Discurso no Senado Federal

DEFESA DO INSTITUTO DA ESTABILIDADE DO FUNCIONALISMO PUBLICO.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL.:
  • DEFESA DO INSTITUTO DA ESTABILIDADE DO FUNCIONALISMO PUBLICO.
Aparteantes
Epitácio Cafeteira, Jefferson Peres, Josaphat Marinho, José Eduardo Dutra, Leomar Quintanilha, Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 08/07/1997 - Página 13330
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL.
Indexação
  • DEFESA, MANUTENÇÃO, ESTABILIDADE, EMPREGO, SERVIDOR, SERVIDOR PUBLICO CIVIL, FUNCIONARIO CIVIL, REFORMA ADMINISTRATIVA, GARANTIA, ESTADO DEMOCRATICO, ESTADO DE DIREITO.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, muito se tem falado no instituto da estabilidade: ora os que a ele se opõem, outras vezes os que o defendem. Quero marcar minha posição - que é a mesma desde a época da Assembléia Nacional Constituinte - e para que fique bem delineada, trouxe um pronunciamento para ficar registrado nos Anais e que, depois, servirá como voto em separado.

O debate suscitado pela emenda constitucional da reforma administrativa em torno da estabilidade dos servidores públicos civis tem dado, a meu ver, pouco relevo a aspectos cruciais da questão, cuja desconsideração tende a contribuir para predominância do ponto de vista contrário à matéria.

Cumpre, de plano, questionar a falácia de que a estabilidade, com o perfil que lhe imprimiu a Constituição de 1988, constitui privilégio. Trata-se de visão distorcida do referido instituto, que representa na verdade um dos elementos estruturais do Estado de Direito Democrático concebido pelo Poder Constituinte originário, que requer, entre outros pressupostos, um corpo de agentes públicos isento de influências político-partidárias e infenso às pressões abusivas de interesses particulares. Como nos adverte o grande jurisconsulto Pontes de Miranda, em seus Comentários à Constituição de 1967 (tomo III, p. 418): "os Estados pluripartidários não podem deixar de querer garantias para o pessoal da administração e de outros serviços, contra os poderosos da política e fora da política, cujos interesses são, por vezes, atingidos pelas deliberações administrativas".

A estabilidade, nessa perspectiva, apresenta duas dimensões correlatas. Primeiro, um direito subjetivo do servidor a não ser desligado do serviço público contra a sua vontade e não ser destituído do cargo, senão em certas circunstâncias bem definidas em lei. Temos aqui, no contexto do que Norberto Bobbio denominou de "Era dos Direitos", a proteção legal de interesses legítimos de indivíduos que fizeram a opção profissional de trabalhar para o Estado, a opção que envolve o munus pessoal de encargos, deveres, responsabilidades e lealdade claramente fixados em lei.

A outra dimensão a que me refiro diz respeito ao caráter institucional da estabilidade, isto é, o reconhecimento de que o instituto visa primordialmente à defesa dos interesses coletivos dos administrados, em conformidade com os fins previstos nas leis e traduzidos na ação do Estado; em outras palavras, à garantia do interesse público. Assim, temos que a estabilidade contribui para concretização do princípio jurídico-administrativo da continuidade dos serviços públicos, além de dotar o pessoal da administração de recursos para contrariar abusos, arbitrariedades e ilegitimidades que, de outra forma, vicejariam à sombra da condescendência funcional ditada por conveniência ou autodefesa.

É esta garantia institucional que esteve na raiz da constitucionalização da estabilidade em 1934, valendo notar que, desde a instauração da República, diversas iniciativas legislativas intentaram criar normas com essa finalidade, como reação à situação caótica existente no regime imperial, em que o chamado spoils system pontificava como traço marcante da vida político-administrativa. Já dizia alguém no final do século passado:

      "As substituições em massa dos funcionários administrativos, além de afetar, dolorosamente, a sua sorte e a de sua família, são prejudiciais ao serviço público, que perde os seus mais experimentados agentes e passa a ser confiado a outros novatos, cujo título principal não é a aptidão profissional, e, sim, a opinião política".

