Discurso no Senado Federal

ALERTA PARA O DESEQUILIBRIO DAS CONTAS PUBLICAS BRASILEIRAS, DIANTE DA CRISE TAILANDESA, CUJA MOEDA ESTA ANCORADA AO DOLAR.

Autor
Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • ALERTA PARA O DESEQUILIBRIO DAS CONTAS PUBLICAS BRASILEIRAS, DIANTE DA CRISE TAILANDESA, CUJA MOEDA ESTA ANCORADA AO DOLAR.
Aparteantes
Humberto Lucena.
Publicação
Publicação no DSF de 08/07/1997 - Página 13337
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • APREENSÃO, SITUAÇÃO, AUMENTO, DESEQUILIBRIO, CONTAS, TESOURO NACIONAL, NECESSIDADE, GOVERNO, ADOÇÃO, POLITICA, INCENTIVO, CRESCIMENTO ECONOMICO, IMPEDIMENTO, CONTINUAÇÃO, FINANCIAMENTO, IMPORTAÇÃO, UTILIZAÇÃO, ENTRADA, CAPITAL ESTRANGEIRO, MOTIVO, AMEAÇA, CRISE, SETOR, EXTERIOR, ECONOMIA, COMBATE, DESEMPREGO.
  • RESPONSABILIDADE, CONGRESSO NACIONAL, COOPERAÇÃO, EXECUTIVO, BUSCA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, DEFICIT, PRORROGAÇÃO, FUNDO DE ESTABILIZAÇÃO FISCAL, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), REDUÇÃO, TAXAS, JUROS.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, o terceiro ano do Real coincidiu com a eclosão da crise tailandesa.

Se é verdade que o estouro cambial da Tailândia não será para nós o sinal fatídico do festim de Baltazar, por outro lado, é preciso não desprezá-lo como um alerta do que nos poderá acontecer amanhã.

Para reviver uma antiga imagem caída em desuso, a economia brasileira caminha entre Cila e Caribde: o Cila do déficit comercial, e o Caribde do déficit público.

Nenhum país do mundo, salvo os Estados Unidos, pode se dar ao luxo de caminhar durante muito tempo com esses dois megadéficits. Os Estados Unidos podem fazê-lo - e o fazem há muitos anos - porque gozam do privilégio de sua moeda, que é o dólar, ter curso universal.

Quanto estourou a crise mexicana, desencadeando o efeito tequila, que atingiu a Venezuela, a Argentina e, em menor escala, o Brasil, foi dito que o México estava com suas reservas monetárias muito baixas.

Todavia, aconteceu agora com a Tailândia, que tinha, até há dois meses, reservas cambiais de 37 bilhões de dólares, proporcionalmente maiores que as do Brasil, da ordem hoje de 59 bilhões. E a Tailândia estourou as suas contas externas. Passa agora por um congelamento de preços, com elevação das taxas de juros, devendo atravessar uma recessão sabe lá durante quanto tempo.

O Brasil, além do déficit comercial, está enfrentando o déficit público, ou seja, há buracos nas contas externas e nas contas internas. E, como sabe, qualquer aprendiz de economia, salvo os Estados Unidos porque sua moeda é universal, nenhum país pode conviver muito tempo com esses dois déficits gigantescos. A equipe econômica sabe disso.

Não devemos ter a visão catastrofista dos que dizem que o estouro lá adiante será inevitável; mas devemos evitar a visão panglossiana de pensar que o que aconteceu no México e na Tailândia não acontecerá no Brasil. Não estamos vacinados contra isso.

O déficit em conta corrente do Brasil, que este ano chegará pelo menos a US$30 bilhões de dólares, segundo estimativas otimistas, está sendo financiado por algo que hoje é remédio e amanhã será veneno. O déficit está sendo financiado pelo ingresso de capitais, especulativos ou não, que implicam amanhã remessa de juros, lucros e dividendos, o que agravará ainda mais o desequilíbrio das nossas contas correntes.

O Brasil não suportaria um estouro cambial, porque temos, concomitantemente, além do déficit público, uma dívida social, ambos precisam começar a ser resgatados com urgência. No Brasil, uma crise cambial seguida de recessão levaria a níveis inimagináveis a crise social, que é latente e que é perigosíssima.

Há a precariedade dos serviços públicos de saúde, a falta de segurança pública nas cidades, a falência dos Estados, a agitação no campo, os baixos salários dos servidores públicos, que, no caso daqueles de níveis inferiores, estão-se tornando insuportáveis. O efeito dominó da rebelião da polícia mineira já repercute em vários Estados. No momento, em seis Estados há greves declaradas das polícias militares. Se a economia do País destrambelha com uma crise cambial e com uma recessão, sabe Deus o que pode acontecer a este País. Se somarmos a tudo isso, o desprestígio da classe política, pela qual o povo brasileiro não tem nenhuma estima - e não vou discutir as razões -, o potencial explosivo disso tudo é nitroglicerina pura.

