Discurso no Senado Federal

COMENTANDO A MOVIMENTAÇÃO EM TORNO DAS REFORMAS E A COBRANÇA DA IMPRENSA E DOS EMPRESARIOS AO CONGRESSO NACIONAL PARA A APROVAÇÃO IMEDIATA DAS MESMAS.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL.:
  • COMENTANDO A MOVIMENTAÇÃO EM TORNO DAS REFORMAS E A COBRANÇA DA IMPRENSA E DOS EMPRESARIOS AO CONGRESSO NACIONAL PARA A APROVAÇÃO IMEDIATA DAS MESMAS.
Aparteantes
Jefferson Peres.
Publicação
Publicação no DSF de 04/07/1997 - Página 12986
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL.
Indexação
  • ANALISE CONJUNTURAL, REESTRUTURAÇÃO, MUNDO, AMBITO, ECONOMIA, COMERCIO, POLITICA, PERMANENCIA, DESEQUILIBRIO, PRIMEIRO MUNDO, TERCEIRO MUNDO.
  • ANALISE, IMPORTANCIA, REFORMA CONSTITUCIONAL, BRASIL, AVALIAÇÃO, ATUAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, REFORMULAÇÃO, LEGISLAÇÃO.
  • CRITICA, EXCESSO, LOBBY, IMPRENSA, SOCIEDADE CIVIL, DEFESA, SOBERANIA, CONGRESSO NACIONAL, APRECIAÇÃO, REFORMA CONSTITUCIONAL.
  • DEBATE, NECESSIDADE, INSTRUMENTO, REGULARIDADE, REVISÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, eu gostaria de comentar, na tarde de hoje, a movimentação que tem havido, principalmente aqui em Brasília, em torno das reformas e também, pela imprensa, uma cobrança muito grande em relação ao Congresso Nacional. Inclusive foi nesse clima que o Presidente da República convocou extraordinariamente o Congresso para deliberar sobre várias matérias de grande importância para o País.

Antes de mais nada, eu desejava fazer uma análise muito rápida dessas mudanças que estão acontecendo também no plano internacional, que estão ocorrendo no mundo, como a globalização, a internacionalização da economia, o surgimento de uma série de novos organismos internacionais como, por exemplo, a Organização Mundial do Comércio, a adoção da Lei de Patentes por parte do Brasil, a Lei de Cultivares, a Lei do Software, que estamos estudando agora... enfim, tudo isso para enquadrar o Brasil e outros países numa nova ordem internacional.

O que espanta é que, por baixo dessa grande onda de mudança, de transformação que há em todo o mundo, existem coisas que não mudam. Essas mudanças visam perpetuar, na verdade, uma ordem que está estabelecida: mudar sempre para não mudar nunca.

O nobre Senador Geraldo Melo, em uma intervenção que fez por ocasião de uma exposição do Ministro das Relações Exteriores, na Comissão Especial que analisa as questões nordestinas, fez uma interpelação com a qual o Ministro teve que concordar e admitir; ou seja, uma relação de forças diante da qual pouco podemos.

Fez-se a Rodada Uruguaia, criou-se a Organização Mundial do Comércio, falou-se que é preciso criar uma nova ordem comercial de relações econômicas no mundo. Tudo bem! O Brasil tem que fazer um esforço gigantesco como os outros países para se acomodar a essa nova situação. Mas acontece que certos procedimentos que atentam contra essa nova ordem beneficiam os países economicamente fortes, industrializados, países do Primeiro Mundo. Essa situação de desigualdade permanece. Ela vem para mudar, mas consolida, mantém essas desigualdades.

No plano comercial, produtos que são protegidos por esses países, no exemplo citado pelo Senador Geraldo Melo - o caso do açúcar -, a União Européia faz de tudo para proteger o seu mercado interno contra a entrada do açúcar de fora, inclusive o brasileiro, subsidiando com altos custos o açúcar da beterraba para proteger a sua agricultura e garantir os empregos. E há uma série de outros exemplos que podiam ser dados em relação aos Estados Unidos e em relação à União Européia, onde essa nova ordem que vem não altera a ordem velha, que é uma ordem da desigualdade. Dos países emergentes, em desenvolvimento tudo se exige: todo um enquadramento, todo um processo de ajuste a essa nova situação. Mas essa ordem de desigualdade, de hegemonia econômica permanece, ela é congelada.