Retornando ao plano dos atuais debates sobre a quebra da estabilidade, entendo que outra sorte de considerações se impõe. Refiro-me ao argumento segundo o qual a estabilidade inviabilizaria a dispensa de maus servidores e o combate ao excesso de pessoal nas três esferas da Administração Pública.

Vale lembrar, a propósito, que o crescimento dos quadros de pessoal nada tem a ver com a estabilidade, devendo-se antes a mecanismos extralegais de apropriação privada dos cargos públicos, como o favoritismo, o nepotismo e o prebendismo, que espero tenham sido extirpados da vida pública com a nova concepção de Estado - e, especialmente, de Administração Pública - inaugurada a partir da Constituição 1988, da qual tive a honra de ser o Relator Geral.

Quero, neste passo, deixar claro que a estabilidade não pode servir para encobrir a ineficiência, o descumprimento de deveres e obrigações funcionais, a indisciplina e a não-aceitação da indispensável subordinação aos superiores hierárquicos. Coibir estes desvios - com a demissão, se necessário - é dever das autoridades administrativas, e não fazê-lo seria desservir ao interesse público.

Aliás, com relação à demissão de maus servidores ou servidores com baixo padrão de desempenho, deve ficar claro que a Constituição e as leis não impedem a ação saneadora da administração, como apregoam os que se opõem à estabilidade. No plano federal, o atual estatuto prevê diversas hipóteses de demissão de servidores estáveis, desde que observados certos pressupostos do devido processo legal, de resto inerentes ao Estado de Direito.

O Sr. Epitacio Cafeteira - V. Exª permite-me um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Ouço V. Exª, Senador Epitacio Cafeteira, e, a seguir, o Senador Jefferson Péres.

O Sr. Epitacio Cafeteira - Nobre Senador Bernardo Cabral, há um fato importante que precisa ser destacado.

Desde que entrei na política, há mais de 35 anos, sempre que recebi meus mandatos, para assumi-los, jurei defender, cumprir e manter a Constituição. E agora não foi diferente. Manter, defender e cumprir é o que todo homem público promete quando assume um mandato eletivo.

Entretanto, parece-me, nobre Senador Bernardo Cabral, que a moda agora é rasgar a Constituição, a moda é reformar a Constituição. Os Constituintes fizeram a Constituição, da qual V. Exª foi Relator, e muito bom Relator...

O SR. BERNARDO CABRAL - Muito obrigado.

O Sr. Epitacio Cafeteira - ... e de repente surgem homens iluminados que não querem uma Constituição para o País; querem fazer um país para outra Constituição. Então, se nos detivermos para olhar da forma mais simples possível exatamente o assunto de que V. Exª trata, que é a estabilidade, eu diria que ela é a única coisa que ainda faz com que homens e mulheres deste País aceitem um cargo público. Os salários são pequenos e humilhantes. Um controlador de vôo, nobre Senador Bernardo Cabral, não ganha R$1.000,00 para monitorar e orientar todos os aviões que estão para pousar no aeroporto ou para dele decolar. Lá está ele trabalhando e preocupado com a criança que ficou em casa e que não tem leite, preocupado com o filho que ficou doente e que não tem remédio, preocupado, ainda, com o cheque "pré" ou o cheque "prá" que não tem como pagar. As vidas, entretanto, estão todas entregues a esse homem que, aqui no Brasil, como já disse, ganha menos de R$1.000,00. Nos Estados Unidos, esse profissional ganha US$10.000,00; em Portugal, ganha US$6.000,00; todavia, no Brasil, repito, não ganha R$1.000,00. A única coisa que ainda prende o funcionário, que ainda faz com que ele entre para o serviço público é a estabilidade, já que ninguém entra para o serviço público apenas para ter o suficiente para sobreviver; todos se tornam funcionários públicos pensando ingressar em uma carreira e que, em assim sendo e havendo a estabilidade, realmente podem trabalhar sem a preocupação de no dia seguinte não ter emprego. Então, foi assim que todos os funcionários públicos entraram para o serviço. E não podemos, não temos o direito de lhes tirar a única coisa que ainda compensa o salário baixo, que é a estabilidade. Quero ilustrar o discurso de V. Exª com um fato que aconteceu quando eu ainda era criança. Meu pai ganhava 600 mil réis chefiando o Serviço de Classificação de Produtos Vegetais. Uma empresa do Maranhão lhe ofereceu um ordenado de um conto e quinhentos réis, mais de duas vezes o salário dele, que era de seiscentos mil réis. Ele disse: "O salário é muito bom, mas quero ter a certeza de que vou ter emprego e salário para educar e criar os meus filhos." Posso dizer que ouvi do meu pai a maior defesa que um homem pode fazer da estabilidade. Nada me fará votar pelo fim da estabilidade. Faço isso muito mais por que cresci e me criei sabendo o valor da estabilidade do que para fins eleitorais. Faço-o porque creio que as palavras de meu pai são as mesmas que diria qualquer chefe de família que dedicou a sua vida ao serviço público.