Não estou dizendo que isso vai acontecer, até porque exercício de futurologia em economia é futilidade. Ninguém sabe o que poderá acontecer. Mas tenho a convicção de que, em poucos momentos da História brasileira, estivemos, como estamos agora, nitidamente diante de uma bifurcação: ou o Brasil, nesses dois ou três anos, faz a travessia tranqüilamente, resolve o seu problema básico de ajuste fiscal e decola como o tigre americano do próximo milênio - tem todas as condições para isso -, ou, então, despenca nessa travessia e iremos rolar pela ribanceira para o Quarto Mundo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero dizer que não podemos brincar com fogo. Se eu pudesse eleger o problema número um deste País, eu diria que é o desequilíbrio das contas públicas. A economia brasileira tem de crescer pelo menos 6%, como sabe qualquer estudioso em economia, para enfrentar o desemprego. Se continuarmos a crescer 3 ou 4%, não poderemos atender à demanda por emprego, em decorrência do crescimento da população, por um lado, e da modernização da economia, principalmente no setor industrial, que hoje é basicamente em regime de labor saving, ou seja, que é uma industrialização poupadora de mão-de-obra. Se o Brasil não crescer pelo menos 6%, o desemprego vai se acentuar com todas as seqüelas decorrentes desse fenômeno social indesejável.

Mas estamos presos em uma armadilha, pois não podemos crescer a essa taxa. O Brasil pode crescer 6%, mas não crescerá, porque, se a economia crescer nesse ritmo, estouramos o setor externo da economia com o aumento das importações, que não temos como pagar e que não podemos continuar financiando apenas com a entrada de capital estrangeiro. Ou se desmonta essa armadilha ou o País despenca. Não é alarmismo, não é catastrofismo; é um fato.

Nós, do Congresso Nacional, precisamos ter presente nossa responsabilidade nesse ajuste fiscal, que não pode ser obra simplesmente do Executivo. E não se resolverá, evidentemente, com reformas administrativas de meia sola, muito menos com quebra de estabilidade e demissão de servidores públicos, o que é uma falácia.

O Sr. Raul Veloso, um especialista em contas públicas, demonstrou há poucos dias, e não foi contestado, que a quebra da estabilidade implicará uma economia mínima, principalmente para a União. Não é este o caminho. Quebra-se um instituto que é uma garantia do serviço público, como eu dizia há pouco em aparte ao Senador Bernardo Cabral, para não se melhorar em quase nada as contas públicas do País. Mas o problema das contas públicas existe e não é responsabilidade apenas do Executivo. É responsabilidade nossa, inclusive da Oposição, porque estamos caminhando num terreno altamente explosivo.

O Sr. Humberto Lucena - V. Exª me concede um aparte?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Concedo o aparte ao Senador Humberto Lucena.

O Sr. Humberto Lucena - Ouço com atenção o pronunciamento de V. Exª, que, com muita lucidez, faz apreciação bastante oportuna sobre a conjuntura nacional. No particular, sobre as reformas, eu gostaria apenas de dizer a V. Exª que tem toda razão quando dá ênfase à reforma tributária, à reforma fiscal. Acontece que essa reforma é a que está andando menos. Ela está na Câmara dos Deputados há muito tempo e, ao que parece, a grande dificuldade é que a União ainda não fez um acordo com os Estados, com os Municípios e com o Distrito Federal para torná-la concreta. Mas V. Exª está coberto de razão. Tanto assim que, justamente para evitar o desequilíbrio das contas públicas, já que não foi feita a reforma tributária, a reforma fiscal, o Governo recorre continuadamente à prorrogação do Fundo de Estabilização Fiscal, como é chamado hoje, e também já apela, até pela imprensa em alguns setores, para a possibilidade de prorrogar o prazo de vigência do CPMF, que foi criado, como V. Exª sabe, para dois anos, se não me engano. Então, justamente por falta da reforma tributária, isso acontece em detrimento dos Estados e Municípios, já que V. Exª sabe que, sobretudo o FEF retira recursos do Fundo de Participação dos Estados e Municípios, os quais, por seu turno, já também perderam quando o Governo votou aquela lei de retenção do IPI, e a lei que estabeleceu a isenção de ICMS nas exportações. Ficou-se, inclusive, de compensar os Estados. A Paraíba, por exemplo, que tinha um crédito inicial de R$16 milhões, recebeu apenas R$2 milhões. Quero congratular-me com V. Exª, dizendo que também estou de acordo quanto às suas observações a respeito da reforma administrativa.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Muito obrigado, Senador Humberto Lucena.

