumidor por uma forma alternativa à caça predatória. Já em agosto do ano passado, o Presidente do Ibama assinou portaria regulamentando a comercialização de quelônios procedentes de criadouros registrados e controlados pelo órgão, fato que pode ser considerado um marco histórico, pois, com essa portaria, a Amazônia passou a ter um produto de sua fauna silvestre com o consumo regulamentado.

O Sr. Nabor Júnior - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Bernardo Cabral?

O SR. BERNARDO CABRAL - Darei seqüência a este raciocínio logo após ouvir o aparte de V. Exª, nobre Senador Nabor Júnior.

O Sr. Nabor Júnior - Nobre Senador Bernardo Cabral, quero, ao cumprimentar V. Exª pela oportunidade do pronunciamento que faz no dia de hoje, defendendo a fauna da Região Amazônica, manifestar estranheza quanto ao fato de que o Ibama - órgão responsável pela fiscalização, não só da fauna, mas da floresta e dos recursos naturais brasileiros e, notadamente, daquela Região - tenha se descuidado na fiscalização das atividades predatórias de alguns profissionais que ali atuam, conforme V. Exª afirma no seu pronunciamento. V. Exª está retornando ao tema, denunciando a ação das companhias madeireiras que atuam na Região. No Município de Lábrea, no Rio Purus, o Ibama constatou a existência de milhares e milhares de toras de madeira extraídas da floresta sem a devida autorização do Ibama, órgão que se preocupa em fiscalizar e, às vezes, até apreender os peixes obtidos pelos pescadores amadores, como é o caso do médico José Fernandes, a que V. Exª se referiu. Mas, enquanto persegue os pequenos pescadores, o Ibama se omite na repressão àqueles que realmente contribuem para agredir o meio ambiente na nossa Região. É o caso dos pescadores profissionais, no próprio lago da Hidrelétrica de Balbina; é o caso da extração irregular e ilegal de madeira. São dois pesos e duas medidas: o Ibama se preocupa com o varejo e esquece o atacado, que realmente é o responsável pelo desequilíbrio ecológico da nossa Região. Cumprimento V. Exª, mais uma vez, pelo pronunciamento sério e obejtivo com que abrilhanta esta sessão do Senado Federal..

O SR. BERNARDO CABRAL - Senador Nabor Júnior, tenho tido o privilégio, nos meus modestos pronunciamentos, de contar sempre com o aparte enriquecedor de que V. Exª é portador, sobretudo porque, tendo sido Governador do Acre, Estado encravado na Amazônia Ocidental - e ainda a pouco citou a cidade de Lábrea, no Rio Purus -, demonstra que, infelizmente, neste País, as pessoas se preocupam com o acessório e desprezam o essencial. O que é mais grave: quando se abordam assuntos que são simplesmente os mesquinhos da área política, se desprezam os grandes. Fauna silvestre é um dos assuntos mais sérios, mais importantes e mais ricos de que o nosso País pode dispor.

V. Exª deve estar lembrado, porque fiz questão de fazer chegar às mãos de V. Exª, o primeiro trabalho que produzi, com quase 600 páginas, sobre o desenvolvimento auto-sustentado na nossa Região e, depois, recentemente, um estudo sobre água, também com quase 600 páginas, justamente para mostrar que as pessoas estão confusas. O século XXI está se aproximando: petróleo ninguém vai beber, o líquido precioso, que é a água - e a nossa Região detém um quinto de água doce do mundo -, passa não ser a grande preocupação, nem perde dinheiro para retirar o sal da água, que é a dessalinização. Nós, que temos esse manancial enorme, não temos recebido, como deveríamos, do Governo Federal, através do Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, a atenção necessária.

Temos feito, V. Exª e eu, a nossa parte, em um protesto que às vezes não fica no vazio, porque traz também o remédio acompanhado do diagnóstico. Quando abordo um assunto - e por isso eu dizia logo ao início do meu discurso que não queria fazê-lo apenas de improviso, com duas ou três anotações, mas para deixar por escrito - é porque pretendo, tão logo seja publicado no Jornal do Senado, no chamado Diário Oficial do Senado, enviá-lo às repartições competentes para que se dêem conta da grande riqueza que está sendo, se não desperdiçada, abandonada e olhada com uma distância que merece crítica.

