Pronunciamento de Eduardo Suplicy em 03/07/1997
Discurso no Senado Federal
QUESTÕES DEBATIDAS COM A RETOMADA DO DIALOGO ENTRE AS ENTIDADES REPRESENTATIVAS DO GRITO DA TERRA E AS AUTORIDADES GOVERNAMENTAIS. ANALISE DA LEGISLAÇÃO AGRARIA COM AS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELO GOVERNO FEDERAL COM A APLICAÇÃO DA MEDIDA PROVISORIA 1.577, DE 1997 E DO DECRETO 2.250, DE 1997.
- Autor
- Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
- Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
REFORMA AGRARIA.:
- QUESTÕES DEBATIDAS COM A RETOMADA DO DIALOGO ENTRE AS ENTIDADES REPRESENTATIVAS DO GRITO DA TERRA E AS AUTORIDADES GOVERNAMENTAIS. ANALISE DA LEGISLAÇÃO AGRARIA COM AS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELO GOVERNO FEDERAL COM A APLICAÇÃO DA MEDIDA PROVISORIA 1.577, DE 1997 E DO DECRETO 2.250, DE 1997.
- Publicação
- Publicação no DSF de 04/07/1997 - Página 13029
- Assunto
- Outros > REFORMA AGRARIA.
- Indexação
-
- AVALIAÇÃO, RETOMADA, DEBATE, GOVERNO, ENTIDADE, REPRESENTAÇÃO, TRABALHADOR RURAL, ASSUNTO, POLITICA AGRICOLA, REFORMA AGRARIA.
- ANALISE, INICIATIVA, GOVERNO, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, REFORMA AGRARIA, DETALHAMENTO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), DECRETO FEDERAL.
- REGISTRO, COMBATE, SUPERIORIDADE, AVALIAÇÃO, IMOVEL RURAL, DESAPROPRIAÇÃO, CRITICA, DISPOSITIVOS, PROCESSO, VISTORIA, PROPRIEDADE IMPRODUTIVA, OBJETIVO, REDUÇÃO, OCUPAÇÃO, SEM-TERRA.
- REGISTRO, AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, DECRETO FEDERAL, AUTORIA, CONFEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA (CONTAG).
O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fui uma das pessoas que testemunharam a retomada do diálogo das entidades representativas do Grito da Terra, quais sejam, Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - Contag; Central Única dos Trabalhadores - CUT; Coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil - Capoib; Conselho Nacional dos Seringueiros - CNS; Movimento Nacional dos Pescadores - Monape, e Movimento dos Atingidos pelas Barragens, que têm também a colaboração da CPT, da SINE, da FASE, do INESC, da FASEB, da Rede Brasil e do SESI.
No último dia 13 de maio, milhares de trabalhadores representantes dessas entidades haviam tentado um diálogo com as autoridades, mas, em virtude das dificuldades, acabaram realizando um protesto. Ocuparam o Ministério do Planejamento, houve uma forte reação do Governo e o diálogo foi interrompido.
O Governo Federal, por intermédio do Ministro de Assuntos Fundiários, Raul Jungmann, e do Presidente do Incra, Milton Seligman, bem como representantes dos Ministérios da Agricultura, da Justiça, da Casa Civil, da Saúde e outros, resolveu sentar-se à mesa hoje com Francisco Urbano, Vicente Paulo da Silva e outros dirigentes dessas entidades.
Avaliei como importante essa retomada de conversa em torno da pauta relativa à política agrícola, custeio e investimento agrícola, comercialização e investimento agrícola, extensão rural, extrativismo, reforma agrária, ampliação das metas, desenvolvimento dos assentamentos, assistência técnica e infra-estrutura, recursos do orçamento e, sobretudo, a proposição de alterações na legislação, inclusive relativamente ao decreto que trata da questão relativa à vistoria de áreas ocupadas.
Foram ainda inúmeros outros temas tratados, mas gostaria de dizer que considero um avanço os termos novamente debatidos e gostaria de, nessa oportunidade, Sr. Presidente, fazer uma análise da legislação agrária recentemente promovida pelo Governo, em especial as alterações promovidas pela Medida Provisória nº 1.577, de 1997, e pelo Decreto nº 2.250, de 1997.
O Governo anunciou, no dia 12 de junho passado, novas medidas que modificam a legislação e as normas que regulam a questão agrária.
Por intermédio da Medida Provisória nº 1.577, foram alterados diversos dispositivos da Lei Agrária Nacional nº 8.629, de 1993, e, por meio do Decreto nº 2.250, de 1997, adicionados critérios balizadores da vistoria em imóvel rural destinado à reforma agrária, entre outras providências.