Realmente, a reforma tributária está parada e reconheço que sua aprovação não é fácil, porque há interesses conflitantes de Estados e Municípios com a União, de setores da economia como a agricultura, com indústrias e com serviços. Conciliar esses interesses contraditórios todos não vai ser fácil; mas, enquanto essa reforma tributária não vem, temos que dar meios ao Executivo de enfrentar o problema do déficit, nem que seja com a prorrogação do FEF, compensando os Municípios, como se está fazendo agora mediante negociação na Câmara, e nem que seja com a prorrogação da CPMF. Não gosto da CPMF, não julgo que seja um bom imposto, mas não se pode simplesmente suprimi-lo e deixar que o déficit aumente ainda mais, porque isso implica manter as taxas de juros inevitavelmente altas. Com as taxas de juros elevadas, não há como o Governo superar o problema do déficit público, porque ele tem que pagar juros altos pela rolagem dessa dívida. É um nunca acabar, é um poço sem fundo, um círculo vicioso que temos que quebrar de alguma forma.

Penso que, se houvesse um pacto social, um pacto político neste País - e começa a se esboçar, parece-me, com o movimento "Reage, Câmara", na Câmara dos Deputados - necessariamente teria de passar, em primeiro lugar, por esse problema do desequilíbrio público e do ajuste fiscal.

Esse é o grande problema do País e terá de ser enfrentado cedo ou tarde - oxalá seja cedo - por todos nós, isto é, por toda a classe política, porque, repito, é responsabilidade de cada um. Que ninguém diga, como já ouvi uma vez de um Senador: "O problema de encontrar recursos é da União". Não é da União. A não ser que se considere, dentro da União, o Congresso; não é problema só do Governo; é problema do Congresso também.

O Sr. Humberto Lucena - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Humberto Lucena - Peço o aparte apenas para voltar ao assunto da reforma tributária e dizer que reconheço, como diz V. Exª, que é uma reforma difícil, complexa, que depende muito, é claro, do entendimento com os Estados, Municípios e Distrito Federal. Mas sinto, nobre Senador - não sei se é o caso de V. Exª, e o Senador Josaphat Marinho enfatizou isso aqui, recentemente - que não se vê nenhum esforço do Governo na direção da reforma tributária. Não há nada de concreto. Nem eu nem V. Exª nem ninguém sabe qual a fórmula que está em andamento. Há um projeto na Câmara que está parado. A princípio, falou-se muito na possibilidade de se reduzir o número de tributos para quatro ou cinco, o que era uma boa idéia. Mas o fato é que nada mais aconteceu e tornou-se fácil, nobre Senador, recorrer a prorrogações. Esse é o perigo.

O SR. JEFFERSON PÉRES - V. Exª tem razão quanto ao desinteresse do Governo. Realmente, como já foi dito e repetido - não estou sendo original -, se o Governo tivesse dedicado à reforma tributária o mesmo empenho que lançou à reeleição, já teríamos esse problema pelo menos encaminhado.

Quando abordo esse tema do ajuste fiscal, surpreende-me muito, Sr. Presidente, que ainda se coloque esse problema em termos ideológicos. Parece que buscar ajuste fiscal e austeridade é algo da direita e de conservadores, que a questão é o resgate da dívida social, do passivo social, sem se levar em conta que um depende do outro, que um é condicionante, e outro, condicionado.

O Estado não tem meios para enfrentar e resgatar a dívida social, porque hoje o déficit ou a diferença entre o que o Poder Público em todos os níveis gasta e arrecada é simplesmente R$40 bilhões por ano. É isso que mantém os juros elevados e não há como fugir ou se libertar disso, a não ser que se faça o chamado ajuste fiscal.

Ora, além do superávit primário de 1,5% do PIB que hoje existe - 1% do PIB, mais ou menos, é o que se espera neste ano -, se conseguíssemos um superávit operacional de 1% do PIB, Senador Humberto Lucena, teríamos algo em torno de R$8 bilhões de superávit. Se aplicássemos a metade desses R$8 bilhões de superávit operacional - 1% apenas do PIB, ou seja, R$4 bilhões, na reforma agrária, em assentamentos, e R$4 bilhões no Programa de Renda Mínima do Senador Eduardo Suplicy, teríamos meio caminho andado para erradicar a miséria nesse País a prazo não muito longo. Isso é o que pessoas com visão de esquerda não conseguem ou não querem entender.

Resolva-se o problema das contas públicas, gere-se um superávit e discuta-se onde aplicar esse superávit, que temos um encaminhamento da resolução do problema da miséria no País. Agora, com R$40 bilhões de déficit, querer resolver, querer resgatar essa dívida, é ilusão, é voluntarismo, é ingenuidade política, a não ser que seja também má-fé da parte de alguns.

Esse é o problema que temos que enfrentar cedo ou tarde e, oxalá, o enfrentemos, repito, antes que seja realmente tarde demais.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/07/1997 - Página 13337