Por isso mesmo, retomo o fio do meu discurso, agradecendo a intervenção de V. Exª, para dizer que, hoje, a criação de quelônios em cativeiro é uma das maiores oportunidades de investimento, de acordo com as potencialidades naturais específicas da região amazônica. O Ibama já tinha registrados, até o fim do ano passado, 12 criatórios particulares de tartarugas na região, com outros 50 em processo de registro. Nesses estabelecimentos existem 50 mil animais em diversos estágios de crescimento. Os filhotes são fornecidos para os criadouros pelo próprio Ibama, dentro do limite de 10% das tartarugas nascidas nos tabuleiros controlados pelo Instituto, pois a maior parte dos filhotes é lançada nos rios e lagos da região. E veja, Senador Nabor Júnior, que mesmo respeitado esse limite, o Ibama possui hoje 300 mil filhotes para fomentar a criação em cativeiro.

A liberação da comercialização, ocorrida no ano passado, redundará, com certeza, no aumento do números de criatórios, tendo em vista a rentabilidade que a atividade apresenta. Para que se faça uma idéia dessa rentabilidade - e aqui gostaria de chamar a atenção sobretudo daqueles que representam o Centro-Oeste -, é suficiente uma breve comparação com a pecuária bovina. Enquanto nesta última, na pecuária bovina, obtêm-se 40 quilos de carne por hectare ao ano, a tecnologia hoje disponível permite obter-se um mil e 800 quilos de carne de tartaruga por ano em um hectare de água. Além disso, a carne de tartaruga possui 94% de proteína, ante 46% da carne bovina, com a vantagem do aproveitamento do casco, da banha e da pele.

Evidentemente, a portaria editada pelo Ibama estabelece regras bem definidas para a comercialização da tartaruga, a fim de evitar o recrudescimento da caça predatória. A carne só pode ser vendida em estabelecimentos registrados no Instituto, regra que vale inclusive para os restaurantes. E só podem ser comercializados animais saídos de criatórios, que são identificados por um lacre preso ao casco. Os criadores mostram-se muito otimistas em relação ao seu investimento, lembrando a época em que turistas estrangeiros visitavam a Amazônia para consumir a nossa tartaruga, o que, acreditam esses criadores, voltará a acontecer caso seja feito um bom trabalho de divulgação.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, a batalha bem sucedida para salvar da extinção a tartaruga-do-amazonas e as excelentes perspectivas econômicas existentes hoje para a sua criação em cativeiro constituem apenas um pequeníssimo exemplo do inestimável valor contido nesse maravilhoso legado que é a fauna silvestre de nosso País - vejam bem: pequeno, muito pequeno, do grande e soberbo legado que é a nossa fauna silvestre. E é exatamente por constituir nossa fauna um legado de incalculável valor que devemos combater com toda a firmeza qualquer agressão a ela.

Um problema de gravidade ainda maior do que a pesca e a caça predatórias é o tráfico de animais silvestres. Trata-se de um negócio, pasmem os Srs. Senadores, que movimenta ilegalmente entre US$500 e US$700 milhões por ano, sendo responsável pelo desaparecimento de 12 milhões de animais silvestres por ano no Brasil. O quadro social marcado pela pobreza e pela falta de alternativas econômicas contribui para estimular esse tráfico. Em algumas cidades do interior do Nordeste - e eu vejo que assumiu a Presidência o eminente Senador Ronaldo Cunha Lima, que está afeito a essa matéria -, o tráfico de animais silvestres representa a principal fonte de renda da população, segundo relatório publicado pelo Fundo Mundial para a Natureza, o World Wildlife Fund - WWF.

Imaginem, Srs. Senadores, 70% dos animais capturados para ser vendidos são absorvidos pelo mercado interno, e os 30% restantes vão para o exterior. Os principais destinos dos animais silvestres exportados do Brasil são os países da Europa, os Estados Unidos e o Japão. Os traficantes, muitas vezes - e eu chamo a atenção da Polícia Federal para isso -, levam os animais primeiramente à Argentina, à Bolívia, ao Paraguai ou ao Peru, a fim de legalizar documentos, valendo-se da liberalidade das legislações nacionais desses países.

A maioria dos animais embarcados são aves como araras e papagaios, e seu destino são colecionadores, zoológicos, grandes revendedores e hotéis. Segundo informação de um coordenador do Fundo Mundial para a Natureza - WWF, somente no ano passado foram realizadas cerca de mil exposições de aves como papagaios, araras e periquitos nos Estados Unidos.

O Sr. Jefferson Péres - Permite-me V. Exª um aparte, Senador Bernardo Cabral?