O SR. BERNARDO CABRAL - Contou V. Exª a história vivida pelo seu pai. Em adendo, quero dizer-lhe que, quando Relator da Constituição, um Governador da maior seriedade foi ao meu gabinete, a fim de dizer que aquela era a grande oportunidade de acabarmos com a ineficiência do funcionário público, daqueles que não prestavam serviço, daqueles que impediam que outros que trabalhavam fossem melhor remunerados. Dei-lhe o seguinte argumento: no momento em que um Governador tiver nas mãos esse poder, todos os demais serão ineficientes no seu julgamento, o que não é o seu caso, que quer realmente fazer um governo sério. mas se colocarmos isso na Constituição, aquele que for opositor político do eventual governador estará fora do cargo logo na primeira discordância. De modo que esta foi uma linha traçada na Assembléia Nacional Constituinte. Devo declarar que há um Constituinte presente, o Senador Valmir Campelo, presidindo os trabalhos, que se pôs com toda a sua força eleitoral ao lado do Relator no sentido de preservar a estabilidade, pouco importando se um servidor não era tão bom quanto outro.

O Sr. Jefferson Péres - Senador Bernardo Cabral, V. Exª me concede um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Ouço V. Exª, Senador Jefferson Péres.

O Sr. Jefferson Péres - Senador Bernardo Cabral, V. Exª coloca o problema da estabilidade com muita clareza e precisão. A estabilidade não é apenas uma conquista, um direito do servidor público. Há o outro lado, é sobretudo uma garantia instituída no interesse do serviço público. Como V. Exª bem acentuou, procurou-se extinguir o spoils system vigorante até 1930, quando, durante o Estado Novo, o Governo Getúlio Vargas instituiu o serviço público e criou o DASP, com concursos rigorosíssimos. Muita gente esquece que o serviço público federal teve, durante algum tempo, Senador Bernardo Cabral, nível de Primeiro Mundo; eram funcionários altamente qualificados, sérios e dedicados ao serviço público. O que aconteceu é que isso foi desnaturado. Criou-se a figura do interino. Começaram a ter acesso ao serviço público federal, mas principalmente ao estadual e municipal, servidores sem nenhuma qualificação, que entraram via apadrinhamento, incompetentes, que desnaturaram o serviço público. Hoje, se há incompetência, é por isso, Senador Bernardo Cabral, e quer-se corrigir extinguindo a estabilidade. A Constituição de 88, em boa hora, proibiu o ingresso no serviço público sem concurso. É verdade que efetivou os que lá estavam há mais de cinco anos. Mas era uma situação de fato; eles teriam de ser, de alguma forma, protegidos. Mas, a partir de então, ninguém mais pode imaginar que vai adquirir estabilidade sem concurso público. Ora, fala-se que um funcionário negligente não pode ser demitido. Existe a possibilidade: por desídia, pode haver a demissão. O que não existem são mecanismos eficazes para apurar essa desídia e pôr o funcionário relapso no olho da rua, como ele merece, como deve ser feito. Dessa forma, Senador Bernardo Cabral, a quebra da estabilidade será um retrocesso e, como V. Exª bem diz, não tanto no plano federal; mas no plano estadual e municipal, vai abrir caminho para perseguições, porque sabemos que, por mais que a lei estabeleça critérios para demissão, esses critérios serão desvirtuados, e o que vai prevalecer mesmo é a perseguição política. V. Exª está de parabéns pelo pronunciamento que faz, e, desde já, declaro que nenhuma pressão me levará a votar contra a estabilidade. Não é por medo de perder votos, não, Senador Bernardo Cabral.