O Governo vem alardeando junto à opinião pública a medida provisória como uma ação moralizadora e agilizadora dos procedimentos de reforma agrária. O alcance efetivo das medidas desautoriza a ênfase do discurso.
Na verdade, a motivação principal do Governo com a MP, que inegavelmente representou uma perda para o latifúndio, está associada aos efeitos de alguns dispositivos sobre as finanças públicas, ficando os aspectos da moralidade e da ética em plano secundário, ainda que explorados, pela mídia, como os determinantes principais da decisão governamental.
Os dispositivos que visam restringir a verdadeira "orgia" com recursos públicos, nos processos administrativo e judicial da desapropriação de imóveis rurais, devem-se a imperativos da crise fiscal que a União atravessa e, portanto, à necessidade de preservação do próprio Plano Real, tendo em vista que, somente em precatórios nessa área, o Tesouro está sendo instado a pagar R$4 bilhões.
Do valor total do orçamento da reforma agrária para 1997, que é de R$2.597,9 milhões, 31%, ou seja, R$810,6 milhões estão reservados para o pagamento de precatórios.
Prova das preocupações com os desdobramentos da sangria fiscal decorrente das superavaliações de imóveis, é que a medida provisória procurou garantir o caráter da retroatividade para os dispositivos que permitem a contestação dos valores de desapropriação definidos pela Justiça, quando situados acima dos referenciais de mercado.
As superavaliações de imóveis pelo Incra e pela Justiça, além de outros ilícitos correntes nos processos de desapropriação, há décadas deixaram de ser novidade e, inclusive, desde o início do atual Governo, vêm sendo objeto de críticas públicas pelos titulares dos órgãos fundiários. Mas somente quando se perceberam os seus efeitos absolutamente insuportáveis sobre as finanças públicas e sobre as suas conseqüências políticas e econômicas derivadas é o que o Governo resolveu adotar as medidas em questão.
Quanto ao decreto, seu conteúdo revela uma atitude inconteste do Governo, em contrapartida aos latifundiários, pelas concessões incluídas na medida provisória, anteriormente colocadas. Os poucos avanços possibilitados pela medida provisória na aceleração dos procedimentos administrativos da reforma agrária foram totalmente anulados pelo decreto, que incorpora dispositivos relacionados ao processo de vistoria dos imóveis, potencialmente protelatórios da reforma agrária e favorecedores dos interesses dos latifundiários.
Além disso, e mais significativo do ponto de vista político, Governo e latifundiários visaram ganhos com o decreto quanto à institucionalização, nele consagrada, de uma estratégia indisfarçável de intimidação ao movimento sindical rural e, em especial, ao Movimento do Trabalhadores Rurais Sem Terra, por meio da tentativa de desestimular as ocupações - principal instrumento de pressão dos trabalhadores pela reforma agrária.
Não foi à toa que a edição do decreto se deu imediatamente após a esperada condenação do Movimento, subjacente à condenação de José Rainha, como forma de oportunizar o momento de suposto acuamento para essa organização de trabalhadores. Quero assinalar que o Presidente Fernando Henrique Cardoso, ainda ontem, reconheceu, em declarações, que houve um exagero da Justiça, uma injustiça, portanto, no que diz respeito à condenação de José Rainha.
O custo político para o Governo, com o decreto, pelo menos junto a alguns setores políticos e sociais que ainda apostavam em alguma réstia socialdemocrata do Governo, deve-se, além do conteúdo do instrumento propriamente dito, ao fato de o mesmo representar indício adicional do controle da administração Fernando Henrique, pelo PFL.
Não deve ser entendida como mera coincidência, a decisão, por Decreto, especialmente da proibição da vistoria de imóveis ocupados, antiga reivindicação da bancada ruralista no Congresso. O referido dispositivo encontra-se no Projeto de Lei nº 2.284/96, subscrito pelas Lideranças do Governo e dos Partidos de sua base de sustentação, como contrapartida ao apoio dos membros da bancada ruralista, à recente legislação que alterou a Lei do Rito Sumário.
Como o projeto não conseguiu prosperar na Câmara, o Governo resolveu liquidar a dívida com os latifundiários, via Decreto Presidencial.