O SR. BERNARDO CABRAL - E neste trecho quero chamar a atenção dos Srs. Senadores - sobretudo do eminente Senador Jefferson Péres, que me pede um aparte que terei a honra de conceder -, para esse aspecto, gravíssimo: a venda desses animais no exterior é altamente compensatória para os traficantes. Um filhote de papagaio verdadeiro, adquirido no País por US$93, pode ser vendido, no mercado internacional, por US$2 mil. Uma arara vermelha, que sai no Brasil por US$120, vale US$12 mil no exterior. Já o preço do mico-leão da cara dourada sobe de US$250 para US$15 mil. Como se pode ver, um verdadeiro "negócio da China", como se dizia antigamente, ou, mais apropriada e infelizmente, hoje, um "negócio do Brasil". À margem de nossa legislação e, infelizmente, deixando aqui um profundo desfalque em nossa fauna.

As condições em que os filhotes são capturados são cruéis e destrutivas. No caso dos papagaios, as árvores nas quais estão os ninhos são cortadas e os ninhos, destruídos. Para a captura dos macaquinhos, muitas vezes a mãe é abatida para evitar ataques.

Imaginem, Sr. Presidente, Srs. Senadores, o quadro terrível que se abate sobre a nossa fauna silvestre sem que nós, aqui de dentro, brasileiros, possamos nos dar conta de que é preciso este brado de alerta, esta reclamação, este profundo grito de contrariedade que nos assalta.

Ouço V. Exª, Senador Jefferson Péres.

O Sr. Jefferson Péres - Senador Bernardo Cabral, V. Exª aborda em seu discurso dois aspectos. Um, o subaproveitamento do fabuloso potencial econômico da Amazônia, com sua riquíssima biodiversidade; outro, a inadequação das leis do País - ou pelo menos de muitas leis do nosso País - à realidade brasileira. Pune-se o caboclo porque caça um tatu para a própria sobrevivência e se deixa de reprimir a comercialização de animais silvestres nos mercados da nossa região, como V. Exª assinalou. Pune-se alguém que pratica a pesca esportiva e não se reprime a pesca predatória. Ao mesmo tempo em que não se cuida, por exemplo, como V. Exª assinalou, com pequeníssimo investimento para financiamento, Senador Bernardo Cabral, de desenvolver a piscicultura mediante gaiolas. Como V. Exª sabe, a China já tem uma enorme produção de tambaquis a pequeníssimo custo, o nosso tambaqui, originário da nossa Amazônia, enquanto empresários brasileiros peregrinam nos gabinetes ministeriais e governamentais, há anos, sem receber nenhum auxílio para desenvolver esse enorme caminho que temos, essa via delta ao nosso desenvolvimento e que beneficiaria populações de baixa renda, que é o criatório em gaiola. V. Exª traz a este Plenário um problema da nossa região da maior relevância. Por isso, dou-lhe os parabéns.

O SR. BERNARDO CABRAL - Muito obrigado Senador Jefferson Péres. Eu tinha a certeza de que, ao concluir o meu discurso, não poderia deixar de receber esse aparte que o complementa.

V. Exª acaba de me lembrar o nome do nosso bravo lutador Ignácio Bengoechea, que tem percorrido, anos e anos, os ministérios em busca de auxílio nesse sentido. E só recentemente, com o seu e o meu apoio, tem sido recebido no Ministério dos Recursos Hídricos da Amazônia Legal - e bem recebido, justiça seja feita -, mas não há uma conclusão. Ele vem lutando para beneficiar o caboclo do interior - está sendo inclusive prestigiado pelos bispos da área do Solimões -, visando levantar, erguer, soerguer a idéia dessa condição proposta pela China, que é criar os tambaquis em gaiolas e, assim, diminuir a fome do povo ribeirinho.

Concluo, Sr. Presidente, dizendo mais uma vez aos eminentes Senadores que a luta pela preservação de nosso legado silvestre é um compromisso a ser assumido por todos os brasileiros. Maior ainda deve ser o comprometimento daqueles que têm responsabilidade na vida pública. Entre esses, a questão toca de maneira mais especial aos oriundos da Amazônia. Exemplos de cidadania, como o do médico Gilberto Fernandes, que o conheço há quase 30 anos, desde a época em que advogava aqui, no Rio de Janeiro e, depois, no nosso Estado, que dedica-se permanentemente à causa ecológica, todos devemos ter como modelo e como alento.

Não podemos permitir que continue impune a dilapidação de nosso tesouro, e não o podemos permitir, Sr. Presidente e Srs. Senadores, porque seria uma espécie de omissão criminosa que não se compadece com aqueles que têm a responsabilidade de mostrar à Nação, de apontar caminhos e indicar soluções.

Por isso, o discurso escrito vai representar a cobrança, mais adiante, daquilo que hoje foi dito e enriquecido pelos apartes que recebi.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/07/1997 - Página 13123