O SR. BERNARDO CABRAL - É por convicção.

O Sr. Jefferson Péres - Eu faço isso no interesse do serviço público.

O SR. BERNARDO CABRAL - Senador Jefferson Péres, eu não poderia aguardar de V. Exª outra manifestação que não essa. Quando V. Exª lembra o DASP, o célebre Departamento Administrativo do Serviço Público, que foi um exemplo para gerações e gerações neste País afora, vem à minha mente o problema do sistema parlamentarista de governo. Caem os primeiro-ministros, e ninguém se lembra, ninguém tenta exonerar o funcionário público, porque, no sistema parlamentarista, tem-se um funcionalismo público equilibrado, que é a segurança de um governo; há uma estabilidade permanente. De modo que quero continuar com a posição que adotei na Constituinte de 1987/88, que resultou na promulgação da Constituição de 88, e vejo que estou em boa companhia.

O Sr. Romero Jucá - V. Exª me permite um aparte, Senador Bernardo Cabral?

O SR. BERNARDO CABRAL - Ouço V. Exª, Senador Romero Jucá.

O Sr. Romero Jucá - Senador Bernardo Cabral, os oradores que me precederam nos apartes já registraram com muito brilhantismo e muita preocupação este tema muito sensível que V. Exª traz ao Plenário, que é a questão da estabilidade. Gostaria também de dizer que, em todos os debates sobre a quebra da estabilidade na Câmara dos Deputados, tem-se ressaltado que os mecanismos de quebra da estabilidade que estão sendo discutidos não interfeririam diretamente nos servidores federais, já que o Governo da União não gasta 60% da sua receita com pagamento de servidores. Na verdade, como bem disse o Senador Jefferson Péres, há mecanismos, talvez um pouco inócuos, mas existem, que dariam margem à demissão de servidores negligentes, irresponsáveis, enfim, aqueles servidores que, na verdade, não prestam o serviço público que deveriam prestar. Mas o que nos preocupa é exatamente a ponta mais fraca da corda, que são os servidores públicos dos municípios e dos Estados, principalmente dos mais pobres, dos menos desenvolvidos, onde, V. Exª sabe tão bem quanto eu, impera com muito mais força a pressão política e, por conta disso mesmo, a retaliação e a perseguição política. Se não tivermos cuidado e sensibilidade, poderemos estar dando uma carta branca para que, de quatro em quatro anos, vejamos, estarrecidos, uma grande movimentação de servidores públicos sendo demitidos e outros ingressando no serviço público por conta das eleições. Preocupa-me, por exemplo, na questão do Estado de Roraima e de todo o Norte do País, esse açodamento na questão das demissões, porque, sem dúvida, haverá repercussão política nos quadros de trabalhadores dos governos e dos municípios. Temos de discutir, aqui no Senado, outro tipo de mecanismo que não nivele o servidor por baixo. O caminho não seria quebrar a estabilidade; o caminho seria reforçar mecanismos que efetivamente punissem servidores relapsos, irresponsáveis, e não trazer para a linha de baixo, para a linha d'água, aqueles servidores que prestam serviços com seriedade, que, a partir daí, estariam sujeitos à perseguição, à retaliação política, enfim a tudo aquilo que condenamos. Parabenizo V. Exª pelo pronunciamento. Esta Casa tem de dar uma contribuição efetiva a esta questão, porque, ao sair da Câmara dos Deputados e vir para o Senado, a reforma administrativa terá de ser muito bem discutida e muito bem rearrumada, no sentido de que tenhamos, ao ser votada, o fortalecimento do servidor público e não a aniquilação do serviço público brasileiro. Meus parabéns.