Diríamos que há, também, com as medidas do governo, um evidente propósito dissimulatório. A grande imprensa vende ostensivamente tais medidas como suposta ação moralizadora do processo de desapropriação de terras. Isto passa a impressão, para a opinião pública, do empenho oficial no sentido da valorização do instrumento desapropriatório, quando, na realidade, o governo opera na direção da condução de sua política agrária em cima de mecanismos de mercado que curiosamente transferem para o latifúndio o poder de reforma da estrutura da propriedade da terra no Brasil.
Façamos uma rápida avaliação pontualizada dos dispositivos constantes do Decreto e da Medida Provisória em questão.
II- Os Dispositivos do Decreto nº 2.250/97
1. Nos termos do art. 4º, do Decreto nº 2.250/97, o imóvel rural, que venha a ser objeto de esbulho, não será vistoriado para efeito de reforma agrária, enquanto não cessada a ocupação, observadas as condições a serem fixadas em futura Portaria do Incra.
No plano estritamente técnico, parece-nos uma medida cuja constitucionalidade pode ser contestada, tendo em vista que a Constituição Federal define, em seu art. 185, os casos de imóveis insuscetíveis de desapropriação, quais sejam: a pequena e a média propriedade, desde que os seus proprietários não possuam outro imóvel e, a propriedade produtiva. Por Decreto, pretende o governo ampliar a norma constitucional, para incluir entre esses casos, a figura do imóvel sob ocupação. Sim, porque, ao proibir a vistoria do imóvel, automaticamente o Decreto está impondo a sua insuscetibilidade de desapropriação, ainda que pelo prazo que perdure o "esbulho".
2. Para "compensar" a restrição acima comentada, o art. 1º do Decreto estabelece a prerrogativa de indicação de áreas passíveis de desapropriação, pelas entidades estaduais representativas dos trabalhadores, com o compromisso de o governo proceder à vistoria do imóvel indicado, no prazo de 120 dias, sob pena de responsabilização administrativa.
Sobre tal medida, temos a comentar:
(i) a depender da interpretação da letra do texto, na prática, essa decisão pode, uma vez mais, ter visado o MST. O Movimento está organizado em 22 Estados da Federação, só que as suas coordenações estaduais são estruturas informais, não reconhecidas juridicamente, portanto. As duas organizações vinculadas ao MST - a ANCA e a CONCRAB - que poderiam (dependendo da boa-vontade do governo) assumir pelo MST a prerrogativa conferida pelo Decreto têm representações em apenas 06 e 07 Estados, respectivamente. Assim, o MST estaria excluído da indicação de imóveis para reforma agrária;
(ii) para os latifundiários que pretenderem se desfazer de suas terras, indicando-as para a reforma agrária, a medida do Governo parece altamente vantajosa, já que, dependendo de suas relações com as entidades patronais nos Estados, será mais cômodo e barato indicar a área, tendo a garantia da decisão em quatro meses, do que forjar ocupações onerosas e, portanto, indeterminadas.
(iii) a medida poderá constituir instrumento de grande injustiça para com os funcionários responsáveis pelas vistorias dos imóveis, podendo mesmo provocar resistências internas para a assunção de tais responsabilidades. Considerando: o grande déficit de pessoal técnico e administrativo do Incra; a dificuldade de os Estados compensarem essas deficiências via convênios com a União, possibilitados pelo art. 2º da Medida Provisória nº 1.577/97, em razão da situação de absoluto desmonte que atravessa o serviço público estadual, relacionados ao setor agrícola, e, ainda, a tendência de "enxurrada" de indicações de áreas pelas entidades", tudo isso contribui para se configurar uma perspectiva de dificuldades para a observância do prazo fixado.
"3. O art. 2º permite às entidades patronais e de trabalhadores a indicação de representantes técnicos para acompanhar a vistoria. A medida, ainda que tomada com o propósito de permitir maior transparência nos procedimentos de levantamento de dados e informações, poderá vir a criar obstáculos adicionais ao processo de reforma agrária. O dispositivo proposto não condiciona - e nem poderia - a realização da vistoria à participação das entidades. No entanto, ao fixar tal prerrogativa, abre a possibilidade para protelação ou para contestações judiciais da vistoria. Seria o caso, por exemplo, de a entidade patronal "x" comunicar oficialmente que indicará representante técnico em determinada vistoria, mas que, alegando dificuldades circunstanciais, solicita o seu adiamento por quinze dias. Têm-se, então, duas possibilidades: (i) o Incra aceita o pedido de adiamento, retardando, por conseqüência, o processo administrativo da reforma agrária, ou (ii) o Incra indefere o pedido, criando assim o risco de contestação da fase judicial do processo.