No plano político, tenho um outro exemplo: a questão do Tratado de Não-Proliferação Nuclear. Até há pouco tempo, o Brasil se recusava a ser signatário desse tratado. Nenhum de nós aqui pensa que o Brasil vá amanhã produzir armamentos, artefatos bélicos, nucleares. Todos somos pacifistas e essa não é a vocação do Brasil. Os países que já estão no clube atômico permanecem lá com seus artefatos, com o seu material bélico, com a sua tecnologia nuclear. Os outros, simplesmente, ao assinar o tratado, abdicam de ingressar nesse clube que fechou sua porta. Mais uma vez, é o exemplo de uma nova ordem internacional que se quer estabelecer, consolidando disparidades que já estavam constatadas.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, se formos examinar com mais cuidado esse grande movimento de reformas, essa grande movimentação em torno dessas modificações, vamos verificar que, na verdade, é uma mudança para consolidar, cristalizar situações já constituídas em desfavor de países como o Brasil.

No plano interno, essas reformas que estão em andamento são importantes para o Brasil. Podemos divergir sobre um ponto ou outro, sobre uma ou outra questão, mas reconhecemos que o Estado precisa ser modificado, que a Previdência tem que ser reformada, que o Brasil tem que ajustar o seu setor produtivo a essa nova situação que se está criando no mundo todo.

Devemos lembrar a todos que estão interessados, a todos que se mobilizam em torno dessa reforma, que, se tomarmos em consideração o início desta Legislatura, vamos ver quantas mudanças profundas este Congresso Nacional já aprovou, seja por iniciativa de seus membros da Câmara ou do Senado, seja por iniciativa do Presidente da República; modificações com as quais, há 4, 5, 6 anos, muitos de nós nem sonhávamos em relação ao petróleo, em relação ao conceito de empresa nacional, em relação a esse processo de privatização; enfim, são mudanças profundas. O Congresso cumpriu o seu dever.

Penso que é legítimo, é justo que todos os setores organizados da sociedade se dirijam ao Congresso, pressionem politicamente, procurem colocar suas posições. Agora, é preciso que se preserve essa independência do Congresso para decidir soberanamente. Nenhum de nós quer fugir à sua responsabilidade, mas não podemos, de maneira nenhuma, aceitar qualquer tipo de coação ou, então, que a responsabilidade toda pese exclusivamente sobre os nossos ombros.

O nosso Presidente, Senador Antonio Carlos Magalhães, tem dito - pelo menos tenho lido na imprensa - que não se pode exigir, exclusivamente, essa responsabilidade do Congresso e muito menos atribuir todos os males do País à demora no exame dessas matérias que estão aqui, sob a nossa cuidadosa análise. Todos dizem: "queremos a reforma." Mas qual reforma? Tenho certeza de que a reforma dos empresários não é a mesma que querem os trabalhadores. Tenho certeza de que a reforma que deseja o Governo não é exatamente a mesma que querem os funcionários públicos. O Congresso é quem decidirá com independência, com liberdade e, sobretudo, com o grave senso de responsabilidade que cada um de nós tem.

Creio ser justo que a sociedade exija do Congresso que ele trabalhe, que os Parlamentares compareçam, que sejam honestos e corretos nas suas atitudes, que honrem o mandato que receberam. Agora, a qualidade do nosso voto é uma decisão nossa, exclusivamente nossa, sobre a qual jamais haverá unanimidade. Vamos ser analisados pelos empresários, vamos ser analisados pelos trabalhadores, pelos funcionários públicos, pelos profissionais liberais, pelos empregados das empresas estatais, e nunca haverá unanimidade sobre nossas decisões.

Então, toda essa movimentação em torno das reformas é muito dúbia. Cada qual quer a sua reforma ou a reforma que convém aos seus interesses, talvez aos interesses da Nação. Mas esse juízo é nosso e penso que devemos decidir com isenção, com a seriedade que deve presidir nossos trabalhos e com a independência que devemos ter diante dessas matérias.

O Sr. Jefferson Péres - Permite V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Pois não, Senador Jefferson Péres.

O Sr. Jefferson Péres - Realmente, o Congresso Nacional é culpado por ter cão e por não ter. O caso da reforma tributária é exemplar. Um país com as dimensões do nosso, uma Federação como o Brasil, nada há mais complicado que uma reforma tributária, Senador Lúcio Alcântara.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - É um belo exemplo de complicação, de imbróglio.

O Sr. Jefferson Péres - A modificação ou criação de um novo imposto, como o IVA, pode interessar a São Paulo, mas não interessa ao Amazonas ou ao Ceará, e há um conflito de regiões subdesenvolvidas com outras mais industrializadas. A modificação de imposto que interessa à indústria pode ferir os interesses da agricultura; o que interessa aos empresários pode não interessar às classes trabalhadoras ou a outros segmentos da sociedade. Ou eles querem que votemos uma reforma a toque de caixa, simplesmente aumentando a carga tributária da indústria? O que eles dirão? Eles vão espernear porque o Congresso não votou a reforma dos seus sonhos. Não haverá a reforma do sonho de todos nunca, jamais.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - É verdade, é impossível.