O SR. BERNARDO CABRAL - Alegro-me com a posição de V. Exª que, exatamente como as demais, é convergente em torno daquilo que penso em derredor da estabilidade, até porque, Senador Romero Jucá, o instituto da estabilidade foi uma das grandes vitórias do funcionalismo público. De uma hora para outra, não se pode pensar que isso se acaba, quebrando a regra do jogo daquele funcionário que se submeteu a um concurso, foi aprovado sabendo que ia contar com sua estabilidade depois do estágio probatório, e depois verifica que, dependendo de uma autoridade governamental que para com ele não tenha simpatia e resolva dizer que ele não está produzindo, poderá ser demitido.

O Sr. José Eduardo Dutra - V. Exª me permite um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Ouço V. Exª, Senador José Eduardo Dutra.

O Sr. José Eduardo Dutra - Senador Bernardo Cabral, não tenho mais argumentos a adicionar aos que já foram apresentados por V. Exª, pelo Senador Jefferson Péres, pelo Senador Romero Jucá e pelo Senador Epitacio Cafeteira; apenas manifesto minha satisfação por ver que, ao contrário do que pensam alguns, a defesa da estabilidade não é uma bandeira corporativista, não é uma posição daqueles que querem apenas manter a situação como está. O Senador Jefferson Péres levantou o argumento principal ao observar que a estabilidade, muito antes de ser um privilégio do servidor, é uma garantia ao cidadão, ou seja, a garantia de que continuará ou poderá ter um serviço público de qualidade, profissionalizado, sem os riscos de, com as substituições e alternâncias do poder, inerentes à democracia, isso venha também a provocar substituições indevidas na máquina pública brasileira, tanto federal quanto estadual e municipal. Quero, portanto, somar-me ao pensamento de V. Exª e parabenizá-lo por um pronunciamento tão importante na tarde de hoje. Muito obrigado.

O SR. BERNARDO CABRAL - Agradeço a V. Exª, Senador José Eduardo Dutra. É claro que V. Exª não coloca a sua achega como Líder do Bloco da Oposição, mas sim como aquele que interpreta que o instituto da estabilidade não pode ser manejado ao sabor de quem eventualmente ocupa o poder. É claro que, se a maioria do funcionalismo público é zelosa, proba, diligente e eficiente, não há por que se pensar - por causa de uma minoria que não trabalha, não produz, nem comparece - em macular o chamado instituto da estabilidade.

Por essa razão, vejo com alegria que as mais diversas correntes incorporam-se à defesa que faço da estabilidade.

Concluirei, Sr. Presidente, antes que V. Exª me advirta do tempo.

O Sr. Josaphat Marinho - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - V. Exª honra o pronunciamento de seu colega e admirador.

O Sr. Josaphat Marinho - A honra é de seu modesto colega de ir ao encontro do seu pensamento e, sobretudo, de ter a alegria de ver que o Senado antecipa-se à chegada da Reforma Administrativa nesta Casa e deixa claro, a quem interessar possa, que não pretende capitular, recusando direitos consagrados aos servidores públicos. É isso, acima de tudo, que me agrada ouvir aqui, inclusive ouvir a tese - que me parece ter sido levantada pelo nobre Senador Jefferson Péres - de que a estabilidade não é apenas uma garantia do servidor, mas um instituto estabelecido sobretudo em favor do serviço público. De maneira que destruí-lo não é favorecer o serviço público; é desmerecê-lo.

O SR. BERNARDO CABRAL - Realmente, Senador Josaphat Marinho, será difícil que o Senado capitule, desconhecendo todo o histórico do que foi o instituto da estabilidade.

