Discurso no Senado Federal

REFLEXÃO ACERCA DAS OBSERVAÇÕES DO ANALISTA WILLIAM GREIDER SOBRE AS CONTRADIÇÕES ECONOMICAS E FINANCEIRAS DA GLOBALIZAÇÃO DO SISTEMA PRODUTIVO E ALERTA PARA OS ENORMES RISCOS QUE ESSE PROCESSO OFERECE, CONSTANTES DO LIVRO 'UM MUNDO, PREPARADO OU NÃO: A OBSESSIVA LOGICA DO CAPITALISMO GLOBAL'.

Autor
Esperidião Amin (PPB - Partido Progressista Brasileiro/SC)
Nome completo: Esperidião Amin Helou Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • REFLEXÃO ACERCA DAS OBSERVAÇÕES DO ANALISTA WILLIAM GREIDER SOBRE AS CONTRADIÇÕES ECONOMICAS E FINANCEIRAS DA GLOBALIZAÇÃO DO SISTEMA PRODUTIVO E ALERTA PARA OS ENORMES RISCOS QUE ESSE PROCESSO OFERECE, CONSTANTES DO LIVRO 'UM MUNDO, PREPARADO OU NÃO: A OBSESSIVA LOGICA DO CAPITALISMO GLOBAL'.
Publicação
Publicação no DSF de 09/07/1997 - Página 13465
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • COMENTARIO, LIVRO, AUTORIA, WILLIAM GREIDER, JORNALISTA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ANALISE, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, PROCESSO, GLOBALIZAÇÃO, DEFESA, POLITICA SOCIAL, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO, RIQUEZAS.
  • ANALISE, DOUTRINA, SOLIDARIEDADE, AMBITO, IGREJA CATOLICA.

O SR. ESPERIDIÃO AMIN (PPB--SC) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, recentemente, William Greider lançou, nos Estados Unidos, Um mundo, preparado ou não: a obsessiva lógica do capitalismo global, em que, como jornalista e analista, examina as contradições econômicas e financeiras da globalização do sistema produtivo e alerta para os enormes riscos que esse processo oferece. O autor não tece críticas à globalização, que julga um processo inevitável da evolução tecnológica, mas à desconexão que esse fenômeno está criando entre os que produzem os bens e os consumidores desses bens, com o crescimento da concentração da renda e da riqueza. Greider julga insustentável esse resultado, porque a globalização não está acompanhada de uma estratégia social capaz de demonstrar que a prosperidade será compartilhada.

Segundo o analista, o modelo de livre comércio hoje defendido pelos Estados Unidos é, na verdade, hipócrita. Seria mais apropriado denominá-lo "comércio administrado", no âmbito do qual os participantes firmam acordos e fazem negócios econômicos ou políticos. Os investimentos nos países em desenvolvimento são atraídos pelos baixos salários e pelas facilidades oferecidas pelos governos. São investimentos que entram sem condicionamentos, apenas para ganharem mais, ganhos baseados grandemente na exploração da mão-de-obra. Um semelhante sistema gera ressentimentos porque abre fossos internos e exclui a sensibilidade para com os problemas dos outros. Nessas circunstâncias, o futuro fica comprometido, porque o futuro de uma sociedade depende de seu grau de eqüidade.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as observações desse analista, sem dúvida, merecem séria reflexão, em face dos aspectos sombrios que se vislumbram para o futuro dos países em desenvolvimento e para os pobres de maneira geral.

Hoje, ninguém contesta a crise que se abateu sobre o chamado Estado do bem-estar social, situação que tende a agravar-se se não forem implementadas as estratégias de compartilhamento da prosperidade a que já me referi. Muitos especialistas atuais de filosofia social sustentam que o contrato social a nascer da modernidade não poderá fundar-se somente nos princípios da liberdade e da igualdade -- contrato social entre seres humanos livres e iguais --, mas deverá introduzir também o terceiro princípio da Revolução Francesa: a fraternidade/solidariedade. Com esse terceiro princípio fica assumida a inevitável assimetria da condição humana, assimetria que provoca e exige uma resposta de solidariedade que consiste, basicamente, em tratar desiguais por carência de maneira desigual por preferência.

Nesse horizonte, nada mais adequado do que os princípios básicos que alicerçam o solidarismo da doutrina social da Igreja Católica, compendiados nas diversas encíclicas papais, desde a Rerum Novarum de Leão XIII até à Centesimus Annus de João Paulo II, passando pela Quadragesimus Annus de Pio XI, Mater et Magistra e Pacem in Terris de João XXIII, Populorum Progressio de Paulo VI, Solliccitudo Rei Socialis e Laborem Exercens, também de João Paulo II.