O Sr. Jefferson Péres - De forma que os empresários perderam uma boa oportunidade de ficar calados.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Nobre Senador Jefferson Péres, V. Exª foi muito feliz no exemplo da reforma tributária e, talvez, por isso mesmo, esta é a que está mais atrasada. O empresariado tem uma visão de reforma tributária, a sociedade se diz exausta de pagar imposto, os Estados e Municípios não vão querer também reduzir a sua participação; pelo contrário, devem estar querendo aumentar e a União - que é geralmente a mais indefesa de todas - também já está dizendo que não tem mais como perder receita. Por aí, nós estamos vendo como seria complexa uma reforma tributária para acalentar a expectativa de cada uma dessas instituições e da própria sociedade ou de setores da sociedade.

Sabe V. Exª como isso iria terminar, nobre Senador Jefferson Péres? Terminaria com um grande aumento de impostos, para poder atender a voracidade de todos esses setores, esses entes federativos que, certamente, iriam querer mais recursos para fazer face aos seus encargos.

Assim, entendo que nós devemos receber esse tipo de movimentação como uma manifestação legítima do empresariado, mas não temos que estar temerosos por termos contas a prestar porque deixamos ou não de cumprir com a nossa obrigação e com o nosso dever. Nós estamos decidindo sobre matérias que têm uma profundidade e uma importância muito grande. Ainda ontem, o Jornal do Senado mostrava que, neste semestre, já aprovamos aqui 209 projetos. E tenho certeza de que esta é uma das legislaturas com maior número de matérias examinadas, apreciadas, aprovadas e transformadas em lei.

E essa independência não podemos, de maneira nenhuma, desperdiçar. Temos que considerar essas pressões legítimas da sociedade, mas não temos por que nos sentir acuados já que, na verdade, estamos cumprindo o nosso dever e a nossa obrigação. O resultado dessas reformas que saem aqui do Congresso, qualquer que seja - como dizia e muito bem reafirmou o Senador Jefferson Péres -, jamais irá agradar a todos. O importante é que nós tenhamos cumprido com o nosso dever, a nossa obrigação, com a falibilidade própria de todos os atos humanos, mas examinando o assunto com cautela, com serenidade e procurando aquilo que seja melhor para o País, porque esse é o nosso dever, é a nossa obrigação.

Queria concluir dizendo, a propósito de manifestações que tenho ouvido - ainda há poucos dias do Senador Pedro Simon - sobre Revisão Constitucional, que apresentei, encabecei uma proposta de emenda constitucional que adota o princípio da Constituição portuguesa, prevendo uma revisão constitucional a cada 5 anos. E aí com quorum realmente baixo, quorum de maioria absoluta o que seria, talvez, uma oportunidade, se ela fosse convocada - poderia ser convocada essa revisão pelo Presidente da República, por dois terços das duas Casas do Congresso ou pela maioria absoluta das Assembléias Legislativas -, uma ocasião de se fazer uma revisão, porque eu não acredito que haja condições políticas na sociedade, não só na brasileira mas de uma maneira geral, para se escrever constituições sintéticas como a Constituição americana, com seus princípios gerais. A sociedade quer que conste na Constituição direitos seus, garantias detalhadas. Temos constituições minuciosas, minudentes, detalhistas. Em compensação, elas tornam-se obsoletas rapidamente, porque, como ingressam em detalhes, minúcias, terminam ficando obsoletas.

Assim, é imperiosa a necessidade de se fazer esses ajustes, porque, como disse, não acredito que haja condição política para se fazer constituições sintéticas.

Na verdade, o que estamos assistindo é cada Presidente da República que assume fazer uma reforma constitucional. Aos trancos e barrancos, com três quintos ou não, daqui a pouco, vamos ter as emendas constitucionais na nossa Constituição mais numerosas do que a própria Constituição originária.

De forma que, talvez, essa fosse uma solução, inclusive poderia se adotar até um referendo, conforme pede o Senador Pedro Simon no caso da revisão em 1999. Já ouvi de alguns oposição a essa idéia da revisão, alegando que, amanhã, esse grupo que hoje está no poder poderá ser minoria e, aí, verão as suas teses reformadas. Ora, isso é agredir o princípio da democracia, que prevê justamente essa alternância no poder, para que cada um possa colocar na prática as suas idéias e suas propostas políticas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, era o assunto que eu desejava trazer a debate, à discussão, hoje à tarde, neste Senado, a propósito dessa grande mobilização em torno das reformas que estão em exame no Congresso Nacional.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/07/1997 - Página 12986