No início eu falava no spoils system porque, desde aquela altura, universitário em Direito, aprendemos que seria inimaginável que certas coisas desaparecessem, e uma delas é a estabilidade, cujo instituto pertence muito mais ao servidor que à própria garantia que o Estado a ele dá.

Concluo, Sr. Presidente, e quero fazê-lo com este registro final.

O que geralmente se omite é que as autoridades administrativas são, de regra, arredias às providências indispensáveis ao afastamento dos maus servidores, em face dos requisitos de motivação, impessoalidade e publicidade, preferindo submeter-se às moedas correntes da inércia e da acomodação. Como fazer atuar com justeza as provisões legais sobre demissão, se o serviço público não dispõe do mais comezinho mecanismo de gestão, como a avaliação de desempenho?

Quanto mais em profundidade se examina a questão, mais se torna patente o verdadeiro propósito dos que debateram contra a estabilidade, que está contido no seguinte passo da emenda da reforma administrativa; a possibilidade de demissão em massa, para redução de despesas. Trata-se, à toda evidência, de proposta absurda e inaceitável, que a meu ver não se compadece com os fundamentos axiológicos da Carta de 1988.

O Sr. Leomar Quintanilha - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Leomar Quintanilha - Nobre Senador Bernardo Cabral, eu também não poderia me furtar de me associar ao raciocínio que V. Exª traz esta tarde, nesta Casa, engrossando o pensamento e o sentimento daqueles que me antecederam neste aparte e citando particularmente a colocação do nobre Senador Epitacio Cafeteira, não o exemplo do seu pai, mas o de diversos outros servidores, fui testemunha de sentimento e de pensamentos semelhantes. A garantia, na verdade, hoje é um patrimônio do servidor. Concordo também com o nobre Senador Jefferson Péres para conceder, principalmente ao Poder Público, mecanismos que permitam a ele safar-se ou desfazer-se do servidor que não tem interesse pelo trabalho, que não tem compromisso com a seriedade e que quer emprego e não quer trabalho, não quer serviço. O tema que V. Exª traz esta tarde é do maior relevo e, certamente, preocupa a grande preocupação brasileira e as reflexões do Senado Federal haverão de contribuir com uma solução que traga o equilíbrio para o País e a tranqüilidade para o povo brasileiro. Muito obrigado.

O SR. BERNARDO CABRAL - Ilustre Senador Leomar Quintanilha, não tenho nenhuma dúvida de que esse equilíbrio será encontrado, principalmente quando se faz parte de um Colegiado como o Senado brasileiro, onde inteligências convivem, não só em termos do que trouxeram para cá - experiências como professor, Governador, Ministro, Deputado Federal - mas há uma gama que poderá indicar caminhos e apontar soluções. Creio que o caminho será apontado e a solução virá logo a seguir. Não é se demitindo de uma hora para outra um funcionário que se colocará nos eixos um país. Ao contrário, o que se deve é, cada vez mais, permitir o prêmio àquele que produz para tirar do que está ao lado, concorrendo, a possibilidade de ser um desidioso. Por isso, acolho o aparte de V. Exª.

Sr. Presidente, entendo, em suma, que em vez de eleger a queda da estabilidade do servidor como panacéia, melhor andaria o Governo se envidasse esforços para uma ampla reformulação de políticas e práticas de gestão de pessoal, de forma a propiciar o controle efetivo do desempenho dos servidores e seus corolários, o estímulo aos dotados de capacidade e iniciativa e a dispensa dos incompetentes e inidôneos.

Não me parece realista conjecturar que esse processo de mudanças, por si só, desde que respaldado em inequívoca vontade política, implicaria significativo ajuste de quadros, na medida em que induziria o desligamento voluntário dos servidores incompatíveis com o novo padrão de eficiência e legitimidade de atuação dos agentes públicos.

Este é o meu entendimento. Pela manutenção da estabilidade.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/07/1997 - Página 13330