A doutrina do solidarismo surge dessas fontes que, ao longo dos anos, condensaram a reflexão do pensamento católico sobre a realidade política e sobre como esta deve ser implementada para atender às necessidades da coletividade humana. Trata-se de uma visão que se diferencia profundamente do determinismo histórico, do materialismo dialético e do moderno neoliberalismo endeusador do mercado, que, na concretude, são concepções histórica e antropologicamente reducionistas da verdade do ser humano.

Segundo Fernando B. Ávila, sacerdote jesuíta, os ensinamentos de que decorrem os princípios do solidarismo podem ser sintetizados em cinco pontos fundamentais.

Em primeiro lugar, o princípio da dignidade inalienável da pessoa humana, sem nenhuma restrição. Esse princípio funda-se na fé em ser a origem de toda a humanidade a bênção original e criadora de Deus, pai de todos. Com base nessa origem, todos são iguais, não por determinação positiva humana, mas por proveniência de uma única fonte de infinita bondade. Nesse panorama, não há lugar para nenhuma espécie de discriminação, seja de raça, de situação econômica, de idade, de sexo, seja de salário ou de posição social.

Em segundo lugar, a primazia do bem comum sobre os interesses privados. O bem comum, segundo o solidarismo cristão, constitui-se a própria razão de ser do Estado. A encíclica Mater et Magistra define o bem comum como sendo o "conjunto de condições concretas que permitam a todos atingir níveis de vida compatíveis com sua dignidade de pessoas humanas". Promover esse bem comum, portanto, "é o sentido essencial e o objetivo mesmo do Estado, sua razão de ser" (Fernando B. Ávila).

O terceiro princípio refere-se à questão da propriedade. Por ele, consagra-se a primazia da destinação universal dos bens sobre a apropriação individual. Deve-se ressaltar, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que a Igreja, por esse axioma, não nega o direito de propriedade -- pelo contrário, defende-o --, mas qualifica-o como sendo uma responsabilidade social mais do que um privilégio individual. Entende que a propriedade particular é o melhor e mais eficaz caminho para efetivar a destinação universal dos bens -- pois, se os bens não forem propriedade dos que produzem, ninguém se esforçaria para transformá-los em bens ou em serviços para a comunidade, uma vez que, segundo o adágio, "a posse de todos é negligenciada por todos".

Em quarto lugar, é salientada a primazia do trabalho sobre o capital. Esse princípio talvez seja o mais confrontador na atual fase da história, marcada exatamente por forte tendência à concentração do capital. A serviço da concentração, inclusive, é colocada toda uma gama de instrumentos tecnológicos que possibilitam extrema rapidez de decisões e de negócios. Pode-se, então, à luz desse princípio, compreender o posicionamento da doutrina social da Igreja no sentido de total incompatibilidade com o capitalismo neoliberal, que exalta a primazia do capital sobre o trabalho e só admite o mercado como mecanismo de distribuição de renda. De acordo com a Laborem Exercens: "toda forma de apropriação coletiva, pública ou privada, só é legítima na medida em que ela serve ao trabalho".

Enfim, o quinto princípio: o da subsidiariedade, segundo o qual às instâncias superiores não pode ser atribuída a tarefa que as instâncias menores podem realizar com maior proficiência. O papel das esferas superiores constitui um dever supletivo, de coordenação e de promoção da iniciativa e da criatividade das esferas inferiores. Nesse contexto, a União, os Estados, os Municípios têm atribuições específicas, cada um em seu âmbito, do mais abrangente e geral para o mais específico e local. À instância superior não cabe imiscuir-se nas esferas menores. O princípio da subsidiariedade é "fonte da vitalidade de um número imenso de instituições, de movimentos e de iniciativas, expressão da maturidade democrática, libertada do paternalismo estatal" (Fernando B. Ávila). Esse princípio não diz respeito somente ao Estado, mas também à iniciativa privada, às empresas, às instituições ou organizações não governamentais.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na atual fase histórica vivenciada pelos povos no campo do relacionamento econômico e político, fase de universalização, concentração e exclusão, julguei por bem destacar a importância da proposta do solidarismo cristão, porque representa, sem dúvida, uma visão impregnada de humanismo integral e integrante, integrante dos indivíduos e das sociedades, longe de um horizonte de excludente competitividade, de obsessiva lógica global e de seleção econômico-eugênica.

Tenho certeza de que esses princípios, se orientadores fundamentais tivessem sido da ação dos governos ao longo de nossa história, hoje o Brasil seria outro, talvez sem lugar para os desgastantes confrontos entre Governo e segmentos importantes da sociedade nacional.

Não resta dúvida de que, sem compromisso com a eqüidade, como afirma Greider, a humanidade caminha para algum tipo de calamidade. O solidarismo cristão tem uma proposta alternativa e segura, pois nasce de ampla antropologia, alicerçada no transcendente que se faz história para ser fraternidade/solidariedade. A globalização não terá nem provocará traumas se for acompanhada pela qualificação da solidariedade.

Era o que tinha a dizer!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/07/1997 - Página 13465