4. O art. 3º garante ao proprietário do imóvel, no prazo de quinze dias, o direito de "manifestação" sobre os laudos de vistoria e sobre as atualizações cadastrais. Com a medida, estabeleceu-se mais um procedimento protelatório do processo de desapropriação.
Na verdade, adicionou-se uma nova fase ao processo administrativo de desapropriação: impugnação do laudo de vistoria. O proprietário terá um prazo de quinze dias para isso. Tudo leva a crer que o recurso (impugnação) terá efeito suspensivo, o que impedirá a propositura da ação expropriatória enquanto não houver decisão sobre o recurso. Trata-se, pois, de mais uma oportunidade para os proprietários emperrarem os processos de desapropriação quando de suas conveniências.
III - Os principais dispositivos da Medida Provisória nº 1577/97
1. Em seu art. 1º, a Medida Provisória dispõe que a prévia comunicação poderá ser feita ao proprietário, preposto, ou ao representante e, na ausência destes, o Incra fará a comunicação mediante edital publicado, por três vezes, em jornal de grande circulação do Estado de localização do imóvel.
Este artigo é positivo e vem a atender antiga reivindicação dos próprios setores do Incra.
2. O art. 2º abre a possibilidade de firmatura de convênios entre União e Estados para delegar a estes atividades de cadastramento, vistorias e avaliações de propriedades, bem como outras atribuições relativas à execução da reforma agrária. Para tanto, os Estados deverão instituir órgão colegiado com a participação da sociedade civil organizada.
Em tese, a Medida é positiva. O problema, como indicamos antes, reside na precariedade atual das condições financeira, administrativa e operacionais dos órgãos dos setores públicos agrícolas da maioria dos Estados. A inclusão da expressão "bem como outras atribuições" deixa dúvidas sobre o alcance dessa iniciativa de descentralização administrativa da reforma agrária. Haveria a pretensão do máximo esvaziamento do Incra como estratégia de diluição do caráter nacional da reforma agrária?
3. O parágrafo 4º do art. 2º dispõe que, até seis meses após a data da notificação da vistoria, não será admitida qualquer modificação quanto ao domínio, à dimensão e às condições do uso do imóvel.
Excetuados os casos, poucos prováveis, de realização da vistoria no prazo de seis meses, quando se tratar de imóvel indicado pelas entidades estaduais, para os demais casos, considerando o que tem ocorrido até hoje, o prazo estabelecido de imutabilidade do imóvel é claramente insuficiente.
4. O art. 3º institui juros compensatórios, na ordem de 6% a.a., sobre a eventual diferença apurada entre o preço ofertado em juízo e o valor fixado pela justiça e pela desapropriação, a contar da data da emissão de posse.
A medida foi tomada com o propósito de baratear o custo final da desapropriação, na medida em que, até então, por força de jurisprudência formada, a incidência dos juros compensatórios alcançava 12% a.a. sobre o valor total da terra, tornando o latifúndio improdutivo, em processo de desapropriação, em ativo financeiro com rentabilidade, quase sem similar no mercado e, assim, promovendo forte erosão nos cofres públicos.
Na verdade, acreditamos que tal medida positiva foi tomada tardiamente, pois, com as alterações processadas pela MP, nos critérios para a definição do valor da terra, e eventualmente prevalecendo o rigor na responsabilização civil, penal e administrativa dos funcionários subscritores dos laudos, tanto do Executivo, como do Judiciário, os casos de divergência entre os valores ofertados em juízo e os definidos judicialmente serão remotos ou, quando ocorrerem, tendem a alcançar valores reduzidos.
5. O art. 11 inclui o Ministério Público entre os órgãos que deverão ser ouvidos quando da revisão periódica dos índices de produtividade.
Considerando que, se com apenas o Ministério da Agricultura, os índices não são atualizados, imagine-se agora com a imposição da duplicidade de responsabilização. Além do mais, não se pode esquecer que recentemente o Governo editou portaria ajustando os referidos índices, a qual foi imediatamente revogada por pressão dos ruralistas.
6. O art. 12 considera justa a indenização que reflita o preço atual de mercado do imóvel em sua totalidade, aí incluídas as terras, e acessões naturais, matas e florestas e as benfeitorias indenizáveis. Desse valor, procede-se à dedução do valor das benfeitorias indenizáveis a serem pagas em dinheiro, obtendo-se o preço da terra a ser indenizado em TDA.
Este dispositivo harmoniza a Lei Agrária, com determinação constante da Lei do ITR, apontando para a aproximação do valor da desapropriação ao valor de mercado do conjunto do imóvel. Reduz, assim, possibilidades de superavaliações. Conforme anteriormente apontei, ele tem um efeito moralizador.
