Discurso no Senado Federal

INCONVENIENCIA DA EXTINÇÃO DOS DOIS TURNOS NAS ELEIÇÕES PARA GOVERNADORES E PREFEITOS, APROVADA PELA COMISSÃO DE REFORMA POLITICA.

Autor
José Serra (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SP)
Nome completo: José Serra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES.:
  • INCONVENIENCIA DA EXTINÇÃO DOS DOIS TURNOS NAS ELEIÇÕES PARA GOVERNADORES E PREFEITOS, APROVADA PELA COMISSÃO DE REFORMA POLITICA.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 04/07/1997 - Página 13035
Assunto
Outros > ELEIÇÕES.
Indexação
  • REPUDIO, PROPOSTA, COMISSÃO, REFORMA POLITICA, EXTINÇÃO, SEGUNDO TURNO, ELEIÇÃO, GOVERNADOR, PREFEITO, PREJUIZO, DEMOCRACIA.

O SR. JOSÉ SERRA (PSDB-SP. Para uma breve comunicação.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho a esta tribuna manifestar-me sobre um tema bastante importante para o sistema político brasileiro. Trata-se do segundo turno nas eleições para Presidente da República, governadores e prefeitos em cidades de mais de 200 mil eleitores.

A Comissão de Reforma Política, formada no Senado, aprovou a proposta de uma alteração constitucional altamente inconveniente para o Brasil: a extinção do segundo turno nas eleições para governadores e prefeitos.

Trata-se de uma proposta que ainda tem de percorrer um longo caminho, mas que representa um mau começo para essa Comissão. É uma péssima sinalização, uma demonstração sobre o frágil caráter reformista dessa Comissão. É uma proposta que não reforma; pelo contrário, no meu entendimento, produz retrocesso.

Os dois turnos, Sr. Presidente, foram talvez a única inovação positiva da Constituição de 1988 em matéria política. V. Exª participou da Constituinte comigo e se recordará que praticamente não tivemos nenhuma inovação em matéria política na Constituição, fora essa. A nova Carta Constitucional só fez piorar ou confirmar o que o sistema político e eleitoral brasileiro tinha de pior. Por exemplo, manteve o presidencialismo, o voto obrigatório, o voto proporcional (não distrital) para deputados e vereadores; permitiu a pulverização partidária; ampliou as desproporções nas representações dos Estados no Congresso Nacional. Nesse deserto, os dois turnos foram um oásis.

Qual a justificativa essencial dos dois turnos? É precisamente a de permitir que os presidentes, governadores e prefeitos eleitos nunca expressem uma minoria de eleitores: com 30, 20 ou até 15% dos votos.

Podemos nos lembrar da tragédia do Chile. Houvesse lá o critério de dois turnos na eleição de 1970, aquele país de tradição democrática jamais teria vivido a ditadura brutal de Pinochet.

Curiosamente, os argumentos predominantes na Comissão de Reforma Política atribuem aos dois turnos o papel de bode expiatório pelos defeitos do nosso sistema político eleitoral. Por exemplo, acredite se quiser, os dois turnos, segundo a maioria da Comissão, seriam responsáveis pela fragmentação dos partidos, estimulando a proliferação das legendas de aluguel e de paranóicos que não teriam prejuízo ao apresentarem-se como candidatos na primeira volta e, em seguida, serem alugados por algum dos finalistas na segunda volta.

Ora, com um turno só também continuarão os megalomaníacos de sempre, ao lado dos alugados, formando um conjunto de candidatos que, mediante estipêndio, dedicam-se a atazanar, pela TV, o candidato "a" em benefício do candidato "b". Isso não mudará. O problema não reside na existência de um ou dois turnos, mas na legislação partidária existente.

Do mesmo modo, atribui-se aos dois turnos o estímulo à corrupção eleitoral, face à compra de apoios entre os candidatos finalistas. Aqui, bastam três lembranças: a) não tem havido nenhum aumento especial de corrupção devido a esse apoio circunstancial; b) o que dizer do ímpeto fisiológico do governo eleito em minoria para obter maioria nas Câmaras ou Assembléias? c)a transferência de votos do 1º para o 2º turno por parte de partidos e candidatos derrotados tem sido sempre pequena. Este fator com o tempo irá depreciando o valor do mercado da conquista do apoio de quem ficou só no 1º turno a um dos candidatos e partidos que foram para o 2º.

Alega-se também para rejeitar o 2º turno um suposto aumento exagerado de gastos de campanha. Isto, além de falso (quanto ao exagerado), pode e deve ser resolvido com uma simples alteração em lei ordinária. A segunda volta pode ser marcada para duas semanas depois da 1ª, especialmente com a apuração de votos nos computadores.

Finalmente, pretende-se manter o 2º turno apenas para presidente, parcialmente, eliminando-o no caso de governadores e prefeitos. É curioso que os argumentos contrários acima resumidos valessem apenas para as esferas local e estadual. A razão alegada ou vale para os três níveis ou não vale para nenhum. A razão alegada ainda invoca o fato de que a eleição presidencial seria mais "ideológica". O Brasil tem "dimensões continentais" e as "desigualdades regionais são profundas".

E daí? Qual a relação causa e efeito? Um mistério.

Por último, deixo uma ponderação: os dois turnos só foram aplicados duas vezes em cada esfera de governo. É pouquíssimo como experiência necessária para tirar conclusões definitivas. Além disso, a discussão e as votações da proposta entupirão os trabalhos de reforma política, prejudicando mudanças realmente urgentes e não casuísticas, como a introdução do voto distrital misto. Vamos, pois, dedicar-nos ao essencial para o País e não para as diferentes conveniências individuais e partidárias para 1998.

Mas tenhamos o segundo turno.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ SERRA - Pois não!

O Sr. Eduardo Suplicy - Quero apenas registrar a minha concordância em defesa do 2º turno, porque avalio que é muito cedo para deixarmos de ter aquilo que foi um aperfeiçoamento da democracia na Constituição de 1988.

O SR. JOSÉ SERRA - Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/07/1997 - Página 13035