Além dos dispositivos citados, e movido pela necessidade imposta de redução dos gastos públicos, o Governo inclui, na Medida Provisória, um dispositivo determinando a ampliação do direito de proposição de ação rescisória de dois para quatro anos, contados a partir do trânsito em julgado da decisão. Com isso, o Governo pretende maior espaço para a reversão de decisões judiciais que culminaram em exorbitância de valores de indenizações de imóveis desapropriados. Combinada com essa providência, a Medida Provisória amplia as hipóteses para ação rescisória fixadas no art. 485 do Código de Processo Civil, incluindo os casos onde a indenização fixada em ação de desapropriação for flagrantemente superior ao preço de mercado do bem desapropriado. Mas cabe perguntar: e se a indenização for veladamente superior, não pode?
Por fim, a medida provisória, pelas motivações acima citadas, incorpora dispositivo em seu art. 5º, permitindo à Justiça, a qualquer tempo, conceder medida cautelar para suspender os efeitos das sentenças objeto de impugnação pelas ações rescisórias.
Esses dispositivos, bem como o diálogo retomado hoje entre o Incra e integrantes do Grito da Terra, representam um passo, ainda que pequeno, na direção de procedimentos para a reforma agrária. Todavia, espero que o Governo disponha-se com real afinco e agilidade para solucionar o problema de milhares de brasileiros que querem um pedaço de terra para trabalhar, em vez de continuar ao lado dos que querem a terra para especular.
Sr. Presidente, precisa o Governo brasileiro agir de forma mais rápida do que até agora o fez, para modificar a atual estrutura agrária: 57% dos imóveis rurais agricultáveis nas mãos de 2,6% dos proprietários de imóveis, como assim detecta o anuário que o Incra divulgou, em 1996, sobre dados de 1992. Seria interessante que o Incra agilizasse a atualização desses dados sobre a estrutura fundiária para podermos examinar a velocidade das ações relativas à reforma agrária. Se de um lado temos assentamentos, realização, ainda que modesta, da reforma agrária, há, por outro, dezenas de milhares de trabalhadores e proprietários rurais sendo expulsos da terra em decorrência da política agrícola e também em função dos efeitos naturais do processo de desenvolvimento da agricultura.
Sr. Presidente, gostaria de registrar que, na exposição feita por Francisco Urbano, Presidente da Contag, ao Ministro Raul Jungmann e ao Presidente Milton Seligman, do Incra, ele registrou que as entidades representativas do Grito da Terra estavam entrando com uma ação de inconstitucionalidade contra este decreto que trata das vistorias, o Decreto nº 2.250/97. Francisco Urbano observou que, há muito tempo, batalha-se por isso; e, muitas vezes, o poder dos grandes proprietários é de tal ordem que, ao invés de o Governo avançar na direção de reconhecer direitos dos trabalhadores, acaba reconhecendo, mais que os direitos, os anseios e as preocupações dos proprietários de terras. Desta vez, os proprietários de terra queriam que o Governo definisse que não se vistoriassem áreas que porventura estivessem ocupadas. Francisco Urbano relembrou o episódio ocorrido pouco depois da abolição da escravatura. Naquela época, houve quem pensasse numa indenização aos escravos, em virtude de terem contribuído, por gerações - foram três séculos de escravidão -, para a acumulação de capital de seus proprietários sem receber remuneração. Entretanto, qual foi a lei que o Executivo apresentou e que o Congresso Nacional, à época, acabou aprovando? Uma indenização aos antigos proprietários de escravos pelos escravos que tinham. Ora, será que não há um paralelo com a situação de agora?
E outra coisa, Sr. Presidente: a Constituição contém dois artigos que merecem aqui uma reflexão. O primeiro artigo é o de nº 183, que dispõe:
"Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural."
O art. 191 dispõe:
"Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade."
A Constituição brasileira reconhece, tanto no setor urbano quanto no rural, a possibilidade de uma pessoa em necessidade ocupar um espaço não devidamente ocupado, seja para uma residência, para uma fábrica, para uma fazenda que esteja usando a terra de forma produtiva. A Constituição prevê a possibilidade de uma pessoa, de uma família, ocupar esse espaço para sua habitação ou para atividade produtiva familiar. Portanto, há razão na observação das entidades que compõem o Grito da Terra, no sentido de solicitar ao Governo que reflita melhor sobre o conteúdo deste decreto.
Muito obrigado.